Será que a fé é incompatível com a ciência?

Natri (Fabio Natrieli)
MIND o>er matter
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5 min readOct 25, 2013

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Esta é exatamente esta pergunta que Francis Collins, renomado cientista americano, mais conhecido por ter liderado o projeto GENOMA HUMANO — uma das mais audaciosas pesquisas científicas dos últimos tempos -, se propõe responder em seu livro: A linguagem de Deus (editora gente, 2007).

Seu testemunho é especialmente intrigante pois o próprio cientista se dizia ateu. Depois, quando médico, tornou-se agnóstico (quando o sujeito não acredita em Deus mas também não nega que Ele possa existir) e, só aos 27 anos, tornou-se teísta.

Casos assim, de cientistas religiosos, são mais frequentes do que imaginamos.

No próprio livro ele cita colegas renomados que são, também, crentes em uma Divindade Criadora.

Conheço outro autor, Amit Goswani, cientista indiano e doutor em física nuclear, que trilhou o mesmo caminho.

De cientista materialista tornou-se defensor de Deus. Seus livros, de física quântica, buscam demonstrar que a crença em Deus e aspectos como espírito, vida após a a morte, são temas plenamente razoáveis com base em uma lógica científica.

Tempos atrás, dentro desta mesma linha, postei aqui a posição de Jung sobre assuntos místicos e também postei o discurso de outro grande cientista, o indiano Bose, na ocasião do lançamento do instituto que leva seu nome.

Gosto muito da frase na qual ele, enquanto narrava sua odisseia acadêmica sobre o processo que o levou às suas descobertas, diz “…um inconsciente preconceito teológico apresentou-se também: o que confunde ignorância com fé”.

A resposta mais assertiva para a questão “Fé X Ciência”, segundo Collins, não está nem na lógica do ateísmo extremo proposta por alguns cientistas (como Richard Dawkins) e também não está nas argumentações dos crentes fervorosos (como evangélicos que insistem afirmar que a Terra nasceu há 6.000 anos, desprezando assim todas as maiores descobertas da geologia, arqueologia, química, biologia, etc.)

A verdade está no ponto de equilíbrio.

A ciência simplesmente não pode afirmar que Deus não existe.

Em detalhes, ele discorre sobre as razões pelas quais a teoria da evolução, o gancho usado por muitos cientistas para negar a existência de Deus, é mera questão de fé, porque não está pautada em evidências.

Aliás, fala-se muito sobre Darwin para negar Deus, porque ele supostamente demonstrou como a vida surgiu. Darwin jamais teve a pretensão de explicar a origem da vida. A teoria da evolução poderia implicar em avanços futuros que, eventualmente, poderiam sugerir uma teoria de como a vida surgiu, mas definitivamente esta ambição não estava contemplada em seu trabalho. Ele sabia que seu trabalho limitava-se em explicar a evolução das espécies e não o modo como a vida teria surgido, que é um enigma até os dias de hoje, ainda que haja teorias sobre isso aqui e ali.

Tal façanha — explicar a evolução da vida — já era um objetivo bastante audacioso, de uma complexidade tamanha que Darwin levou 20 anos para escrever e publicar seu clássico livro “a origem das espécies”.

Assim, com argumentação razoável, viajando ao longo de ciências diversas, como a Física, Química, Cosmologia, Geologia, Paleontologia e Biologia, Collins desenvolve seu raciocínio sugerindo que a crença em Deus é a mais razoável das hipóteses científicas e não o contrário.

O autor, diga-se de passagem, é um defensor ferrenho da teoria de Darwin. E demonstra por A+B que não é apenas uma “teoria”, que pressupõe falta de dados empíricos — como eu mesmo costumava afirmar — demonstrando que a teoria, neste caso, está mais do que respaldada por evidências científicas, de forma que se auto-sustenta de forma muito sólida.

Collins alega que Darwin não tinha como saber disso, portanto, àquela época era uma teoria, mas os avanços em genética comprovam suas suposições iniciais. Neste contexto, aqueles que negam a evolução prestam um desserviço à fé, não o contrário.

Todas descobertas da ciência, para o autor, são uma forma de entender e traduzir à razão humana como Deus organizou seu universo e a linguagem que usa (matemática e genética, por exemplo).

No entanto, sendo (ou estando) Deus uma entidade além da natureza, a ciência, que estuda os fenômenos naturais, não é capaz de explicar, pela razão, a existência do Criador.

E por este mesmo motivo, a ciência também não é capaz de negar a Sua existência.

Aliás, estatisticamente é bastante improvável que a vida tenha surgido ao acaso. “Portanto — segundo Collins -, o próprio ateísmo deve ser considerado uma forma de fé cega, pois assume um sistema de crenças que não pode ser defendido com base na razão pura.” (COLLINS, 2007:171)

Uma das bases de sua argumentação está fundamentada sobre a “Lei Moral”, defendida por C.S. Lewis, outro ateu que se converteu ao cristianismo, sob a influência de J.R. Tolkien.

Se a evolução explica como chegamos até aqui, ela falha ao explicar, por exemplo, a razão porque um indivíduo que não sabe nadar, ao ver alguém se afogando, se arrisca para salvar este desconhecido, sabendo que não terá nenhum ganho pessoal com isso.

Tal comportamento vai frontalmente contra o sentido da evolução. Se o instinto é de sobreviência, de passar nossos genes à frente, o que nos move a fazer o bem ao mesmo tempo que nos postamos em situações de riscos e de nos prejudicarmos, como no caso do exemplo citado?

Esta lei moral, diz ele, é uma evidência de Deus. Ele nos dotou com a propriedade do “eu” para que suas criaturas O busquem.

Collins discorre sobre o drama humano, citando, corajosamente, um episódio pessoal com sua filha, que muitos esconderiam ao invés de tornar público. E, como muito mal se fez em nome das religiões e sabendo que muitos ateus agarram-se em tais exemplos negativos, Collins argumenta: “A água pura e límpida da verdade espiritual é colocada em recipientes enferrujados” citando nós, humanos como a raiz dos problemas e não a religião em si.

Não obstante, ele mostra que muito bem se fez em nome da religião também e por pessoas devotas, como, por exemplo, Newton, o pai da física, que escreveu mais textos sobre a bílbia do que propriamente sobre a física e a matemática.

Eu ainda não tinha lido este livro que resenho, mas foi pensando exatamente nisso que, semanas atrás, escrevi esta frase.

Por fim, Collins propõe uma nova visão científica, o BioLogos, ou a Evolução Teísta. Mas para entender sua proposição vale mais a pena ler o livro do que confiar em minha capacidade de resumir sua proposta em poucas palavras.

Enfim, este livro é uma obra encantadora, quer seja você um ateu ou não… é uma obra marcada pela coragem deste homem! Muito mais fácil seria o autor abster-se do debate que muitos de seus colegas julgam ser incompatíveis.

Por fim, destaco uma famosa frase de Einstein, extraída de seu livro “Ciência, Filosofia e Religião: Um simpósio”, de 1941, que Collins também cita no livro: ”A ciência sem religião é manca, a religião sem a ciência é cega”

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