O universo é energia, que é trabalho… de quem?

Natri (Fabio Natrieli)
MIND o>er matter
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9 min readMay 1, 2021

Nós sabemos que tudo o que existe — e com isso quero dizer os 5% da matéria atômica que compõem a densidade do universo que conseguimos mensurar e observar cientificamente (o restante é supostamente composto de matéria e energia escura, que não sabemos o que é, se é que é) — , é feito de átomos.

Um átomo é uma unidade básica de matéria formado por um núcleo central de carga elétrica positiva envolto por uma nuvem de elétrons de carga negativa.

Ou seja, o átomo é basicamente composto de cargas elétricas, em outras palavras, energia.

A energia é fruto do trabalho de um corpo físico, da matéria. A matéria, por sua vez, não existe em si, mas é formado por pequenos blocos de energia.

O trabalho, então, transforma e transfere energia através da matéria, mas não gera energia em primeira instância porque ela depende da matéria, porque é resultado dela, em um processo que, depois de iniciado, pode se retroalimentar.

Veja, por exemplo, como o funciona a geração de energia através de uma usina hidroelétrica:

Ou, então, como funciona a geração de energia através de uma usina nuclear:

Em ambos os casos, a energia é o produto do trabalho da interação da matéria, depende dela, seja o urânio (no caso da energia nuclear), seja a água (no exemplo da hidroelétrica).

Agora, dentro deste contexto, considere o seguinte:

"Os físicos nos dizem que eletricidade é energia. Mas o que é energia? É o que resulta do trabalho… para se produzir trabalho requer-se o intermédio de um corpo. O resultado do movimento deste corpo será a energia e esta energia resultante do movimento pode, por sua vez, produzir trabalho. A energia é, portanto, algo que resulta diretamente de uma qualidade essencial dos corpos: inércia. De acordo com essa explicação, a energia é algo imanente à matéria. Mas, então, como pode o átomo elétrico ser o que produz a matéria quando é esta matéria que produz energia?"

Se este pensamento estiver correto, parece que a equação que temos para explicar o universo está incompleta, porque este é um argumento circular. Se é a matéria que gera energia e a matéria é uma consequência dos seus átomos, que são energia, a energia que deu origem aos átomos, vem de qual fonte em primeira instância?

Assim, podemos induzir que deve haver, antes, uma fonte primária de energia que gerou a energia (e matéria) deste sistema.

Por exemplo, aqui na Terra somos e dependemos do resultado do trabalho advindo da energia do Sol — colocando a coisa de forma muito resumida — sem o qual não há possibilidade de vida humana, como temos hoje. O Sol, entretanto, não é resultado de si mesmo, mas resulta da energia do trabalho de outros eventos. Retroceda 13.8 bilhões de anos e chegamos ao Big Bang, onde tudo começa, inclusive o tempo e o espaço.

Há um pequeno grande problema nesta animação, logo em seu início. Uma petição de princípio, na qual já se parte do pressuposto que "no princípio, o universo era um pontinho, até que ele explodiu(…)"; sendo que o grande X da questão está justamente neste pontinho. Segundo a corrente cosmológica mais aceita atualmente, antes do Big Bang não havia nada, nem mesmo tempo e espaço.

Um dos problemas deste modelo tem a ver com a ideia de singularidade — chamada assim por ser algo singular, inusitado, inexplicável — , que reside justamente no fato de como este “pontinho" surgiu. Como do nada pode surgir tudo que existe?

Aqui, abaixo, colocamos resumidamente uma linha do tempo cosmológica:

“Há 13,8 bilhões de anos — Big Bang
Universo nasce em uma violenta explosão. Toda sua energia e massa estavam contidas em um volume trilhões de vezes menor do que a cabeça de um alfinete.

Antes de 10–43s DBB (depois do Big Bang) — Era de Planck
O Universo era tão quente e denso que as quatro forças da natureza ainda não haviam se separado. Antes disso, nossas leis da física não se aplicam.

De 10–43s DBB a 10–36s DBB — Era da Grande Unificação
Com a expansão e resfriamento do Universo, a gravidade se separa das outras forças fundamentais: nuclear forte e eletrofraca.

De 10–36s DBB a 10–12s DBB — Era Inflacionária e Eletrofraca
O Universo passa por uma expansão exponencialmente rápida. A força eletrofraca se divide em eletromagnetismo e nuclear fraca — formando as quatro forças fundamentais que temos hoje.

De 10–12s DBB a 10–6s DBB — Era Quark
Mesmo com as forças já separadas, o Universo ainda é muito quente e energético para permitir que os quarks formem hádrons (como os prótons e nêutrons). Tudo era uma espécie de sopa (ou plasma) de quarks e glúons (estado recriado no LHC).

De 10–6s DBB a 1s DBB — Era Hádron
O plasma que quarks e glúons é resfriado e se formam os hádrons. Matéria e antimatéria se aniquilam, mas uma insignificante (e misteriosa) assimetria permite que a matéria vença a disputa. Surgem os neutrinos.

De 1s a 10s DBB — Era Lépton
O Universo já mede alguns anos-luz. Depois dos hádrons, é a vez dos léptons (como neutrinos e elétrons), então os donos do pedaço, se aniquilarem com seus opostos.

De 10s a 380 mil anos DBB — Era Fóton
Agora quem manda são os fótons. Nosso Universo continuava uma monótona sopa opaca de núcleos de hidrogênio e hélio, quente demais para os elétrons se juntarem aos prótons e formarem átomos. Quando isso aconteceu, foi liberada a famosa radiação cósmica de fundo.

De 380 mil a 1 bilhão de anos DBB — Idade das Trevas e Reionização
Depois de um longo período em que o Universo é dominado por uma escuridão de átomos de hidrogênio, formam-se as primeiras estrelas (560 milhões anos DBB), que criam elementos mais pesados como os metais e formam as galáxias.

600 milhões de anos DBB — Surge a Via Láctea

9 bilhões de anos DBB (há 4,6 bilhões de anos) — Surge o Sol

8,9 bilhões de anos DBB (há 4,5 bilhões de anos) — Surge a Terra

10 bilhões de anos DBB (Há 3,5 bilhões de anos) — Surge a vida na Terra

13,63 bilhões de anos DBB (há 65 milhões de anos) — Dinossauros são extintos

13,69 bilhões de anos DBB (há 315 mil anos) — Surge o Homo Sapiens"

Em resumo, do Big Bang para cá, tudo (ou quase tudo) pode ser traçado reversamente em relações de causa e efeito.

Quase tudo porque eu coloco o surgimento da vida (a transformação da matéria inorgânica para orgânica), a consciência e as leis do universo como outros fenômenos que ainda estão além da nossa compreensão dentro desta razão de causa e efeito contínua. Isso pode ser tema de textos futuros, não caberia entrar em maiores detalhes agora.

Mas, a grosso modo, podemos partir de forma reversa e explicar tudo até o Big Bang, quando tudo surge do nada. O que seria absurdo pois seria um fenômeno que vai contra a lógica com que explicamos tudo mais.

Para escapar desta ideia, físicos modernos têm sugerido ideias como a teoria das cordas e a hipótese de haver multiversos, segundo a qual universos pipocam a todo momento e o nosso, por sorte, calhou de dar certo e por isso estamos aqui hoje.

Porque se depender de probabilidades, precisamos de uma explicação mais razoável para a nossa sorte. Segundo Sir e Dr. Fred Hoyle, astrônomo inglês, nosso Universo parece ter um ajuste fino, extremamente preciso, para permitir a criação da matéria e de tudo que existe, inclusive a vida. Seus cálculos sugerem que se a densidade da matéria após o Big Bang fosse 0.0000000000000000000000000000000000000001 diferente do que foi, ou o Universo se curvaria para fora e o espaço seria um grande vazio ou se curvaria sobre si mesmo, em um colapso que iria criar um buraco negro. Ou seja, dentre todas infinitas possibilidades viáveis, tivemos a sorte da densidade da matéria ser exatamente como deveria ser para o Universo poder existir tal como é.

Depois, este mesmo cientista, que se negava acreditar na evolução química da vida — ele defendia a ideia de panspermia,
a teoria de que a vida surgiu no espaço, espalhando-se pelo universo -, escreveu uma metáfora para tentar explicar a impossibilidade lógica da vida surgir por acaso. Diz ele que supor que a matéria inorgânica passou a ser viva é tão razoável estatisticamente como acreditar que, mesmo em uma escala de bilhões de anos, “um tornado varra um depósito de lixo e possa, por acaso, fabricar um Boeing 747 a partir dos entulhos lá disponíveis”, de forma espontânea.

Hoyle também comparou a probabilidade de se obter até mesmo a mais simples proteína capaz de funcionar a partir da combinação aleatória de aminoácidos à de um sistema solar cheio de homens cegos resolverem o Cubo de Rubik simultaneamente.

Mas já estamos indo além do proposto deste tema, que é a relação entre energia e trabalho, tendo o universo material (se é que podemos chamá-lo assim) como base.

Portanto, o que estou sugerindo é que, em sendo um evento único, como sugere a teoria do Big Bang, a probabilidade de tudo existir, com o ajuste fino das suas leis, beira o absurdo, é ínfima.

Como escreveu o Dr. Rupert Sheldrake, "é como se a ciência dissesse: 'dê-me um único milagre sem causa e, a partir daí, tudo se procede com uma explicação causal contínua'. Este único milagre sem causa foi o súbito aparecimento de toda a matéria e energia do universo, com todas as leis que o governam."

Ou, como escreveu o Dr. Robert Jastrow, astrofísico, em seu livro "God And The Astronomers":

Existe um tipo de religião na ciência: é a religião de uma pessoa que acredita que existe ordem e harmonia no Universo. Cada evento pode ser explicado de forma racional como o produto de algum evento anterior. Essa fé religiosa do cientista é violada pela descoberta de que o mundo teve um início sob condições nas quais as leis da física conhecidas não são válidas, e como um produto de forças ou circunstâncias que não podemos descobrir. Quando isso acontece, o cientista perde o controle. Se ele realmente examinasse as implicações, ficaria traumatizado. Como de costume, quando confrontada com traumas, a mente reage ignorando as implicações — na ciência, isso é conhecido como ‘recusar-se a especular’ — ou banalizando a origem do mundo chamando-o de Big Bang, como se o Universo fosse um foguete. .. Neste momento, parece que a ciência nunca será capaz de levantar a cortina sobre o mistério da criação. Para o cientista que viveu pela fé no poder da razão, a história termina como um pesadelo. Ele escalou as montanhas da ignorância; ele está prestes a conquistar o pico mais alto; enquanto ele se inclina sobre a última pedra, ele é saudado por um bando de teólogos que estão sentados lá há séculos."

Jastrow, “God and the Astronomers” p113–114, 116

Ou, voltando a citar o próprio Max Planck, que tem uma frase que segue a mesma linha acima:

“A Física Moderna nos impressiona particularmente com a verdade da velha doutrina que ensina que existem realidades existentes além de nossas percepções sensoriais, e que existem problemas e conflitos onde essas realidades são de maior valor para nós do que os mais ricos tesouros do mundo da experiência.” — Max Planck

Assim, a própria existência do universo, desde o seu mais remoto princípio, nos sugere e remete à ideia de trabalho, o da transformação e transferência de energia, segundo um ajuste fino de leis e condições, que combinou e interagiu entre si, evoluindo (para uns por acaso e para outros com propósito) até chegarmos aqui, neste ponto, onde somos capazes de ter consciência de tudo isso, seja conforme a ciência nos sugere pelo método da observação ou como a teologia explicava por intuição.

Claro que há diferença entre a precisão científica e a subjetividade teológica. Mas, me fale, a grosso modo, para fins práticos, o Fiat Lux é um evento assim tão diferente do Big Bang?

Sobre isso, Max Planck, Prêmio Nobel de Física, pai da física quântica, certa vez escreveu:

“Como um homem que devotou toda a sua vida à ciência mais lúcida, ao estudo da matéria, posso dizer-lhe isto como resultado de minha pesquisa sobre átomos: Não existe matéria como tal. Toda matéria se origina e existe apenas em virtude de uma força que traz a partícula de um átomo à vibração e mantém unido este minúsculo sistema solar do átomo. Devemos assumir por trás dessa força a existência de um espírito consciente e inteligente [em alemão, a palavra geist]. Esse espírito é a matriz de toda a matéria."

Assim, a pergunta que fica, e legítima, é o próprio título do artigo: o universo é matéria, que é basicamente energia. Energia é o que resulta do trabalho de um corpo. O universo é, portanto, energia que resulta do trabalho de quem, ou de qual corpo?

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