No alicate das horas

Maurício Angelo
Minas Não Há Mais
1 min readOct 26, 2018

há uma angústia espessa
pintando as paredes de uma
baforada ébria
que anuncia o campo de concentração
em um suspense infinito

somos milhões a aspirar o gás
dos facínoras
trabalhando feito porcos no chiqueiro refrigerado
rumo ao abatedouro

jogamos farelos ao rei de cristal
adoramos um deus falso que nos trai
a todo momento
enquanto jabuticabas brotam dos pés

recortamos simulacros do fascismo
retirados de cadernos de palavras cruzadas
que se anunciam com doses de humor
em preto e branco

vomitamos balas de fuzil
com fios de cobre enfiados no ânus
jurando de morte
a sutileza final

respiramos o pó dos cadáveres mutilados
que nos esperam
no espelho do alçapão
quando tudo for treva e ruína
e o grito ecoar miúdo
calado
na neblina dos dias

gozaremos do prestígio dos profetas do acontecido
dos óbvios empilhados em páginas de jornal
dos rostos desfigurados de robôs
e transeuntes atrevidos
tropeçando no alicate das horas

ruminaremos o desgosto da complacência
da baba triunfante dos mentirosos
a nos torcer o pescoço frágil da democracia
desmembrada em ralés de glória

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Maurício Angelo
Minas Não Há Mais

Jornalista e escritor. Autor de “Meu Mundo é Hoje” e “11 Rounds”, de contos e “Latitude 19 & Outros Hematomas”, de crônicas e poemas.