A comparação é o ladrão da alegria

Natri (Fabio Natrieli)
MIND o>er matter
6 min readJun 26, 2018

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No começo deste ano, uma banda que gosto bastante, o Depeche Mode, tocou em São Paulo. Eu, infelizmente, não pude ir ao show deles.

Acontece que no dia do show, bem ao fim da tarde, choveu muito em São Paulo, daquelas chuvas dignas do verso do poeta sobre as águas de março que encerram o verão. Nesse momento, eu já estava em casa, confortável, e foi aí que me peguei pensando algo bem pequeno: eu senti certa felicidade “mórbida” por estar chovendo torrencialmente e por eu ter escapado de estar lá no estádio tomando chuva na pista.

Cá entre nós, será mesmo que eu me sentia assim como tentava convencer a mim mesmo?

Eu estava dizendo a mim mesmo que deveria estar feliz por não estar lá “sofrendo” na chuva. Mas, no fundo, eu sabia a verdade: como não tinha conseguido ir ao show, fiquei comparando a minha situação com a de quem tinha ido tentando encontrar uma forma de me sentir melhor por estar em casa.

Na hora que me flagrei pensando nisso mandei um WhatsApp para um grupo de amigos como que brincando e confessando meu egoísmo: "eu pareço legal mas fiquei aliviado de ver a chuva desabando, porque eu queria ir no show e não fui e pensar que escapei dessa chuva me fez sentir bem, mesmo que isso signifique estragar a noite de 30 mil pessoas".

No fim da história todo mundo ficou feliz: antes do show começar a chuva deu uma trégua (como se vê no vídeo abaixo) e, apesar de terem enfrentado trânsito e chuva, as pessoas aproveitaram o espetáculo e eu, da minha parte, aproveitei a lição para vigiar meus pensamentos e sentimentos.

Eu não fiquei me autoflagelando, até porque trata-se de uma história trivial. Mas a vida é feita de momentos assim, e se colocarmos atenção neles, de forma honesta e sincera, podemos aprender muita coisa sobre nós e tudo aquilo que pensamos e sentimos nas mais variadas situações. O ponto é que observar a si mesmo com certo distanciamento dos sentimentos que afloram no calor da emoção (seja de regozijo ou dor) nos ajuda a entender sobre quem está no comando: o eu (o ego) ou o Eu (quem somos de verdade). Como li certa vez:

"O tédio, a raiva, a tristeza ou medo não lhe ‘pertencem’, não são exclusivos seus. São características da mente humana. Vão e vem. Você não é nada do que vai e vem." Eckhart Tolle

Fato é que estamos sempre roubando a nossa felicidade porque não estamos focados onde estamos, ainda que estejamos onde escolhemos estar, porque estamos sempre nos comparando com os outros e porque o apetite do ego é insaciável. A tal da história sobre a grama do vizinho ser sempre mais verde.

Quer ver como isso funciona na prática?

Imagine se lhe fosse dada a oportunidade de escolher entre dois empregos:

A) Um cargo que você recebe R$ 150.000,00 por ano;

B) Um cargo que você recebe R$ 300.000,00 por ano.

Parece que a escolha é óbvia, não?

Todo mundo em sã consciência escolheria a opção B… se não fosse por um pequeno detalhe que eles inseriram na pesquisa. Os outros. Quando fizeram essa mesma pergunta para estudantes da Universidade de Harvard com esse pequeno acréscimo (os outros) a coisa mudou de figura:

A) Um cargo que você recebe R$ 150.000,00 por ano (e todos os seus colegas recebem R$ 75.000,00, ou seja, você recebe o dobro que eles);

B)Um cargo que você recebe R$ 300.000,00 por ano (e todos os seus colegas recebem R$ 600.000,00, ou seja, você recebe metade do que eles).

Com esse adendo, o que você acha que a maioria das pessoas escolheu?

A maioria optou por receber menos, mas ganhar mais em relação ao colegas em detrimento de receber mais e ficar atrás dos colegas.

Parece difícil de acreditar, não? Mas, além da evidência desse estudo — que você pode acessar abaixo — , pare e pense honestamente, será que você já não fez escolha semelhante?

J. Solnick, Sara & Hemenway, David, 1998. “Is more always better?: A survey on positional concerns,” Journal of Economic Behavior & Organization, Elsevier, vol. 37(3), pages 373–383, November.

Quantas coisas já não deixamos de fazer porque estávamos nos comparando com os outros?

Quantas coisas não continuamos fazendo, mesmo não gostando, porque nos comparamos a todo tempo com os outros?

Some isso à tecnologia e talvez encontremos aí parte da explicação porque os índices de depressão cresçam ano após ano, já que as redes sociais permitem que você acompanhe a vida das pessoas (ou a melhor parte que elas escolhem mostrar) e compare com a sua e com todos os problemas nos quais você está imerso. Todos temos problemas, mas enquanto superestimamos a dimensão dos nossos problemas, valorizamos em demasia o lado bom da vida dos outros.

Essa hipótese está embasada por outro estudo, feito pela Universidade de Sheffield, com crianças na Inglaterra, que sugeriu que àquelas que passam mais tempo on line nas redes sociais (Facebook, Snapchat, WhatsApp and Instagram) são menos felizes em vários aspectos de suas vidas.

Segundo os pesquisadores, há evidências que a redução da felicidade esteja relacionada com o fato das crianças compararem suas vidas com as das outras crianças e também devido ao bullying virtual.

Para ser justo, a comparação nem sempre é prejudicial. Somos influenciados a parar de fumar se nossos amigos param de fumar. Somos incentivados a perder peso se nossos amigos perdem peso e somos mais propensos a nos tornarmos obesos se nossos amigos estão obesos. Todos esses achados estão fundamentados em evidências científicas compiladas no livro abaixo.

Christakis, Nicholas A., and James H. Fowler. Connected: The Surprising Power of Our Social Networks and How They Shape Our Lives. New York: Little, Brown, 2009.

Mas o que motiva a comparação? Um comportamento que tem em sua base, mesmo que inconscientemente, a noção de competição. Há 300 anos, temos sido ensinados que a vida é uma luta pela sobrevivência.

Existe, entretanto, um corpo de pensadores (biólogos, físicos, filósofos e também gente como a gente, etc) que defendem uma nova visão de mundo, na qual a vida deixa de ser uma competição pela sobrevivência para se tornar uma cooperação pela sobrevivência.

Essa mudança demanda uma coisa: autoconhecimento. Se você sabe quem É, você para de alimentar complexos de inferioridade ou superioridade.

Se a comparação é o ladrão da alegria, então a cooperação é a raiz da felicidade.

Você não é seu cargo, seu trabalho, seu salário, o que você compartilha. Em um mundo que mede o valor das pessoas por aquilo que têm, seja dinheiro, seguidores e curtidas, você não precisa morder a isca. Seja a sua melhor versão. A jornada é para dentro, você com você mesmo. Parece meio chavão, mas é a mais pura verdade: você é um ser único, parte integrante do Todo mas único, tal qual a sua história, ela é inigualável. Viva a sua jornada. Não gaste a sua energia se comparando. A forma mais comum de anular o que você tem de especial é se comparar com os outros.

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