Crítica: Oppenheimer (2023)

Natri (Fabio Natrieli)
MIND o>er matter
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15 min readJul 27, 2023

No dia da sua estreia nos cinemas, eu fui assisir ao novo filme de Christopher Nolan, em Imax, como acho que os amantes do cinema devem fazer. Aliás, conforme também sugere o próprio diretor.

Eu nutria uma grande expectativa pelo filme, que não me decepcionou, pelo contrário.

“Oppenheimer” não é simplesmente um filme sobre guerra, bombas ou a vida do próprio físico; trata-se de uma análise profunda da natureza humana, das forças antagônicas que lutam em nosso âmago quando nos deparamos com escolhas difíceis.

De forma muito simbólica, em dois momentos da trama, vemos uma passagem do Bhagavad Gita, o livro sagrado do hinduísmo, ser mencionada:

“Agora me tornei a Morte, a destruidora de mundos.”

Esta passagem da escritura retratada no filme foi de fato citada pelo próprio Oppenheimer, como pode-se ver nesta sua entrevista.

O conhecimento das escrituras sagradas hindus, especialmente dos Upanishads e do Bhagavad Gita, estava enraizado em alguns dos maiores pensadores e cientistas do Ocidente, incluindo nomes como Leibnitz, Thoreau, Einstein, Schrödinger, Shopenhauer e Ralph Waldo Emerson. A sofisticação filosófica desses textos influenciou e impressionou profundamente essas mentes brilhantes.

Para enriquecer a experiência do filme, eu tracei um paralelo com a sabedoria do Bhagavad Gita. Não faço por capricho meu, mas porque, se é possível sentir o filme mais do que entendê-lo, como o próprio Christopher Nolan costuma sugerir para aqueles que dizem não compreender seus filmes, eu diria que sinto que a essência da filosofia do Gita é peça chave nesta sua obra; e que vemos na citação do Gita mas em outros detalhes, como a menção a Jung e na própria trilha sonora.

Para isso, portanto, é preciso falar um pouco do Gita.

A narrativa épica desse livro gira em torno do guerreiro Arjuna, um general prestes a entrar em uma batalha na qual se verá lutando contra membros de sua própria família. Seu conflito interno é a peça central do começo do diálogo entre Arjuna e Krishna, a deidade que assume o papel de cocheiro em sua carruagem.

Essa interação significativa entre Arjuna e Krishna ecoa as questões essenciais que o filme aborda: os dilemas intrínsecos à natureza humana que enfrentamos mos desafios diários; a conflituosa balança entre nossos desejos pessoais e nossos deveres, seja no âmbito familiar ou em prol de algo maior.

São três eixos principais que volta e meia estão sempre em conflito: o eixo interno de Oppenheimer, com todas as suas pulsões o tentando para todos os lados; os conflitos do eixo entre Oppenheimer e a sua família e pessoas mais próximas; e o eixo maior, com a missão que ele assume, de criar a primeira bomba atômica do mundo.

Se o tema do Gita lhe interessa, eu tenho três artigos completos que aprofundam bem sobre a sua filosofia:

Outro ponto interessante a se destacar, é a breve menção a Jung que vemos no filme, porque ele também incorporou em sua obra este aspecto do conflito que resulta na unidade entre a luz e escuridão para a plenitude do ser.

Repare que, tal qual no hinduísmo — e em todas as tradições religiosas ou iniciáticas -, Jung também propõe conhecer a si próprio de forma brutalmente honesta, com a devida coragem de aceitar o que nos causa medo — a nossa escuridão — pois naturalmente temos medo das coisas que não queremos aceitar.

Para Jung, a individuação não significa tornar-se simplesmente um ser humano mais leve ou melhor, mas sim tornar-se completo e nossa totalidade inclui a percepção da nossa sombra — a percepção da escuridão que habita em nós como uma força.

É por este motivo que eu discordo das críticas ao filme que sugeriram que o diretor do filme, o Christopher Nolan, faz do Oppenheimer um tipo de herói martirizado.

Esta não foi a leitura que eu fiz. Longe de ser um herói, Oppenheimer é, no máximo, um belo de um anti-herói.

O que vemos na tela é um homem em conflito interno, dividido pelo prazer de lidar com as teorias mais complexas do conhecimento humano da sua época e que, ao mesmo tempo, parece igualmente atraído pelos prazeres mundanos mais triviais; um homem que vive em conflito entre satisfazer as suas vontades pessoais e o dever que assume com a sua família e colegas; conflito este que se choca com o dever moral que ele sabe que tem com algo ainda maior que tudo isso; vemos o conflito entre o cientista idealista que ora parece ser um grande humanista e, em outros momentos, um cientista que abdica da ciência para se tornar um político pragmático, manipulador e movido por sua vaidade.

A competência do Christopher Nolan está em não fechar a questão, ele apresenta a história, as perspectivas — quem assistir ao filme logo percebe que existem linhas narrativas distintas acontecendo, as narrativas em branco e preto e em cor -; ele apresenta os argumentos a favor e contra da criação da bomba, a favor e contra de se usar a bomba, a favor e contra da conturbada personalidade de Oppenheimer; e deixa em aberto que nós o julguemos, sabendo que faremos isso de acordo com os valores que temos dentre de nós.

Devemos ter em mente que todo julgamento moral feito de forma retrospectiva é raso e superficial.

A beleza da experiência da vida está na fenomenologia da nossa experiência, isto é, na incerteza que sentimos enquanto as coisas aparecem à nossa consciência à medida que vivemos; enquanto buscamos explorar a nossa existência ao mesmo instante que tomamos consciência dela e, mais do que isso, tendo de fazer escolhas sem termos qualquer segurança sobre os resultados de nossas escolhas ou controle das consequências.

Isto também é uma parte essencial do Gita: desvincular-se da preocupação e frutos da sua ação, mas fazer o que se sabe que deve ser feito e só.

A grandeza do filme é porque ele chama a atenção para este fato, que apenas as pessoas rasas e superficiais não experimentam, que é ir fundo dentro de si neste embate de forças que todos temos dentro de nós; não quando as coisas vão bem, mas quando somos chamados a tomar uma decisão difícil, quando somos impelidos a fazer uma escolha ética que coloca diferentes partes de nós em conflito.

É por isso que os antigos consideravam que a liberdade era um estado interior a ser conquistado, e que um escravo poderia ser mais livre que o senhor sofrendo de divisão do eu.

Como no dilema do bondinho, aquele dilema ético em que temos de escolher entre mudar a direção do bonde no trilho, e salvar cinco pessoas ao custo de matar uma inocente, ou deixar que o bonde siga seu trajeto e mate as cinco pessoas presas no trajeto do trilho ao invés de sacrificar apenas uma pessoa.

Por que este dilema é difícil? Porque não existe uma resposta clara e objetiva sobre o que é certo a fazer.

Seja qual for a sua escolha, as consequências serão terríveis.

A trilha compõe este narrativa magistralmente.

De novo, o que chama a atenção a questão é a questão da dualidade entre este luz e sombra também na trilha sonora.

Ela tem como base um instrumento, o violino, que foi o único pedido que o Nolan sugeriu para o compositor, por considerar que o violino seria um instrumento bem apto à figura de Oppenheimer, porque pode soar sauve e melódico em dados momentos, como nas cenas mais pessoais, mas bastante tenso em outros momentos, como na cena da bomba.

A trilha traduz o embate de forças que sugerimos ser o cerne do filme, oscilando, como disse o próprio compositor, entre os reinos da espereança e do desespero.

Em alguns momentos do filme, Christopher Nolan parece recorrer ao tom de Shepard, uma técnica sonora que ele já usou magistralmente no filme Dunkirk.

O tom de Shepard é, por assim dizer uma ilusão sonora, que sobrepõe várias vezes um som ascendente.

A trilha segue um tom crescente que parece que vai culminar em um grande monento de ápice que nunca chega, e segue subindo mais e mais. Contudo, não se pode subir de tom infinitamente. O segredo da técnica está em baixar o volume da trilha quando esta alcança um certo limite e acrescentar uma nova sequência, começando mais debaixo, e que vai entrar em uma nova escala crescente no lugar desta criando assim esta atmosfera sufocante e paranoica.

Se você quer entender melhor isso que estou falando, nada melhor do que ouvir a faixa de nome “Trinity” que faz parte da trilha sonora do filme, já disponível nas plataformas de streaming:

Sobre a bomba em si, eu não quero dar spoilers, mas cabe dizer que achei magistral a forma como Nolan criou a cena, com os cortes mais ágeis casando com a trilha crescente sufocante que acabei de descrever.

Tais elementos geram a tensão que o momento demanda — afinal trata-se de um ponto chave da história e que poderia ter consequências catastróficas para a humanidade, como simplesmente queimar toda a atmosfera da Terra.

Claro que hoje sabemos que isso não aconteceu, porque sabemos o desenrolar da história, mas o papel do cineasta é nos transportar para dentro daquele momento da história e Nolan é muito bem sucedido ao conseguir gerar esta agonia em um público que sabe o que aconteceu a seguir na vida real.

Ainda sobre a bomba, li algumas críticas que disseram que o momento da explosão pareceu um anticlimax e pequeno.

Isso, eu credito muito mais a expectativa do telespectador do que ele próprio desejaria ver naquela cena, do que de uma necessidade estética da bomba explodir da forma mais óbvia possível, como em um filme do Rambo.

Eu vi muito mais valor na cena na forma como foi feita do que o contrário.

A escolha do diretor em produzir a explosão como fez, seguido de retumbante silêncio, quebra a expectativa que todos têm da cena: onde se espera barulhos ensurdecedores do som de um Imax, tudo o que você tem é o silêncio contrastando com o terror das chamas.

De novo, temos o contraste entre opostos, os eventos exteriores, a tela tomada pelas chamas da explosão, com o vazio da sala, que sintetiza o estado interior da mente que sabe qual passo foi dado na história da humanidade.

É por isso que disse no começo do filme que vê-lo em Imax contribui para você captar tais nuances.

Além disso, para quem aprecia a história da ciência, é muito legal ver personagens históricos interagindo ali, como os pais da física quântica, como os físicos Niels Bohr e Heisenberg.

Inclusive, o filme sucita uma dúvida: como os alemães, que tinham os melhores físicos quânticos da época, incluindo o próprio Heisenberg, não conseguiram chegar à bomba atômica primeiro?

Isso está fora do escopo do filme, que toca rapidamente na questão, sobre o papel de Heisenberg com os nazistas, mas hoje há indícios de que o físico alemão tenha sabotado a bomba nazista, mais do que contribuído para construi-la.

Esta história está narrada no livro chamado “Heisenberg’s War: The Secret History Of The German Bomb”.

Com base em dezenas de entrevistas e anos de pesquisa intensiva, o autor do livro conclui que Heisenberg, que era a principal figura no esforço atômico alemão, obstruiu conscientemente o desenvolvimento da bomba e em uma famosa reunião de 1941, em Copenhague, junto com seu ex-mentor Neils Bohr, procurou dissuadir os Aliados de sua busca pela bomba.

Segundo o autor, Heisenberg divulgou informações secretas sobre o projeto da bomba nazista em 1941, 1942 e 1944 para cientistas estrangeiros que ele sabia que certamente fariam contato com a inteligência aliada, e que ele era basicamente um traidor da causa nazista que deliberadamente afundou o projeto alemão.

Uma evidência disso é que, em uma mensagem enviada a um amigo, que foi repassada aos líderes científicos do projeto americano da bomba atômica, Heisenberg disse que os alemães haviam iniciado um projeto de bomba e ele estava tentando atrasá-lo o máximo possível.

Ainda falando sobre a parte da relação da ciência no filme, a cereja do bolo é, claro, a aparição de Albert Einstein.

Einstein, como se sabe, teve papel fundamental para a criação da física quântica, mas ele próprio não gostava muito das consequências da Teoria Quântica e nunca as aceitou muito bem, apesar do sucesso da sua aplicação prática.

É um pouco difícil explicar isso para quem não conhece a história da física quântica e quem conhece já sabe bem o que estou falando, mas resumidamente, Einstein acreditava mais em uma ciência determinista e não estranhamente probablística como sugeria a nova física que ele próprio ajudou a fundar.

Ele não recebeu o prêmio Nobel pela teoria geral da realtividade como muitos supõem, mas por seu trabalho com fótons, que é um trabalho fundamental para o desenvolvimento da nova física, publicado em 1905, muito antes dele chegar à teoria da relatividade que só ocorreu anos depois.

É dentro do contexto desta disputa entre o paradigma científico determinista da física e incerto da física quântica, que Einstein diz que “Deus não joga dados com universo”, citação que também é retratada no filme.

Aliás, diz a história que quando Einstein disse isso, um dos pais da física quântica, Niel Bohrn, também retratado no filme, respondeu: “Einstein, não diga a Deus o que fazer.”

Fato é que Einstein nunca trabalhou diretamente no desenvolvimento da bomba atômica. E isso o filme deixa bem claro.

A participação de Einstein foi muito mais modesta, exatamente como está mencionado no filme: no ano de 1938, Einsten é avisado que três químicos alemães haviam sido capaz de dividir o átomo de urânio. Ainda havia outras questões técnicas a serem resolvidas para chegar ao ponto dos alemães conseguirem criar uma bomba atômica, mas eles estavam a caminho.

Quando Einstein soube que os alemães poderiam ser bem sucedidos, em 1939, ele escreve uma carta ao presidente Roosevelt com suas preocupações e incentivando que os EUA tomassem a dianteira nessa corrida armamentista.

Einstein ficou devastado quando viu o resultado das bombas de Hiroshima e Nagasaki.

Ele era um pacifista.

Em uma entrevista à revista Newsweek, ele disse que “se eu soubesse que os alemães não teriam sucesso no desenvolvimento de uma bomba atômica, não teria feito nada”.

Agora, valeu a pena ter criado a bomba?

Valeu a pena ter soltado a bomba?

Oppenheimer é um heroi ou vilão?

O que você faria em tais condições?

Como você lidaria com as consequências da sua ação?

Considere o que falamos sobre Gita e Jung no começo do vídeo. Não há resposta pronta para questões complexas.

Contudo, uma coisa chama a atenção, algo que a tradição da escola de frankfurt escancara bem sobre a humanidade no pós-guerra: como pode ser que, no auge da razão, como o fruto do movimento que se autodenominou iluminismo, pudesse culminar em práticas tão desumanas?

Como pode ser que a humanidade, com o uso da razão, que supostamente vinha para tirar o mundo das trevas através do conhecimento, tenha sido capaz de cometer tantas atrocidades em tão pouco tempo: o gulag, do comunismo soviético; o fascismo de Mussolini; o nazismo de Hitler e, claro, o tema do filme, o desenvolvimento de armas atômicas com potencial para dizimar a vida da face da terra?

Talvez, seja como escreveu o geneticista francês Albert Jacquard, contrariando a ingenuidade daqueles que têm a mais pura fé que o positivismo e cientificismo por si só possam resultar em uma ética da razão:

“Ao deixarem os seus laboratórios, os cientistas são homens como os outros, tão vulnenáveis à ambição, ao desejo de poder, à bajulação, à vaidade, às influências, aos preconceitos, à cobiça, aos erros de julgamento e às tomadas de posição irrefletidas como qualquer um. Por isso, como se podia prever, o extraordinário progresso do saber positivo e de suas aplicações não se fez acompanhar de um milímetro de progresso moral, nem entre seus protagonistas nem entre seus concidadãos.”

Que tipo de razão é esta?

O uso da razão não faz o homem melhor ou pior dentro do sistema a que pertence, porque melhor é um conceito relativo neste caso, uma vez que cada parte é fundamental para cumprir uma determinada função para o bom funcionamento de todo o sistema do qual todos dependem.

Mas a razão, se aplicada a rigor, demanda sim uma coisa em específico: que o homem seja o mais responsável dos seres.

Neste sentido, vale recorrer ao que escreveu Saramago sobre a razão:

“A imaginação, o que dizer a respeito dela? Meus livros estão aí para provar que eu a tenho. Mas é uma imaginação que está sempre a serviço da razão.

Ou melhor: que aceita a prevalência da razão. Posso formular assim: a imaginação é o ponto de partida, mas o caminho a partir daí pertence à razão.

Somos nós que nos afirmamos, por oposição ao comportamento dos animais, seres dotados de razão; por isso, não posso aceitar (e aí entra uma questão ética) que a razão seja usada contra a razão. Nesse sentido, uma razão que não é conservadora da vida, uma razão que não defende a vida, uma razão que (pondo a coisa num terreno mais prático, mais imediato) não se orienta para dignificar a vida humana, para respeitá-la, muito simplesmente para alimentar o corpo, para defender da doença, para defender de tudo o que há de negativo e que nos cerca, e que desgraçadamente é também produto da razão, é uma razão de que se faz um mau uso.

Se o homem é um ser racional e usa a razão contra si mesmo — um contra si mesmo representado pelos seus semelhantes −, então de que é que serve a razão? Se ela não serve à ética, ela se transforma numa arma destrutiva.”

José Saramago, em “As Palavras De Saramago”, p. 134/135.

Enfim, uma obra que suscita tantas reflexões, não é uma obra qualquer.

Oppenheimer é o grande trabalho de Christopher Nolan no cinema. É um blockbuster e vai se tornar um clássico. Imagino que será o melhor filme do ano de 2023.

Concluindo: No apogeu da expressão cinematográfica em Imax, saí com a sensação que testemunhei uma obra-prima que já nasceu destinada a ocupar seu lugar no panteão dos clássicos, logo em seu dia de lançamento.

O filme não narra apenas a vida do físico americano, mas sintetiza a saga humana, a ascenção através da ambição por saber e controlar as forças da natureza, seguida pela queda do homem, arquetípica, quando seduzido pelo poder.

Oppenheimer não é uma via de mão única, que se assiste imune; é um espelho intricado no qual as nossas próprias faces se refletem. Com metade da face iluminada pela luz, mas metade ainda imersa na sombra, esse espelho revela o conflito ancestral entre estas forças superficialmente antagônicas: o embate milenar entre a verdade e a ignorância, o amor e o medo, entre a luz e a escuridão.

Percebemos que não somos os heróis nem os mocinhos. Somos todas as qualidades que a atribuímos a nós mesmos, mas somos sobretudo todas as histórias que não contamos para ninguém.

O filme, tal como a batalha de Kurukshetra, rertrata um campo de batalha onde essas forças universais colidem, evocando os duelos interiores que todos nós travamos dentro de nós mesmos, alguns com mais consciência, enquanto outros ainda completamente presos às pedras nas profundezas do inconsciente.

Neste sentido, cabe lembrar mais um fato histórico: quando o prêmio Nobel de Física Niels Bohr foi nomeado cavaleiro pelo rei da Dinamarca, ele desenhou o seu próprio brasão porque não tinha nenhum.

O brasão que ele criou para si foi feito em torno do símbolo taoísta yin/yang, que, no caso dele, representa a complementaridade de ondas e partículas na mecânica quântica.

O yin-yang é a representação pictórica da filosofia taoísta de Lao Tzu, que sugere que as forças que nós, com base em nossa confusão mental primordial, predicamos como sendo ora positivas ora negativas, quando na verdade não são nem uma coisa nem outra, apenas são o que são.

Portanto, não são opostas em sua natureza, mas complementares conforme sugere uma perspectiva mais profunda da sua compreensão.

Como lema para o seu brasão, Bohr acrescentou em latim Contraria sunt complementa (os opostos são complementares).

Brasão criado por Niel Bohr

Oppenheimer é um filme que entretém, mas desafia e provoca, como um tratado filosófico sobre a natureza da existência e a dialética perpétua que permeia nossas almas. Ao fazer isso, eleva-se acima das limitações do entretenimento convencional, candidatando-se a nascer já como um clássico da sétima arte e a busca pela compreensão última.

Afinal, quem somos?

Somos homens de conhecimento?

Mas que tipo de conhecimento? Este, que cria bombas capazes de dizimar cidades em segundos?

Não… não somos homens de conhecimento, como bem escreveu Nietzsche, em Genealogia da Moral:

“Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos somos desconhecidos — e não sem motivo. Nunca nos procuramos: como poderia acontecer que um dia nos encontrássemos?

(…) Pois continuamos necessariamente estranhos a nós mesmos, não nos compreendemos, temos que nos mal-entender, a nós se aplicará para sempre a frase: ‘cada qual é o mais distante de si mesmo’ — para nós mesmos somos ‘homens do desconhecimento’…”

Obrigado por me acompanhar até aqui e até uma próxima.

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