Por que o UBER vale tanto? Ou: como VCs fazem o valuation de uma startup
Reflexões sobre como avaliar da melhor forma possível o valor de uma startup antes dela dar lucro
Devido ao fato de estar envolvido no meio empreendedor e financeiro, sempre busco acompanhar os mais recentes deals de startups e investimentos pelo mundo.
Quase sempre percebo uma dúvida comum entre pessoas menos familiarizadas com o meio: esse valuation faz sentido?
Apesar de entender que o valuation é no fim do dia subjetivo, é possível sim que um investidor, mesmo que menos experiente, consiga atingir uma analise geral do valor de um negócio em seus estágios iniciais.
Valuation é uma mistura entre técnica e arte, não uma ciência, não busque números exatos, mas sim um norte.
O primeiro ponto para se realizar o valuation de uma startup é acreditar que ela vai dar certo!
Digo acreditar, pois é impossível saber com certeza se um negócio vai dar certo até que ele dê, e na média, startups dão errado.
O segundo ponto é assumir que aquela startup será capaz de construir um monopólio.
Sim, um monopólio. Em seu livro De Zero a Um, Peter Thiel aborda o fato de que todo negócio deve buscar construir um monopólio, e eu concordo com ele, inclusive escrevi sobre isso em um artigo para o StartSe.
Com essas duas premissas em mãos, podemos começar o processo de valuation de uma Startup.
O primeiro ponto aqui é calcular o TAM (total addressable market) da startup.
Ou em outras palavras: se ela dominar 100% do mercado alvo, de quanto dinheiro estamos falando?
Uma visão realista do quão grande é o mercado potencial de uma startup é fundamental para o seu valuation.
Vamos assumir aqui que estejamos falando de uma startup na area de HPPC no Brasil(higiene pessoal, perfumaria e cosméticos).
Ps. Isso é um dos motivos pelos quais algumas startups tentam se vender como mais do que são, pois assim conseguem abranger um mercado maior e "valerem mais". ex: aluga bicicletas? Seu ramo é mobilidade urbana.
O primeiro passo é definir quanto dinheiro existe nessa industria. (Facilitando para você: 46,5Bi de reais).
Ou seja, se um único negócio dominasse 100% do mercado, ele teria um faturamento de 46,5 bilhões de reais.
Mas é agora que a coisa começa a ficar interessante.
Dificilmente uma única empresa vai conseguir 100% do mercado, e caso consiga, dificilmente manterá essa dominância por muito tempo.
Assim o investidor deve buscar pesquisar quem são os lideres nesse mercado atualmente e qual o seu share (participação) no mesmo.
Para o nosso exemplo, vamos dizer que a atual empresa líder do mercado seja a XPTO Cosméticos e Perfumaria, com 15% do mercado total.
Com base nisso a XPTO tem um faturamento anual de 6,97 Bilhões.
Uma vez que você obtem essa informação, é importante analisar então, qual o LUCRO obtido pelo melhor negócio do setor.
Vamos aqui assumir que seja uma margem líquida de 30%.
Então os 6,97 bilhões de faturamento se transformam em 2,08 de lucro.
Porém, isso não é o bastante, quando pensamos no longo prazo o investidor hoje, visa o exit do negócio no futuro e para isso, ele precisa entender qual o múltiplo de mercado ele deve esperar quando vender a sua participação.
Investidores de risco dificilmente pensam em viver dos dividendos da startup investida, mas sim em um exit com lucro em rodadas futuras, sendo a última delas o IPO.
Se assumirmos a premissa que o investidor de uma startup, planeja na média vender a sua participação no negócio no futuro, e que a "última porta de saída" é o IPO, então agora devemos olhar para a Bolsa de valores.
Vamos então ao mercado e procuramos empresas com dados públicos e sua relação Preço/Lucro (PL).
No Brasil, podemos pegar por exemplo a Natura (NATU3) que negocia com um PL de 24, ou ainda o próprio IBOV com um PL de 21.
Feito isso, multiplicamos o lucro potencial da startup pelo PL e temos um range de valuation entre 43 e 50 bilhões.
Esse é o cenário ideal da startup: O share da melhor empresa do setor, combinado com a melhor margem do setor e o melhor múltiplo de mercado.
Vamos assumir aqui os 50 bilhões de valuation terminal na hora do IPO e começar a segunda etapa do valuation: os descontos.
Como disse anteriormente, temos aqui um cenário um ideal, ou seja: se tudo der certo, um dia a startup vai chegar aos 50 bilhões de valuation.
Porém, esse dia está longe, assim, é imperativo que o investidor aplique uma taxa de desconto desse valor, ao longo do tempo que ele espera que leve para que a Startup atinja sua maturidade no mercado de capitais.
Uma conta de desconto simples já é um bom começo para isso.
Assumindo um custo de capital equivalente a uma NTN-B longa (Título do governo de baixo risco), ou mesmo, o próprio histórico do IBOV (investimento de maior risco), temos duas taxas de desconto básicas: 6,7% (NTN-B) ou 11% (IBOV).
A taxa de desconto é importante pois o poder de compra do dinheiro cai ao longo do tempo com a inflação, e desse modo o seu dinheiro vale menos no futuro do que hoje.
Lembre-se que ao realizar um investimento ao menos duas coisas devem ser levadas em conta: custo de capital e custo de oportunidade
Vamos chamar o desconto NTN-B de Caso A e o do IBOV de Caso B.
No Caso A temos: 50 / (1,067^N)
No Caso B temos: 50 / (1,110^N)
Sendo N o tempo que a Startup levará para atingir sua maturidade, vamos assumir aqui 10 anos a partir do seu investimento, dessa forma temos:
No Caso A temos: 50 / (1,067¹⁰) = 26,14B
No Caso B temos: 50 / (1,110¹⁰) = 17,6B
Ou seja, o valor terminal da Startup seria hoje algo entre 17,6 e 26,14 bilhões de reais.
Porém, novamente, esse é o cenário ideal, onde tudo dá certo e daqui 10 anos a empresa vai a mercado com esse valor.
Quando pensamos que mais de 90% das startups dão errado, chega a parecer uma piada de mau gosto fazermos valuations acreditando que tudo vai dar certo.
Porém, essa é a única forma de validar investimentos gigantescos por parte de VCs, que são em grande parte a fonte de fôlego para o empreendedorismo de risco no mundo.
Mais do que investir no negócio de hoje, eles investem no potencial de mercado daquele negócio no futuro, analisando não só o nicho de atuação atual, mas todo o setor de atuação.
Grandes VCs não compram o negócio de hoje, mas o seu potencial futuro, assumindo um grande risco ao fazer isso, em troca de um grande potencial de retorno.
Com base nisso, são então assumidas premissas para realizar o valuation daquele negócio que pode ou não se mostrar correto no futuro.
Porém, seja você um investidor ou empreendedor, entender o racional por trás dos valuations quase inacreditáveis de unicórnios que não dão lucro, é importante para realizar o seu próprio valuation.
E mais do que isso, entender o que faz alguns negócios valerem mais do que outros, e assim, poder definir o que precisa ser feito para gerar valor naqueles negócios nos quais você está envolvido.