A menina que vestia Coragem
Joanna D'arc nasceu em 06 de Janeiro de 1412 e morreu no dia 30 de Maio, do ano de 1431. Ela foi queimada viva na fogueira. Sua história de vida é algo que até hoje me escapa a compreensão.
Se ainda hoje, em pleno 2016, muito se debate sobre a falta de igualdade entre homens e mulheres e todo tipo de violência, física e mental, a que mulheres são submetidas; o que podemos dizer de sua trajetória, conquistas e convicções, em tempos muito mais nebulosos?
Veja que estamos falando de uma camponesa — em verdade, uma menina de 17 anos — , que, como toda camponesa da sua geração, era pobre, modesta e analfabeta.
Movida por sua fé inquebrantável — dizia ouvir vozes desde os 13 anos —, pediu que a escoltassem até o delfim para ter com ele, porque as vozes que ouvia lhe instruíam que assim o fizesse; tendo, para isso, que atravessar territórios inimigos.
O objetivo de falar com o rei visava convencê-lo a ceder-lhe homens, leia-se um exército, para que ela os liderasse em um levante contra os ingleses — uma guerra que já durava por décadas mesmo antes dela nascer.
No trajeto, ela foi ganhando cada vez mais popularidade; até que conseguiu ser aceita para ter com o próprio Rei.
O rei, desconfiado das reais intenções de Joana, receoso de que ela pudesse ter como intenção matá-lo, decidiu ocultar-se em uma sala cheia de nobres ao recebê-la, tendo um figurante em seu lugar.
“Joana então teria reconhecido o rei disfarçado entre os nobres sem que jamais o tivesse visto antes. Ela teria ido até ao verdadeiro rei, se curvado e dito: ‘Senhor, vim conduzir os seus exércitos à vitória’.
“Convencido do discurso de Joana, o rei entrega-lhe às mãos uma espada, um estandarte e o comando das tropas francesas, para seguir rumo à libertação da cidade de Orléans, que havia sido invadida e tomada pelos ingleses havia oito meses.”
Vestida como homem, o que era praxe desde o começo de sua jornada, aos 16 anos, liderou um exército de 4.000 soldados e levou os franceses à vitória na batalha de Orleãns, entre outras vitórias mais.
Mais impressionante que as vitórias, é pensar que um exército de 4.000 homens foi confiado a uma mulher; não pelo fato dela ser mulher, obviamente, mas pelo contexto da época, e por se tratar de uma jovem camponesa sem qualquer instrução formal sobre a arte da guerra.
Que força ela devia emanar para que o Delfim lhe confiasse um exército!
Ademais, acredito que tal feito já era inédito na história da humanidade e, mesmo depois de séculos, isso jamais se repetiu de lá para cá: uma mulher, uma civil, de 17 anos, sem qualquer vínculo com realeza ou nobreza, liderando o exército de uma das maiores potências de sua época, numa guerra que perdurava por décadas e décadas, que nenhum general fora capaz de vencer.
Traída, foi feita prisioneira e depois de algum tempo morreu na fogueira, mantendo-se fiel aos princípios que defendeu durante sua breve vida — ela morre aos 19 anos.
Que convicção tinha ela em sua fé e em seus princípios.
Quem de nós pode afirmar que faria o mesmo em tais circunstâncias, mantendo-se fiel ao que se diz acreditar?
Bastaria ela assinar uma confissão dizendo que não ouvia voz alguma e salvaria a si própria de morrer na fogueira.
Mas, talvez, seja exatamente isso que signifique ter Princípios.
Princípio, por definição, é regra que se funda num juízo de valor, e que, portanto, deve constituir um modelo para ação.
É isso que sugere o próprio termo: Princípio! A pedra fundamental de toda a ação.
Afinal, tem alguma coisa de errado com a noção de fidelidade se a pessoa sujeita os princípios convenientemente de acordo com as oportunidades.
O problema dos fins justificarem os meios é destruir os princípios no caminho.
Por isso a sua Coragem é algo sobre-humana.
De forma prática, é difícil imaginar como foi possível que ela conseguiu fazer tudo aquilo o que por fim realizou.
Ela era apenas uma menina, num tempo onde as mulheres sofriam todo tipo de opressão e repressão, sem qualquer voz ou representatividade.
Ela devia ser mais do que somente uma menina.
Talvez, então, fosse uma santa. Afinal, foi canonizada pela igreja católica, quase 400 anos após a mesma tê-la condenado.
Ou vai ver que ela era somente uma menina mesmo, e o que seu exemplo nos sugere é que é exatamente isso: é preciso ter Coragem.
Será que os santos já nascem prontos para sua missão ou se tornam santos pois são forjados em sua própria coragem?
Quem o sabe?
“Joana foi queimada viva em 30 de maio de 1431, como dissemos, com apenas dezenove anos. A cerimônia de execução aconteceu na Praça do Velho Mercado (Place du Vieux Marché), às 9 horas, em Ruão.
Entrou, vestida de branco, na praça cheia de gente, e foi colocada na plataforma montada para sua execução. Após lerem o seu veredito, Joana foi queimada viva. Suas cinzas foram jogadas no rio Sena, para que não se tornassem objeto de veneração pública.”
Nesta data, morria a personagem histórica; e nascia a lenda da maior heroína da história da humanidade, sem ter um retrato sequer feito à sua época, sem direito a ter um túmulo ou qualquer homenagem, como bem resumiu Andre Malraux, intelectual francês:
“Ó Jeanne, sem sepulcro e sem retrato, tu que sabias que o túmulo dos heróis é o coração dos vivos”