A Morte É Inevitável, Sofrer Por Ela Não.

Natri (Fabio Natrieli)
MIND o>er matter
Published in
4 min readOct 29, 2021

O que causa uma grande ansiedade nas pessoas é a morte em si ou apenas o medo da morte?

Lucrécio foi um filósofo romano do epicurismo que escreveu sobre isso em seu único e influente livro “De Rerum Natura”, ou “A Natureza Das Coisas". Nele, como todo bom epicurista, ele tratou sobre o tema da finitude humana e da morte. Segundo ele, a morte não deveria ser uma questão tão problemática para a humanidade.

Diz ele que não há absolutamente nada de errado com a morte, e o que as pessoas temem de fato, o que lhes causa grande agonia não é a morte em si, mas o medo da morte.

E isso é curioso porque enquanto a morte em si é inevitável, o medo da morte não é. Ou seja, a morte nós não podemos controlar, mas o medo da morte que sentimos, isso sim está sobre o nosso controle.

Preocupar-se em demasia com a morte nos tira a paz em vida, porque nos leva à ansiedade. A ansiedade, por sua vez, corrói a qualidade do momento presente. Ou seja, para ele, temos dois grandes problemas que advém disso.

O primeiro é que a ansiedade eclipsa o momento atual, o prazer que temos à nossa disposição em viver o agora, que é o onde sempre estamos: no presente. Lucrécio vai dizer que a vida deveria ser bela e prazeirosa, mas que nós arruinamos essa maravilhosa experiência que é viver porque sobrepomos o medo irracional da morte sobre a vida, infectando as nossas mentes com toda esta carga emocional de ansiedade.

O segundo ponto que Lucrécio enfatiza é que o medo da morte nos faz agir de forma estúpida. Um exemplo é tentar prolongar a vida com coisas que sabemos que não poderão fazer isso, tentar prolongar a ilusão de manter-se jovem, sabendo que a velhice é invariavelmente uma guerra que você vai perder.

Sêneca, um filósofo estoico, cuja escola se assemelha com o epicurismo em alguns sentidos, também escreveu sobre isso, sobre o homem se preocupar com a morte e em prolongar a sua vida, mais do que com a sua saúde, mas em ter a aparência de jovem, enquanto não se preocupa em nada com a sua vida ética, com a nobreza de ser. Valoriza a estética, visível para todos, e ignora a ética da sua vida interior.

Até mesmo quando o assunto é vida e morte, parece que o homem valoriza mais a quantidade do que a qualidade:

“Os homens não se importam com a nobreza de sua vida, mas apenas por quanto tempo viverão, embora esteja ao alcance de cada homem viver nobremente, mas não está ao alcance do homem viver por muito tempo”, escreveu Sêneca aconselhando a um jovem.

Curiosamente, o seu tempo de vida o homem não controla. Ele pode prolongar a vida e ter certa qualidade com alimentação e exercícios, mas seu tempo é finito. Ou seja, ele não possui total controle sobre isso. Mas sobre a forma como vive, que é exatamente onde ele pode exercer mais controle, é justamente onde menos se coloca atenção. Para isso, não sofremos de ansiedade, pelo contrário, para as nossas falhas somos bastante condescendentes e para todo deslize que cometemos temos um rosário de desculpas que nos eximem da culpa.

Ademais, Sócrates (como citado por Platão na República) também sugere que o medo da morte não é apenas irracional, mas fruto da ignorância porque “(…)temer a morte não é outra coisa senão parecer que se é sábio, quando não se é — pois é parecer que se sabe o que não se sabe… Mas a morte, ninguém sabe se acaso não é o maior de todos os bens para o homem — porém a temem como se soubessem ser o maior dos males! E o que é isso, senão aquela ignorância mais reprovável: a de se pensar saber o que não se sabe?"

Não que pensar sobre a morte não seja relevante. Alguns filósofos, como o próprio Sócrates, dizem que filosofar é exatamente isso, se preparar para a morte.

Mas isso é completamente diferente do que condicionar a sua vida pelo medo da morte, e agir irracionalmente tentando evitá-la a qualquer custo, e assim deixando de viver em primeiro lugar.

Talvez, quem bem traduza essa ideia, de não nos preocuparmos com a morte, e nos ocuparmos antes com a Vida, tenha sido Confúcio, que escreveu:

"Quer saber sobre a Morte?

Bem, pouparei meu fôlego.

Quando você conhecer a Vida, e só então,

Tornaremos a falar da Morte."

E vejamos se mesmo Mateus, na Bíblia, não nos diz a mesma coisa que os estoicos, epicuristas, Sócrates, Platão e Confúcio quando diz "qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar algum tempo à jornada da sua vida?"

Aliás, Mateus é claro sobre atormentar o dia presente com preocupações que, talvez, estejam mais em nossas cabeças do que na realidade, muitas delas que talvez jamais se cumpram.

"Contemplai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem armazenam em celeiros; contudo, vosso Pai celestial as sustenta. Não tendes vós muito mais valor do que as aves? Qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar algum tempo à jornada da sua vida? E por que andais preocupados quanto ao que vestir? Observai como crescem os lírios do campo. Eles não trabalham nem tecem. Eu, contudo, vos asseguro que nem Salomão, em todo o esplendor de sua glória, vestiu-se como um deles. Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará suas próprias preocupações. É suficiente o mal que cada dia traz em si mesmo."

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