A economia da dopamina: a gente usa a Internet ou ela que usa a gente?

Natri (Fabio Natrieli)
MIND o>er matter
Published in
12 min readNov 11, 2017

Como a gente pode saber se determinado hábito é considerado saudável? Uma forma simples de verificação é notar se os pais permitem ou restrinjem o consumo daquilo.

Talvez tenha sido exatamente por isso que a declaração que Steve Jobs deu em 2010, revelando ao NYT que os seus filhos não usavam Ipad em casa, pegou muita gente de surpresa. Na entrevista, ele foi claro e categórico:

"Nós limitamos o uso da tecnologia em casa"

Ele não está só. Vários outros empreendedores ligados à tecnologia, como Bill Gates, dono da Microsoft; Chris Anderson, editor da WIRED; Evan Willians, cofundador das empresas Blogger, Twitter e Medium; dentre outros mais, todos assumiram publicamente que limitam drasticamente o uso da tecnologia em casa.

O biógrafo do Steve Jobs disse que, jamais, em qualquer jantar que esteve presente na casa do falecido fundador da Apple, alguém da família usava o celular na mesa para o que quer que fosse.

No excelente livro “Irrestible: the rise of addictive technology and the business of keeping us hooked“, Adam Alter propõe uma excelente analogia:

"Parece que as pessoas que produzem produtos tecnológicos seguem a mesma regra cardinal dos traficantes de drogas, não consumir o que vende", Adam Alter

Hoje, já existe um corpo robusto de evidência que propõe uma relação muito próxima entre o vício em drogas e tecnologia, de modo que associar uma coisa à outra não é uma metáfora.

Contudo, repare que diferentemente das drogas, a tecnologia não requer a ingestão de substâncias para que haja reação química no cérebro. Apenas a interação entre homem e máquina por intermédio de curtidas, comentários e seguidores já basta para disparar os mesmos gatilhos que produzem os efeitos que os estimulantes causam em nosso cérebro, ativando as mesmas regiões, de modo muito similar.

Por exemplo, em um estudo americano, pesquisadores do centro de mapeamento cerebral da UCLA usaram um scanner para obter imagens do cérebro de 32 adolescentes enquanto eles usavam um aplicativo de mídia social personalizado semelhante ao Instagram. Ao observar a atividade dentro de diferentes regiões do cérebro enquanto os adolescentes usavam o aplicativo, a equipe descobriu que certas regiões foram ativadas pelo “curtir”, com o centro de recompensa do cérebro se tornando especialmente ativo. Não coincidentemente, esse é o mesmo local no cérebro que também é ativado quando o assunto é sexo, drogas e ganhar dinheiro.

Um outro estudo publicado no Journal of Behavioral Addictions, sugere que os usuários que usam excessivamente as redes sociais agem de forma similar aos usuários de drogas, demonstrando preocupação excessiva com as plataformas de mídia social quando não as estão usando, alteração de humor ao acessar esses sites e tolerância às recompensas sociais obtidas a partir de interações. Esses usuários também tendem a enfrentar conflitos com os outros por causa do uso das redes sociais e, ao tentar parar, exibem sintomas de abstinência e freqüentemente recaem. Mais importante ainda, os indivíduos com vícios em substâncias e comportamentais têm dificuldade em tomar decisões baseadas em valores e esse padrão também se observa com usuários das redes sociais.

Pessoas que abusam de drogas como opioides, cocaína e metanfetamina também têm resultados semelhantes no teste aos viciados em redes sociais, mostrando que ambos os vícios causam a mesma deficiência na tomada de decisão.

"Cerca de um terço da humanidade está usando as mídias sociais e algumas dessas pessoas estão exibindo um uso excessivo e equivocado desses sites. Esperamos que nossas descobertas motivem o campo a levar a sério o uso excessivo das mídias sociais."

- Dar Meshi, Principal autor do estudo e Professor Assistente na Universidade de Michigan

Isso, contudo, não é exatamente uma novidade. Se você não é uma pessoa viciada em redes sociais, certamente conhece uma e, empiricamente, já observou os danos que o uso excessivo pode causar.

Posto isso, existe ainda ainda mais razões para nos preocuparmos. Por quê? Nem tanto pelo vício, mas pela cultura. Eu explico.

Sabe-se que o vício é influenciado por dois fatores principais: ambiente e circunstância. É exatamente por essa razão que existem clínicas de reabilitação que isolam o indivíduo do resto do mundo como tratamento, e também é por isso que se recomenda que ex-usuários evitem aqueles locais e amizades que favoreçam uma recaída.

É exatamente nesse ponto que reside a gravidade do vício em tecnologia, embora ele seja visto como algo normal, quando não exaustivamente incentivado em nossa sociedade. Veja que nenhum comportamento obsessivo como esse esteve tão inserido e tenha sido tão incentivado em nosso dia-a-dia como agora.

Na minha área de atuação — marketing e publicidade -, já há algum tempo, ser uma pessoa digital é pré-requisito para ter um bom emprego. Eu percebi isso quando vi a internet surgir no Brasil lá em 1997 mais ou menos. Por isso, logo após a minha graduação em 1999, no ano de 2000, estudei web design, design gráfico; em 2003 fui fazer pós-graduação em gestão de projetos na Austrália e nunca mais parei de estudar e trabalhar com isso até os dias atuais. Hoje, qualquer área (seja para uso profissional ou educacional) demanda presença digital, seja por e-mails, redes sociais, sites, intranets, EADs e messengers.

Isso significa, em termos práticos, que nunca algo com tamanha potência de viciar as pessoas teve o uso tão incentivado em nossa sociedade. Nem mesmo o cigarro e álcool em seus tempos áureos tiveram tanto apelo e em tantas faixas etárias. Pare a pense comigo: nos dias atuais, independente da área de atuação de uma pessoa, é possível decidir não usar a tecnologia? O ponto principal é que, para a grande maioria das pessoas, abster-se do uso de e-mails, aplicativos e redes sociais não é sequer uma opção.

De alguns poucos anos para cá, a tecnologia, especialmente a de cunho social, entrou em nossas vidas de tal forma que estamos sendo automaticamente escravizados por produtos e sistemas que parecem feitos para nos servir, que parecem gratuitos, mas que nos usam mais do que nós a eles (nós somos os produtos que Google e Facebook vendem).

E já não podemos alegar ignorância sobre o fato de causarem dependência — atestada por estudos e, de forma prática, verificada através do crescente número de horas que as pessoas gastam em seus smartphones — , de modo que isso acontece, não por um acidente ou capricho, mas fundamentalmente porque isso está sendo construído exatamente com esse fim, por profissionais de várias áreas, todos muito capacitados e munidos de todos os dados e ferramentas que servem como um verdadeiro mapa do tesouro.

Soma-se a isso uma demanda cada vez maior por produtividade, exigência de disponibilidade a todo momento, com todas ferramentas de trabalho dentro do seu bolso a um click de distância, e é possível propor uma relação causal entre o aumento gritante de pessoas com transtornos psiquiátricos, como burnout e depressão e a crescente adesão da tecnologia em nossa sociedade.

Mas por que eu estou falando tudo isso? Será que eu sou avesso à tecnologia?

Definitivamente, não! Minha carreira foi praticamente toda construída sobre esse mundo digital. Comecei a trabalhar em 1997, fiz os primeiros sites das empresas em que trabalhava, e desde então estive muito envolvido com a internet.

Ao longo desses mais de 20 anos, sempre fui responsável pelo marketing digital por onde passei. Vi e vivi toda essa revolução tecnológica muito de perto, e, mais do que isso, de dentro em alguns casos. Trabalhei em empresas que, em seus auges, ajudaram a moldar os seus segmentos, como a AOL no começo dos anos 2000 (que detinha 90% de market share da internet nos EUA à época) e fui funcionário número 7 da BlackBerry no Brasil (que detinha quase monopólio do mercado de smartphone nos EUA). A questão do vício já me chamava atenção em 2007 porque nos EUA os nossos usuários eram chamados de CrackBerries, em alusão a uma geração de pessoas literalmente viciadas em smartphones.

Como profissional de marketing, contribuí com o planejamento estratégico digital e execução de campanhas para as mais variadas empresas, como Applebe´s, Akzo Nobel, Amanco, Baterias Heliar, Blindex, Bosch, Bridgestone, Brother, DuPont, EF / English Town, Eternit, Firestone, KPMG, Johnson Controls, Leroy Merlin, Mercado Pago, Mercedes Benz, Nick Vicky, MPD, PBF, Panco, Pilot, Sonda Supermercados, Secovi, Yamaha, entre outras.

Além disso, pessoalmente, eu tenho e alimento vários perfis em diferentes redes sociais, como Facebook, Twitter, LinkedIn, Medium, Tumblr, Wordpress, Soundcloud, Pinterest — se você entrar em todos links, vai reparar que sou bastante ativo em todas elas.

Portanto, é redundante dizer que sou um grande entusiasta do mundo digital. De modo geral, nós amamos a tecnologia, em parte, porque temos acompanhado como ela melhorou o mundo e, em muitos aspectos, as nossas vidas. Mas, como tudo na vida, a diferença entre o remédio e o veneno é a dosagem.

O fato de ser um entusiasta e usuário não significa dizer que não paro e penso, com bastante frequência e uma boa dose de autocrítica, se não estou dedicando tempo demais ao celular e ao mundo virtual em detrimento das coisas reais do dia a dia, como a minha família, por exemplo.

Veja, por exemplo, o que diz Chamath Palihapitiya, que já foi VP do Facebook, e grande responsável pelo crescimento da base de usuários.

Como publicitário, sempre pesei os dois lados da moeda da minha profissão. A publicidade tem esse viés, ou potencial, de manipulação, por assim dizer. Isso se acentuou principalmente a partir da década de 60, quando a publicidade “cria” consumidores (como a série Mad Men bem retrata). Hoje, estamos indo além, e migrando para a economia da dopamina, como escreveu Umair Haque:

Por economia de dopamina, quero dizer, isso: nós fomos além de criar “consumidores”: hoje, criamos viciados em algoritmos. Pessoas que verificam desesperadamente os seus smartphones cem vezes por dia, cujos olhos não desgrudam das telas, com pessoas obsessivamente compulsivas que passam mais tempo em países de fantasia do que com suas famílias, buscando a adrenalina da liberação da dopamina.

Esse é o tipo de sociedade que queremos construir?

Esse comportamento (o vício em tecnologia) é algo inédito na nossa história e como estamos todos aprendendo enquanto caminhamos, talvez, um pouco de cautela e parcimônia no uso não faça mal a ninguém. A temperança não é umas das quatro virtudes cardinais gregas à toa.

Em mercados mais maduros, como é o caso do Brasil, a média de uso de smartphones gira em torno de 3 horas diárias.

Por essa conta, em uma vida de 80 anos, as pessoas gastarão 11 anos de suas vidas pasmando em frente ao celular.

Image courtesy of: Anton Deloy

No final do dia, somos nós que precisamos ter as rédeas de nossas vidas em nossas mãos. Assim, analisando com um pouco mais de cuidado, de forma menos passional e mais racional, existem duas questões que devemos repensar em relação à tecnologia, sendo que ambas não são exatamente sobre a tecnologia em si, mas sobre como nós a usamos… ou como somos usados, por permitirmos isso.

Uma questão é sobre o vício em tecnologia, que falamos acima. A segunda, que tem relação com a primeira, é sobre manipulação e controle.

Como escreveu Maria Xenidou, PhD, que trabalha com Growth Hacking:

"(…)agora estamos em uma encruzilhada.

Quando um novo robô é construído, alguns torcem por isso e outros se preocupam com o que esse robô fará em suas vidas.

Qualquer novo artigo sobre inteligência artificial cria sentimentos mistos entre os leitores.

Algoritmos são vistos como os poderes secretos que usam nossos dados para orientar ou manipular nosso comportamento.

Os avanços tecnológicos estão acontecendo a uma velocidade nunca antes vista.

Muitos acreditam que essas posições opostas em relação à tecnologia podem criar uma grande divisão social em nossa geração atual e aqueles que seguirão.

Mas o argumento não é sobre a tecnologia, não é?

A verdade do assunto é que estamos perdendo confiança nos inovadores e empresários.

Estamos nos tornando cada vez mais preocupados e céticos que alguns deles estão criando e alavancando a tecnologia para obter controle sobre nossas vidas, a fim de beneficiar seus negócios financeiramente ou aumentar seu poder.

Temos uma escolha importante a fazer; continuaremos a receber tecnologia ou evitar isso? O que vai ser?"

E o que fazer?

Isso é assunto para outro tópico, mas posso contar três coisas que tenho feito.

  1. Vigio meus atos. Simples assim. Coloco atenção para usar menos o celular quando não há necessidade.
  2. Tenho um Kindle e leio livros ali e não no celular. Sua tela não é de LED e não há distrações, como redes sociais ou internet. Há só o prazer da leitura e só.
  3. Instalei um aplicativo que me dá uma dimensão do problema. Ele é fantástico e recomendo que todos usem.

O aplicativo é gratuito, chama-se Moment e basicamente "fiscaliza", de forma muito simples e prática, o uso diário quando você está olhando para a tela.

Ter essa ideia dimensionada em uma unidade que valorizamos tanto, o tempo, ou seja, ver os números quase sempre chocantes de horas gastas na internet — ainda que boa parte disso seja trabalho — , talvez seja um bom começo para refletirmos o que de fato estamos fazendo com o bem mais precioso que temos na vida: o nosso tempo aqui.

"Você não nasceu somente para pagar contas e morrer"

Como diz a imagem acima, não nascemos somente para pagar contas e morrer… e muito menos para passar onze anos de nossas vidas olhando para uma tela de celular.

A vida tem de ser mais (muito mais) do que isso.

Faz algum tempo, eu tive um momento de epifania com a natureza depois de uma longa meditação. Quando digo longa, quero dizer longa mesmo. Senti um sentimento indescritível. Depois de estar recluso por um tempo, fui caminhar no lado de fora junto à natureza, em meio a um pouco de natureza (um pouco mesmo; um jardim relativamente pequeno bem no meio da cidade de São Paulo. Não um monte lindo no Tibete; pelo contrário, estava em um cenário bastante comum, trivial.)

Naquele dia, apesar de tudo estar igual como sempre esteve naquele local que eu já conhecia bem, eu estava diferente. Eu estava “ouvindo” mais do que o habitual. Estava com os sentidos apurados. Coisas tidas como banais me tocaram: ouvi o silêncio da manhã com uns poucos pássaros ao fundo, senti a brisa mexendo os galhos da árvore, o barulho que fazia, percebi os raios de Sol me aquecendo a face e senti a beleza de tudo aquilo, que, em verdade, sempre estiveram ali à minha disposição, mas que eu nunca tinha notado ou valorizado daquela forma. Imediatamente, eu fui tomado por uma emoção muito intensa e chorei de alegria e regozijo, mas ainda mais que isso, em um misto de alegria e agradecimento. Parecia que ali eu estava vivo naquele momento como poucas vezes havia me sentido, e que a Natureza, singela mas trivial, era de fato a Verdade da realidade e não as coisas que o homem fabrica e que a gente tanto valoriza, a ponto de matarmos uns aos outros por isso.

Será que não está na hora de sermos mais senhores da gente, mais conectados com seres humanos, menos escravos de aparelhinhos e aproveitarmos o mundo de verdade que temos à disposição?

E você, como está usando o seu tempo?

update 07/12/2017: esse será, certamente, um tema cada vez mais recorrente e acho que é digno de atenção mesmo

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