A menina que vestia Coragem

Natri (Fabio Natrieli)
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5 min readMay 30, 2016
‘The Life of Joan of Arc’ Triptych, Stilke Hermann Anton (1843 AD), Hermitage State Museum, St. Petersburg, Russia

Joanna D'arc nasceu em 06 de Janeiro de 1412 e morreu no dia 30 de Maio, do ano de 1431. Ela foi queimada viva na fogueira. Sua história de vida é algo que até hoje me escapa a compreensão.

Se ainda hoje, em pleno 2016, muito se debate sobre a falta de igualdade entre homens e mulheres e todo tipo de violência, física e mental, a que mulheres são submetidas; o que podemos dizer de sua trajetória, conquistas e convicções, em tempos muito mais nebulosos?

Veja que estamos falando de uma camponesa — em verdade, uma menina de 17 anos — , que, como toda camponesa da sua geração, era pobre, modesta e analfabeta.

Movida por sua fé inquebrantável — dizia ouvir vozes desde os 13 anos —, pediu que a escoltassem até o delfim para ter com ele, porque as vozes que ouvia lhe instruíam que assim o fizesse; tendo, para isso, que atravessar territórios inimigos.

O objetivo de falar com o rei visava convencê-lo a ceder-lhe homens, leia-se um exército, para que ela os liderasse em um levante contra os ingleses — uma guerra que já durava por décadas mesmo antes dela nascer.

No trajeto, ela foi ganhando cada vez mais popularidade; até que conseguiu ser aceita para ter com o próprio Rei.

Joana d’Arc na coroação de Carlos VII, de Jean Auguste Dominique Ingres (1854): um exemplo notável das tentativas para feminilizar sua aparência. No trabalho, observa-se os cabelos longos e a saia em torno da armadura.

O rei, desconfiado das reais intenções de Joana, receoso de que ela pudesse ter como intenção matá-lo, decidiu ocultar-se em uma sala cheia de nobres ao recebê-la, tendo um figurante em seu lugar.

“Joana então teria reconhecido o rei disfarçado entre os nobres sem que jamais o tivesse visto antes. Ela teria ido até ao verdadeiro rei, se curvado e dito: ‘Senhor, vim conduzir os seus exércitos à vitória’.

“Convencido do discurso de Joana, o rei entrega-lhe às mãos uma espada, um estandarte e o comando das tropas francesas, para seguir rumo à libertação da cidade de Orléans, que havia sido invadida e tomada pelos ingleses havia oito meses.”

Vestida como homem, o que era praxe desde o começo de sua jornada, aos 16 anos, liderou um exército de 4.000 soldados e levou os franceses à vitória na batalha de Orleãns, entre outras vitórias mais.

Mais impressionante que as vitórias, é pensar que um exército de 4.000 homens foi confiado a uma mulher; não pelo fato dela ser mulher, obviamente, mas pelo contexto da época, e por se tratar de uma jovem camponesa sem qualquer instrução formal sobre a arte da guerra.

Que força ela devia emanar para que o Delfim lhe confiasse um exército!

Ademais, acredito que tal feito já era inédito na história da humanidade e, mesmo depois de séculos, isso jamais se repetiu de lá para cá: uma mulher, uma civil, de 17 anos, sem qualquer vínculo com realeza ou nobreza, liderando o exército de uma das maiores potências de sua época, numa guerra que perdurava por décadas e décadas, que nenhum general fora capaz de vencer.

Pintura romântica de Joana D’Arc na Batalha de Orleães, Jules Eugène Lenepveu (1819–1898).

Traída, foi feita prisioneira e depois de algum tempo morreu na fogueira, mantendo-se fiel aos princípios que defendeu durante sua breve vida — ela morre aos 19 anos.

Que convicção tinha ela em sua fé e em seus princípios.

Quem de nós pode afirmar que faria o mesmo em tais circunstâncias, mantendo-se fiel ao que se diz acreditar?

Bastaria ela assinar uma confissão dizendo que não ouvia voz alguma e salvaria a si própria de morrer na fogueira.

Mas, talvez, seja exatamente isso que signifique ter Princípios.

Princípio, por definição, é regra que se funda num juízo de valor, e que, portanto, deve constituir um modelo para ação.

É isso que sugere o próprio termo: Princípio! A pedra fundamental de toda a ação.

Afinal, tem alguma coisa de errado com a noção de fidelidade se a pessoa sujeita os princípios convenientemente de acordo com as oportunidades.

O problema dos fins justificarem os meios é destruir os princípios no caminho.

Por isso a sua Coragem é algo sobre-humana.

De forma prática, é difícil imaginar como foi possível que ela conseguiu fazer tudo aquilo o que por fim realizou.

Ela era apenas uma menina, num tempo onde as mulheres sofriam todo tipo de opressão e repressão, sem qualquer voz ou representatividade.

Ela devia ser mais do que somente uma menina.

Talvez, então, fosse uma santa. Afinal, foi canonizada pela igreja católica, quase 400 anos após a mesma tê-la condenado.

Ou vai ver que ela era somente uma menina mesmo, e o que seu exemplo nos sugere é que é exatamente isso: é preciso ter Coragem.

Será que os santos já nascem prontos para sua missão ou se tornam santos pois são forjados em sua própria coragem?

Quem o sabe?

“Joana foi queimada viva em 30 de maio de 1431, como dissemos, com apenas dezenove anos. A cerimônia de execução aconteceu na Praça do Velho Mercado (Place du Vieux Marché), às 9 horas, em Ruão.

Drawn by Jules-Eugène Lenepveu (1819–1898)

Entrou, vestida de branco, na praça cheia de gente, e foi colocada na plataforma montada para sua execução. Após lerem o seu veredito, Joana foi queimada viva. Suas cinzas foram jogadas no rio Sena, para que não se tornassem objeto de veneração pública.”

Nesta data, morria a personagem histórica; e nascia a lenda da maior heroína da história da humanidade, sem ter um retrato sequer feito à sua época, sem direito a ter um túmulo ou qualquer homenagem, como bem resumiu Andre Malraux, intelectual francês:

“Ó Jeanne, sem sepulcro e sem retrato, tu que sabias que o túmulo dos heróis é o coração dos vivos”

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