O Belo que Eclipse nenhum oculta

Natri (Fabio Natrieli)
MIND o>er matter
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8 min readMar 8, 2016

Você já parou para pensar como é possível que, em um Eclipse Solar Total, tanto o Sol como a Lua, com toda a diferença de tamanhos que eles têm, se encaixem tão perfeitamente um sobre o outro?

Eclipse de 21 de Junho de 2020

Quando vemos o Eclipse, valorizamos o espetáculo pela beleza do que é visível, mas talvez ainda mais bonito que observar o fenômeno em si, seja a improvável matemática reunida na junção de condições necessárias para que você seja capaz de testemunhar estes dois astros sobrepostos.

Para que tal fenômeno seja possível, uma grande coincidência se faz impreterivelmente necessária: da nossa perspectiva, o Sol e a Lua devem ter quase que exatamente o mesmo tamanho no céu e isso requer um ajuste de números bem interessante — falaremos sobre ele mais tarde.

Antes, tenha em mente que a nossa Lua é considerada meio bizarra em relação às demais Luas dos planetas do nosso Sistema Solar. Proporcionalmente ao tamanho da Terra, a Lua é, de longe, o maior satélite que temos orbitando um Planeta em nosso Sistema.

Com isso, quero dizer — na verdade, não sou eu que digo, e sim os astrofísicos — que nossa Lua é, de certa forma, rara em comparação com as demais e isso nos é relevante porque é exatamente o seu tamanho extraordinário e sua posição em relação à Terra um dos fatores que possibilita a existência de um Eclipse.

Este fenômeno pode parecer qualquer coisa à toa, mas em se tratando de probabilidades, podemos dizer que o fato de sermos capazes de testemunhar um Eclipse é um tremendo e improvável golpe de sorte. Se a disposição espacial de qualquer um dos astros fosse minimamente diferente, um eclipse seria um fenômeno inexistente para a humanidade.

Vamos colocar o fenômeno em números para ilustrar melhor sua excentricidade:

A lua tem um diâmetro de 3.474,5737 quilômetros.

Para que um eclipse total seja possível, para nós, aqui da Terra, é preciso que a esfera da forma da Lua tenha o mesmo tamanho da esfera da forma do Sol, certo?

O diâmetro do Sol mede 1.390.999,471 quilômetros. Se você dividir o diâmetro do Sol pelo diâmetro da Lua, ou seja, 3.474,5737 km / 1.390.999,471 km temos como resultado este número: 400,337.

Isso significa dizer que o Sol é quase que exatamente 400 vezes o tamanho da Lua.

Assim sendo, para que seja possível que tanto o Sol como a Lua tenham o mesmo tamanho aos nossos olhos, da nossa posição relativa aqui da Terra, a distância da Terra para o Sol deve ser de aproximadamente 400 vezes a distância da Terra para a Lua.

Coincidentemente, é o que acontece. O Sol está aproximadamente 400 vezes mais longe da Terra do que a Lua. Logo, uma coisa “compensa” a outra de tal sorte que, para um observador terrestre, tanto o Sol quanto a Lua têm praticamente o mesmo tamanho.

É exatamente por esta relação ter o valor aproximado próximo de 400, que, em um eclipse solar total, o Sol e a Lua parecem ter o mesmo tamanho da nossa perspectiva aqui na Terra.

Em um artigo publicado na revista Scientific American , o astrofísico norte-americano, Dr. Caleb A. Scharf, Diretor de Astrobiologia da Universidade de Columbia, resume bem a questão:

É uma coincidência interessante que a Lua se sobreponha quase tão perfeitamente a ponto de apagar o Sol, uma vez que não há realmente nenhuma razão física para ser assim. A Lua é cerca de 400 vezes menor que o Sol, mas o Sol também está cerca de 400 vezes mais longe da Terra do que a Lua está(…)

Embora, verdade seja dita, o próprio cientista conclua o artigo dizendo que tal fenômeno “não seja nada especial, apenas um bom golpe de sorte”.

Sorte, aliás, é algo que a espécie humana parece ter em abundância. Nossa existência é um tremendo golpe de sorte do começo do Universo até o presente momento. Estamos no melhor momento de toda a vida humana em toda existência do Universo em quase 14 bilhões de anos. A nossa mera existência desafia qualquer probabilidade estatística, mas, ainda assim, cá estamos, não é? Um golpe de sorte originado em uma cadeia de eventos improváveis de proporções cósmicas.

E já que estamos falando sobre sorte, voltemos a falar sobre a Lua, que também temos a sorte de tê-la por perto. Muita sorte! Por exemplo, se a Lua e a Terra não tivessem a massa exata que possuem, ou a Lua se chocaria com a Terra, no caso de possuir mais massa, ou se “desprenderia” da Terra, se tivesse menos massa. Tanto uma quanto outra situação teriam consequências nefastas para nosso Planeta. Sem a Lua, e sem a interferência gravitacional da Lua, não teríamos os movimentos das marés, e a própria rotação da Terra ficaria completamente instável, de modo que o campo magnético que protege a Terra seria insuficientemente forte, de modo que a vida como conhecemos não seria possível.

Em um ensaio publicado publicado na revista Nature, Robin Canup* faz uma proposição interessante: “as teorias atuais sobre a formação da Lua (ainda) dependem muito de coincidências cósmicas” e questiona se “a origem da Lua é um evento muito mais raro do que acreditávamos ou estamos deixando escapar algo?”

Eu, que só sei que nada sei, quando paro e contemplo toda a cadeia de eventos causais necessários que me permite estar aqui vivo, consciente e apto a compreender a improbabilidade estatística de um eclipse, penso que sim, uma explicação plausível é que de fato nós somos os seres mais sortudos deste Universo infinito em seus últimos 13.8 bilhões de anos de existência.

E talvez seja exatamente sobre isso que o filósofo brasileiro, Luiz Felipe Pondé, se referia, em texto publicado em sua coluna na Folha, que reproduzo abaixo:

“Você já se sentiu infinitamente pequeno diante de algo imenso e infinito? Já percebeu o quão frágil é tudo à sua volta, inclusive, e principalmente, você? Já pensou que um dia o sol se apagará e tudo que você conhece deixará de existir?

Já pensou que em meio a tantas pessoas que transaram desde a mais distante ancestralidade humana, a “cadeia de orgasmos” entre elas é a causa eficiente da sua existência hoje? Já imaginou quanta coisa podia ter dado errado e você não existir? Aqui não estamos muito distantes do silêncio que muitas vezes se impõe quando testemunhamos uma criança vir ao mundo. Esse silêncio é nossa consciência ancestral de que devemos nossas vidas a todos os que viveram, lutaram e morreram antes de nós. A primeira palavra que devíamos aprender a falar é “obrigado”. Uma cultura que não cultiva o respeito pelos ancestrais é uma cultura de ingratos. Deveríamos assistir ao parto de joelhos.

Bastava uma dorzinha de cabeça numa das fêmeas ancestrais ou uma brochada num dos machos ancestrais ou um dos dois ser comido por algum predador, e você não estaria hoje aqui lendo a Folha.

Logo, é quase um milagre esse instante em que nos encontramos. Assim como toda a cadeia de eventos que envolve a sua vida e a de cada um de nós.

Diante de tantas variáveis infinitas, muita gente sente um certo agradecimento por ter nascido e pelas coisas que giram à nossa volta, tornando possíveis nossas vidas.

Nossa atitude deveria ser uma de completa reverência diante de tudo isso. Esse tipo de reverência desapareceu do nosso repertório porque somos uns mimados que acham que o universo é “um direito” cósmico. E que todos que transaram em nossa longa cadeia de ancestrais o fizeram “por nossa causa”.

Essa humildade diante da simples existência não é muito distante da ideia de graça no cristianismo (e também no judaísmo e islamismo). Dai que qualquer teólogo competente sabe que toda boa teologia começa agradecendo. Coisa pouco comum hoje em dia. Uma sociedade dominada pela ideia de “direitos” é necessariamente uma sociedade que cultiva a ingratidão. Nada mais distante da espiritualidade semita (das três religiões abraâmicas citadas acima) do que uma teologia que “pede”. A teologia começa agradecendo o fato de respirarmos. Ou, como diria Santo Agostinho (354–430), devemos agradecer pela língua que temos para falar.

Toda espiritualidade séria começa com a consciência do quão improvável é a nossa existência e a de todas as demais coisas à nossa volta. A fina relação entre essa enorme improbabilidade e nossa ínfima existência é que produz o sentimento de milagre, agradecimento e graça.

Que nenhum ateu inteligentinho queira me dar uma lição de estatística ou de acaso cego. Guarde-as para ateus inseguros e de alma tosca. A cegueira do acaso apenas torna a beleza do mundo ainda maior.

O que vem a ser a religião? Essa pergunta não é fácil de responder. Muitos tentam buscar uma resposta que sirva pra todas as religiões, mas isso não é evidente.

Entretanto, existem algumas ideias interessantes sobre essa busca de um “denominador comum” para as religiões que funcionam razoavelmente bem. E algumas delas passam justamente por esse sentimento de agradecimento pelo simples fato de sermos capazes de testemunhar toda essa beleza, ao mesmo tempo frágil e imensa. E de nos sentirmos de alguma forma dependentes dela.

O teólogo alemão Friedrich Schleiermacher (1768–1834), fundador da hermenêutica, disciplina que estuda os modos de interpretação de culturas e textos, é considerado o pai fundador dos estudos não religiosos das religiões. A história desses estudos é longa e não vou me ater a todas as controvérsias que a matéria exige.

O que me interessa aqui é o “denominador comum” que Schleiermacher pensava estar presente em todas as religiões. Para ele, as religiões são o fruto dessa percepção profunda de nossa dependência para com esse infinito que nos sustenta e, ao mesmo tempo, nos lembra o quão efêmero isso tudo é. Como o pó que se vai com o vento, mas que é capaz de ver o rosto de Deus.”

Independente da nossa visão de mundo, se espiritualizada ou puramente materialista, em ambos os casos acreditamos em milagres, uns pelo viés estatístico e outros por meios divinos.

Seja como for, cá estamos, pensando, logo existindo e provando que milagres existem.

*fonte do artigo da Nature citado no texto: http://www.nature.com/news/planetary-science-lunar-conspiracies-1.14270#auth-1

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