Liquidação

Maurício Angelo
Minas Não Há Mais
3 min readMay 21, 2018

Hoje é dia de capitular decisões, esquentar os pés gelados, de ver como abracei a felicidade adiposa e acomodada que tanto detestava. Sou um burguês pleno, bem alimentado, bebendo delícias proibitivas a homens de pouca fé no capital. Indispensáveis prazeres soporíferos.

Falsa estabilidade. O hoje como único elemento formador. O amanhã pouco importa. Já desisti de me preocupar.

Lembro dos beijos quentes, dos cabelos cheirosos, das transas maravilhosas. Da entrega total.

É quando somos mais animais que encontramos uma felicidade pura, bestial e torpe. É do que não conseguimos abdicar.

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Quanta vergonha, quanto pudor. Pecado demais pra pouca oração. Muita conversa pra pouca melância. Um jato na barriga. Grito na madrugada. Socos, muitos, até sangrar. Vomita mas não para. Passe mal de excesso mas não passe mal de fome. Derrame, provoque. Pilhe. Uma franquia de jornalismo marrom.

Mulher morta à machadas na Vila Verde. Homem esviscerado no Cabana. Violência gratuita custa 25 centavos na banca. E muito choro e ranger de dentes pela madrugada. Se o preço da cerveja não subir, tá valendo. O meu umbigo eu quero em malte. Os ladrões não vão entrar.

Sorria. Tá tudo garantido lá na importadora.

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Chegou como um tufão. Foi dominando tudo com seu charme malicioso. Não deixou nem um bilhete. Um beijo no espelho. Um agradecimento ou um palavrão. Só um lençol manchado, alguns hematomas, um punhado de boas lembranças e uma cicatriz. Tá de bom tamanho. É mais do que normalmente se tem. Gosto de baunilha queimada na boca.

Baforadas de fumaça cara. Cheiro de madeira. Retrogosto de frutas secas. Brincadeiras de sentidos. Passe a geléia de pimenta, vá. Façamos uma oração pra Ogum. Deixa a gira girar.

Chega aqui, tenho as melhores más intenções do mundo. Prometo que não vou prometer. Expectativa vence rápido. Melhor a dúvida que a mediocridade certa.

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Já não fico alterado, não. É carne — e gordura — demais. É falta de vergonha. Uma certa canastrice. A gente só funciona na base da desgraça. Ou nem assim. Tá fácil pra muita gente que eu conheço. A minha parte eu quero em ouro. Mercado futuro. Faz-me rir. Melhor aplicar tudo nos vícios de sempre. Previsível, basta aceitar. Ou dar murro em ponta de arma.

Quando explode, passa batido. Atravessa a alma como pudim. Daqueles de caixinha. Deixa um belo estrago lá dentro. Dizem que não cura jamais. É verdade, posso atestar. Mezzo calabresa mezzo siciliana. Licor de limão doce até a morte. Criancinhas enrolando charuto. Um mosaico de estupidez. Vigas fincadas no concreto.

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Quero deixar pingar até escorrer tudo. Vai lambuzar o caminho todo. Depois a gente se vira. O que vier eu jogo pimenta. É uma delícia quando queima. Chupe. Engula. Olha pra mim. Você fica linda desse jeito. Melhor o torpe que a negação vagabunda. Vi quando tocou os pés n’água. Parecia um animal amedrontado, tremendo de frio. Filhote perdido no rio. Minutos de indiferença eterna.

Atitude dá pra comprar na internet. Divide em 12 vezes. Entrega rápida. Ganha um perfil fake de brinde. Pegou tudo que detestava, acumulou ao longo de 24 anos. Queimou todas as reminiscências com bourbon. Ainda assou um queijo coalho por cima.

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Exorcizo te, omnis spiritus immunde, in nomine Dei / Patris omnipotentis, et in noimine Jesu Christi Filii ejus, Domini et Judicis nostri, et in virtute Spiritus

Tudo em vão. Deu 7 tiros. Errou 4. A capivara saiu cambaleante. Agonizou durante uns 10 minutos até morrer. Só por diversão. Ajuda a amenizar o tédio. Nunca iria atingir aquilo novamente. Foi embora com um sorriso canalha e os pés sujos de lama.

(Belo Horizonte, junho de 2011)

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Maurício Angelo
Minas Não Há Mais

Jornalista e escritor. Autor de “Meu Mundo é Hoje” e “11 Rounds”, de contos e “Latitude 19 & Outros Hematomas”, de crônicas e poemas.