O impacto do comportamento heroico nas empresas

Felipe Oliveira
Mindset Ágil
Published in
7 min readJul 11, 2024

Introdução

Todo mundo gosta de um bom filme de herói, não é? Eu adoro! Principalmente os heróis medievais ou míticos, aqueles que vemos chegando e salvando todo mundo, fazendo o caos virar ordem. Lembra daquelas cenas do Transformers? Está tudo pegando fogo até que, na hora certa, aparece o Optimus Prime. 10 segundos de luta são mais que suficientes para ele acabar com a bagunça e ir para cima do vilão principal.

Agora, me diz uma coisa… Digamos que, em um universo paralelo, esses heróis não aparecessem ou não fossem tão habilidosos quanto os outros personagens. O que teria acontecido? Será que o resultado seria o mesmo?

Para alguns, a resposta para essas perguntas seria: “se as pessoas fossem tão boas quanto os heróis, não teríamos o problema”. Mas para outros, há a seguinte reflexão: será que esses problemas teriam chegado nesse ponto se as competências valorizadas no herói fossem desenvolvidas nos outros? Será que a presença do herói “resolve tudo” não é parte do problema que agora sofrem?

Quem são os heróis nas organizações?

Assim como no nosso cômico exemplo acima, heróis nas organizações são pessoas que parecem carregar os problemas de toda a empresa nas costas. São aquelas pessoas que atuam como as salvadoras dos projetos, assumindo a responsabilidade por fazer entregar impossíveis, resolver incidentes improváveis e ser o “bombeiro” favorito da liderança.

Entre outras características, podemos ver que os heróis:

  • Trabalham de forma excessiva, sendo usados como “exemplo” para outros;
  • Sempre alerta para atuar, sendo buscado em horários irregulares e momentos inoportunos;
  • Centralizam o conhecimento, seja por vontade própria ou falta de tempo para dividi-lo;
  • Carregam riscos constantes, já que a forma como os problemas são resolvidos pode não ser a mais eficiente e sequer documentada;
  • São, por natureza, escassos na empresa e por isso são “valorizados” em comparação com o restante;

Quais os impactos dos heróis?

Líderes que apoiam a existência de heróis em seu time ou área, normalmente são pessoas que já estiveram na mesma posição, e acreditam que a empresa teria menos problemas se mais pessoas fossam tão empenhadas quanto eles.

Mas quais as consequências de compactuar com a existência dos heróis na empresa? Vejamos:

Aumento dos riscos de falha e sobrecarga

Como são altamente requisitados e possuem competências supostamente únicas para o trabalho, heróis não têm tempo — ou não veem a necessidade — de documentar suas soluções e abordagens. A necessidade constante de sua presença os transforma, aos poucos, em um gargalo para todos na empresa. A falta de processos e controle sobre esse comportamento faz com que a empresa aumente os riscos do seu produto, já que:

  • Potencialmente, somente uma pessoa consegue dar o suporte;
  • A solução não será escalável ou, caso seja, não será estável;
  • O processo decisório não foi validado;
  • E diversas outras.

Desmotivação e falta de crescimento profissional

Heróis não são pagos para treinar pessoas, mas sim resolver problemas complexos. Sua presença na empresa o coloca numa posição de destaque e até de prestígio, sendo supervalorizado pelas suas “proezas” e atuação. Por vezes, heróis são usados como base de comparação, sendo considerados mais relevantes que um time inteiro.

Com isso, a reação natural dos membros das equipes é de um pleno desânimo. Sentem que seu tempo está sendo desperdiçado nesse tipo de ambiente, consequentemente, passam a buscar outros desafios no mercado. Além disso, como o foco está maior nos heróis, a evolução desses profissionais diminui, impactando ainda mais no seu desempenho.

É possível que heróis tenham o que podemos chamar de sidekicks, pessoas em quem confiam em delegar parte do trabalho. Não obstante, ainda são dependentes do heroísmo do(a) colega.

Cria-se o “expert” de estimação

Conforme o hábito de utilizar o tempo dos heróis cresce, passam a serem mais requisitados. Líderes / diretores constroem nessa abordagem uma ilusão de segurança e confiança, usando o profissional como um “disque-demanda”, isto é, um jeito rápido e fácil de ter suas vontades atendidas.

O mesmo pode valer para clientes que têm acesso direto às pessoas que executam o trabalho. Em empresas de software, por exemplo, já presenciais casos em que um cliente entrou em contato pelo WhatsApp pessoal do desenvolvedor para solicitar correções e até novas features. Imagine só, se o herói ou heroína sai da empresa! O que aconteceria com o cliente?

Má qualidade do produto e processos no longo prazo

Como o propósito das ações dos heróis é resolver rápido e de forma definitiva, a solução aplicada pode não atender aos requisitos de qualidade de código e eficiência, como:

  • Testes de unidade ou automação;
  • Criação e execução de cenários de teste;
  • Documentação do código;
  • Complexidade ciclomática e performance;
  • Integrações com outros sistemas.

Ao mesmo tempo, os efeitos nos processos, a longo prazo, são ainda maiores, conforme os heróis e a liderança mantêm sua postura. Mesmo que as pessoas estejam dispostas a mudar e melhorar a forma como criam produtos, sempre haverá a exceção e a brecha para que tais heróis possam atuar livremente.

Consequências adicionais à cultura

Apesar de já termos citado alguns pontos, vale lembrar a cultura organizacional é moldada pelos comportamentos e valores de seus funcionários, especialmente, da liderança. Ao manter tais comportamentos e valores vivos, a liderança reforça a ausência de elementos importantes na cultura organizacional, como colaboração, visão sistêmica, melhoria contínua, respeito às pessoas, decisões baseadas em dados etc.

Como mudar esse cenário?

Mudar a forma como as pessoas veem o mundo, como se comportam e, principalmente, como reagem às situações, é um desafio descomunal. Não só temos que pensar nas melhores abordagens, como elas podem não ser as mesmas para pessoas ou grupos diferentes. Em grandes empresas, esse tipo de iniciativa pode levar anos para obter resultados significativos, ao olhar da alta gestão! Mas não quer dizer que devemos deixar de fazer.

A existência de heróis na organização prova a fragilidade de sua estrutura. A ideia não é manchar a imagem das pessoas com essa “síndrome” e nem fazer com que saiam da empresa, mas sim garantir que a própria empresa saiba como atuar com esse tipo de perfil. Por isso, se você:

Atua na operação / equipe…

Comece por você. As mudanças que buscamos podem ser iniciadas pelo nosso próprio comportamento, e isso inclui:

  • Promover com seus pares a colaboração diária;
  • Trazer ideias e insights para seus líderes sobre as soluções e processos;
  • Motivar as pessoas a usarem as práticas que os ajudarão no trabalho diário;

Acima de tudo, não se torne o herói. Haverá momentos em que você será requisitado com mais frequência, seja pela sua competência técnica ou pela sua disposição e proatividade, mas tome cuidado: pessoas “insubstituíveis” podem não subir de cargo.

Atua na liderança…

Atue próximo a essas pessoas, construindo nelas os comportamentos que condizem com a cultura esperada pela empresa. Se os heróis são pessoas especialistas, promova a sua participação em sessões para compartilharem conhecimento e atuarem juntamente às pessoas menos experientes.

Caso sejam pessoas que prefiram estar mais “na execução”, forneça desafios que vão causar impactos verdadeiros e aprimorar os processos da equipe, como definição de boas práticas e padrões de trabalho, inovação etc. O sendo de “heroísmo” é um comportamento aprendido, não uma característica pessoal. É uma necessidade constante de se sentir “necessário”, útil (pelo menos é uma das interpretações possíveis). Por isso, ajude essas pessoas a verem que ser um “exército de uma pessoa só” é algo que mais prejudica do que ajuda.

Você influencia diretamente nos comportamentos das pessoas e nos heróis sob sua gestão e, portanto, compartilha da responsabilidade de mudar essa realidade. Em muitos contextos, a postura mais comum da liderança é promover o herói para que não o/a perca de vista, garantindo que fique na empresa por mais tempo. Essa abordagem vai na direção contrária do que a empresa precisa.

Por fim, forneça o suporte necessário para seus liderados. Realize alinhamentos frequentes, os tais “1:1s”, e os ajude a eliminar dificuldades, receios e dúvidas.

Atua na alta gestão…

Construa nos seus gerentes e diretores os valores e comportamentos que esperam da empresa. Valorize sim especialistas, mas fomente nessas pessoas o compartilhamento desse conhecimento. Ensine-os a liderar pelo exemplo, a criar as competências necessárias para que as outras pessoas possam contribuir com as entregas. Imagine ter um time cheio de pessoas tão boas quanto esse(a) especialista?

Além disso, se atente aos caminhos por onde a estratégia passa. O desdobramento da gestão estratégica depende de uma visão sistêmica robusta e, para que ela seja compreendida e executada corretamente, isto é, entregando os resultados esperados, é preciso colaboração e engajamento, de uma ponta à outra. As pessoas que você lidera — seus heads, gerentes ou diretores — precisam garantir a eficiência da cadeia de valor e isso inclui diminuir gargalos, dependências e bloqueios, enquanto aumentam a qualidade e assertividade dos produtos.

Conclusão

Parece tentador ser o herói. A pessoa que sempre está lá, “lutando a boa luta”. Mas as dores, tanto para você quanto para a empresa, podem ser maiores que os ganhos. Peço-lhe que busque sempre o crescimento profissional e evolua constantemente. Porém, lembre que somos parte de um todo e a nossa verdade não é a única que existe.

Não seja um Optimus Prime. Seja mais. Seja o exemplo da mudança que quer trazer.

E aí, curtiu esse artigo? Conte aqui nos comentários se você já passou por essas experiências, seja como o herói / heroína, líder ou membro da equipe.

Pra finalizar, deixa aquele joinha e compartilha com a galera!

#liderança #fluxo #eficiência #processos #gestão #gestãodepessoas #gargalos #lean #leandigital

--

--