Da urgência em ler mulheres

Elaine Moraes
Minas Não Há Mais
4 min readDec 5, 2017

Há pelo menos três anos, tenho me dedicado à leitura de mulheres. Em 2017, percebi que a prática era mais que necessária, na verdade, era urgente. Depois de participar de oficinas, palestras, fóruns e demais eventos sobre Literatura, notei que, em geral, o público presente recorre, quase exclusivamente, a textos escritos por homens. O repertório parece se constituir de forma espontânea em torno do cânone e ele é masculino.

Também eu, durante uma vida, não havia percebido que lia apenas tais autores. Há, claro, razões para tanto. Uma delas é que as prateleiras das bibliotecas escolares eram ocupadas, em grande parte, com livros escritos por homens. Deve-se ressaltar que houve um período da história no qual a leitura e a escrita pertenceram a eles. Elas não eram sequer alfabetizadas. Mais tarde, quando já podiam ler e escrever, autoras enfrentaram a desconfiança dos pares. Muitos alegaram que mulheres faziam uma “literatura menor”.

Hoje, mesmo que possamos atestar o reconhecimento de inúmeras escritoras, ainda lidamos com os resquícios de uma outra época. Por isso, ler mulheres se tornou urgente para mim. Posso dizer que elas são referências caras à minha formação como leitora e escritora.

Compartilho, então, com vocês, dez autoras e suas obras:

1- Vida Submarina, de Ana Martins Marques. A poeta mineira me arrebatou. Confesso que não leio poesia com a mesma entrega que dedico aos romances e contos, mas, neste ano, Ana Martins mudou isso. Os poemas (narrativos) me cativaram por sua sonoridade, seu ritmo e apuro estético, pelas inúmeras imagens sensíveis de uma “vida que não se vê” e por fazer da poesia também um “lugar de pensar”.

2- Meio Sol Amarelo, de Chimamanda Adichie. Inaugurei a leitura da autora nigeriana com este romance e já a incluí na minha lista de preferências. As personagens se veem afetadas pela guerra civil da Nigéria, ao mesmo tempo em que lidam com os seus próprios conflitos. A construção da linguagem feita (também) a partir do registro oral e as muitas passagens poéticas foram os elementos que mais me seduziram.

3- Cova 312, de Daniela Arbex. Já havia me rendido à jornalista mineira com Holocausto Brasileiro, livro que me instigou a iniciar um projeto de escrita. Em Cova 312, Daniela investiga a morte de militante político que foi torturado e morto por agentes da repressão, durante o regime militar no Brasil. O livro-reportagem demonstra como a alegação oficial de que o preso político teria cometido suicídio se trata de uma fraude. A narrativa traz o impacto dos fatos revelados e a cativante escrita literária da jornalista.

4- A Redoma de Vidro, de Sylvia Plath. Único romance da poeta norte-americana. Segundo a crítica, está repleto de referências autobiográficas. Esther é uma jovem mulher em busca de sua voz autoral e de si mesma. Narrativa densa e áspera. “Ela colocou algo na minha boca e, em pânico, eu mordi — e a escuridão me pagou como giz sobre um quadro negro”.

5- Vésperas, de Adriana Lunardi. O livro de contos da escritora brasileira transforma Clarice Lispector, Virginia Woolf, Ana Cristina César, Katherine Mansfield, dentre outras, em personagens. As narrativas, que se constituem de dados biográficos e imaginação, remontam ao dia anterior à morte das autoras. A escrita de Adriana se apropria ainda do tecido de que é feito as obras das grandes escritoras, mas imprime também sua marca autoral.

6- Um Teto Todo Seu, de Virgínia Woolf. Já havia lido trechos deste ensaio da escritora inglesa, mas só agora o li na íntegra. Livro obrigatório para autoras e leitoras. Apesar de ter sido publicado no final da década de 1920, sua reflexão sobre a relação entre as mulheres e a ficção permanece pertinente. Por meio de uma personagem fictícia e de pesquisa histórica, ela analisa as condições necessárias para que as mulheres possam escrever Literatura.

7- Minha Vida de Menina, de Helena Morley. Delícia de leitura. O conjunto de textos de Helena Morley, pseudônimo da brasileira Alice Dayrell Caldeira Brant, nos envolve pela afetividade e pelo ponto de vista peculiar de uma jovem (entre 13 a 15 anos). As lembranças da menina são dispostas em forma de diário, que teria sido escrito entre 1893 a 1895. O pano de fundo é a abolição da escravidão no Brasil e a decadência da atividade minerária em Diamantina. As peraltices e os questionamentos da adolescente me trouxeram risos e alguma melancolia.

8- Desesterro, de Sheyla Smanionto. O romance da escritora brasileira, de apenas 25 anos, é um soco no estômago. Sei que a expressão está desgastada, mas clichês também contam verdades. A narrativa fragmentada e de vocabulário singular é exigente. As personagens veem a vida repetir em territórios de escassez. O espaço geográfico e metafórico é mais uma personagem da trama.

9- A Elegância do Ouriço, de Muriel Barbery. Mal posso esperar pelo próximo romance (filosófico) da autora. Renée, a discreta personagem de Muriel, é provocadora, ácida e leitora voraz de Tolstoi. Por meio dela, vemos a humanidade com perturbadora suspeição, que só é apaziguada diante das diferentes formas de expressão artística. Neste livro, há passagens, reflexões que eu gostaria de tatuar!

10- Quarenta dias, de Maria Valéria Resende. A história da autora mais parece um conto. A freira, que cursou Literatura francesa em Nancy e conversou horas a fio com Fidel Castro, lançou o romance com 72 anos. A personagem do livro também é uma idosa, que é convocada pela filha para mudar de endereço e passar a olhar a neta, que é ainda apenas um desejo. A narradora e personagem se vê em fuga e se entrega à procura errante de um homem desaparecido.

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Elaine Moraes
Minas Não Há Mais

Jornalista e professora. Da vida deseja apenas afeto, longas conversas e contar histórias.