O que há de errado com o mundo? Eu!

Natri (Fabio Natrieli)
MIND o>er matter
Published in
8 min readDec 3, 2015

Por um acaso, você é uma daquelas pessoas que já reconhecem a inutilidade de tentar mudar a cabeça de alguém através de palavras?

Isso é ótimo sinal!

Por quê?

Simples. Porque, muito possivelmente, você chegou a esta conclusão porque já teve, ao menos, o trabalho de tentar mudar a si próprio.

Tendo percebido a dificuldade que é mudar algo em si mesmo, como consequência, hoje você reconhece a inutilidade de tentar mudar os outros.

Eu explico melhor: qualquer pessoa que já dedicou algum tempo para fazer algum tipo de autoanálise, deve ter reconhecido algum ponto em si própria que, para ela mesma, não era lá muito virtuoso.

Isso, claro, quem não se considera uma daquelas pessoas perfeitas. Se pensa ser perfeita, esse texto não tem qualquer valor e não é para esse tipo de gente para quem escrevo. Estou me referindo aos meus pares, gente falível e que se reconhece como tal.

Pois bem. Se a pessoa em questão não é algum tipo de ser imaculado, exerce a autocrítica e, como consequência, já tentou mudar algum ponto em si que reconheceu como não muito virtuoso, acredito que ela deva ter percebido como é difícil mudar, ainda que o algo a ser mudado seja possivelmente a única coisa sobre a qual todos nós temos algum controle: nós mesmos.

Veja, não estou falando de se mudar o mundo de uma só vez, ou o sistema político, todos estes processos sabidamente complexos e burocráticos que dependem de uma série de fatores e concordância entre as várias partes envolvidas para que se obtenha êxito.

Estou falando em mudança íntima, em modificar um único ponto seu, que é algo que depende única e exclusivamente de você.

Estou falando de mudanças sutis; digamos até pequenas.

Pode ser em relação a qualquer coisa do dia-a-dia, ter uma dieta melhor; começar a fazer exercícios regularmente; quem sabe então parar de reclamar dos outros ou ser mais paciente com seus familiares e por aí vai.

Se você já passou por estas etapas (de fazer uma autocrítica e uma autoclassificação, considerar que você é corresponsável — para o bem ou para o mal — por este mundo que está aí e decidiu se melhorar em algum ponto que você mesmo reconheceu como não sendo muito virtuoso), em suma, se você já tentou mudar algum aspecto seu em si mesmo, acredito que hoje você reconheça como é difícil fazer isso.

O que estou sugerindo é que só quem já se reconheceu como parte do problema e tentou mudar algo em si é também capaz de reconhecer a inutilidade de se tentar mudar os outros.

O resultado desta experiência — de fazer uma autocrítica e tentar mudar algo em si — faz com que você, mais por inteligência do que por impaciência, simplesmente se abstenha de entrar em discussões que você sabe não levar a lugar nenhum.

Talvez, por isso a frase que li uma vez me fez tanto sentido: “Revolucionário é todo aquele que quer mudar o mundo e tem a coragem de começar por si mesmo”.

Veja ainda que se abster de discutir por discutir é muito diferente do que discutir para elucidar uma questão para alguém que está sinceramente disposto a considerar uma segunda opinião.

Contudo, repare você mesmo, na maioria das discussões, o que observamos é um monólogo de surdos teimosos: enquanto o primeiro fala, o segundo sequer ouve o que está sendo dito, pois já está elucubrando a resposta que pretende dar, independente do que o outro está falando. Como na canção de Simon e Garfunkel que diz: “People talking without speaking; People hearing without listening” ou “pessoas conversando sem falar, pessoas escutando sem ouvir”.

Eu já escrevi anteriormente que “saber ouvir é uma arte”, como você pode ver abaixo.

Nesse sentido, tem outra frase que gosto muito que diz que "é impossível um homem aprender aquilo que ele pensa que já sabe". É com gente assim que me abstenho de discutir.

Agora, posto isso, faça a lógica reversa.

Analise a quantidade de pessoas que você vê discursar sempre no sentido de mudar os outros e você pode ter uma vaga ideia da quantidade de pessoas que se consideram irremediavelmente certas, do lado certo da verdade e que, por isso mesmo, acreditam estar no direito de querer mudar os outros.

Por outro lado, analise quantas pessoas do seu círculo (uma minoria, suponho) você vê que se reconhecem falíveis, entendem que são parte do problema e assumem para si a tarefa de mudar a si próprias antes de cobrarem que os outros mudem.

É exatamente por isso que eu gosto muito da resposta que Chesterton deu aos seus interlocutores sobre uma questão bem peculiar.

Certa vez, uma revista inglesa, a Times de Londres, pretendia fazer uma matéria de capa sobre “O que havia de errado com o mundo”. Para isso, perguntou a diversos filósofos o que eles consideravam que havia de mais errado no mundo.

A resposta que Chesterton deu foi exatamente esta: “prezados senhores, eu!”

E só. nada mais.

Eu estou completamente de acordo com Chesterton. Faço coro com ele: o que tem de mais errado no mundo sou eu!

Engana-se quem assume que ele, ou eu o imitando, façamos tal afirmação por falsa modéstia ou algum tipo de sarcasmo ou simplesmente ironia despropositada.

Porque, façamos um excercício de lógica.

Ninguém muda ninguém. Está é minha premissa um.

Uma pessoa pode, quando muito, influenciar, instruir, inspirar e servir de exemplo para que a outra, por vontade própria, decida mudar. Mas ninguém muda ninguém.

Ou seja, se ninguém é capaz de mudar ninguém por imposição de sua vontade, é evidente que só se pode mudar a si mesmo e por livre-arbítrio.

Portanto, só a própria pessoa pode mudar a si mesmo. Esta é a minha premissa dois.

Neste sentido, me parece claro que não adianta absolutamente nada eu viver apontando o cisco no olho alheio, ignorando a trave no meu. Porque, por mais que eu esteja convencido que fulano esteja equivocado sobre algum assunto, o fato de eu acusá-lo não me torna mais santo em relação aos meus delitos.

Aliás, devo dizer que considero qualquer julgamento um sinal de fraqueza intelectual, como escrevi aqui.

E também considero um desperdício de energia desejar mudar as outras pessoas usando palavras que, na prática, não são seguidas pela força do exemplo do que se diz. É como diz aquela frase: “o exemplo não é a melhor forma de ensinar alguém — é a única”.

Portanto, é uma questão de lógica: se eu tenho como premissa um) que eu não mudo ninguém e que por isso mesmo é um desperdício de energia me empenhar na infrutífera missão de criticar o comportamento alheio esperando que alguém mude (de uma certa forma, esperando e delegando que o outro faça o que eu mesmo não fiz); e tenho como premissa dois) que só nos é permitido mudar a nós mesmos, então, a conclusão inescapável e a única ação inteligente que me resta é agir no ponto em que eu posso fazer alguma diferença; aliás, no ÚNICO ponto em que eu realmente posso fazer a diferença: em mim mesmo, eu comigo mesmo.

Em tempos onde assistimos cada vez mais todas as partes numa patética transferência de responsabilidade em todas esferas sociais — os sem-teto reclamando do governo, governo responsabilizando a oposição, a oposição culpando sindicato, que por sua vez diz que a culpa é da ala radical, que critica a classe média, que critica os hippies que se rebelaram contra o sistema -, todos eles cobertos de razões, afinal, como bem disse Sartre, “o inferno são os outros”; em tempos assim, eu imito Chesterton e assumo que, independentemente de tudo e todos, eu sou o que há de errado com o mundo.

Esta autoclassificação, ou seja, este autorreconhecimento de minha própria posição e falhas de conduta talvez seja um bom ponto de partida para começar a mudar alguma coisa de forma efetiva.

Em certa medida, ser cônscio de minhas limitações já é estar em uma posição privilegiada em relação ao objetivo — de mudar alguma coisa para melhor — , tal como Sócrates estava em vantagem em relação aos demais homens da Grécia da sua época, não porque ele pretendia saber mais que os outros, mas justamente porque reconhecia que nada sabia, ao passo que os outros não sabiam nada e pensavam saber tudo.

Portanto, tal como estar consciente da própria ignorância é o primeiro passo para a sabedoria, reconhecer as próprias falhas também pode ser visto como o primeiro passo para quem almeja mudar alguma coisa.

G. Bernard Shaw, Dramaturgo Irlandês

É isso que Chesterton propõe quando assume que é ele o que há de mais errado com o mundo.

Ou seja, ao me reconhecer, eu conheço minhas virtudes, meus limites, meus defeitos e o que posso fazer para mudar para melhor, considerando tudo o que reconheci. Isso é muito diferente do que acontece com quem só aponta os defeitos nos outros, porque a eles não se pode mudar e, neste caso, nem a si próprio se muda, por ainda estar cego aos defeitos que lhe são próprios.

Marco Aurélio, o imperador romano (e filósofo), escreveu sobre isso em suas meditações:

“É bobagem tentar escapar das falhas dos outros. Elas são inescapáveis. Tenta apenas escapar das suas próprias”.

Soa óbvio – e é óbvio – que dediquemos esforços em gerenciar aquilo que temos algum controle, a saber: nós mesmos, e ainda assim, estamos constantemente tentando mudar os outros e não a nós mesmos.

Certa vez li esta frase, atribuída ao Dalai Lama, que sintetiza este raciocínio todo.

Não é o socialismo o problema. Nem o capitalismo. Nem o PT. Nem o PSDB. Nem o sistema. Nem a Globo. Nem os EUA. Nem o Irã. Nem a FIFA. Nem o padrão. Nem a falta de hospital. Nem a fala do Pelé. Nem a Veja. Nem a Carta Capital.

O que há de errado com o mundo?

Caros senhores, sou eu!

Por fim, compartilho dois vídeos que, de uma certa forma, tratam desta mesma questão.

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