Afrofuturismo: sonho e concretização de futuros possíveis

Esse texto foi publicado originalmente no Ponto Eletrônico.

Marcio Black
Blog da Minha Sampa
3 min readAug 25, 2017

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As diásporas negras causaram um duplo trauma: a escravidão, num passado não tão distante, e o da perseguição, que nos manteve invisíveis, fora do campo da humanidade. Estes traumas até hoje operam nos corpos individuais (em uma perspectiva anatomopolítica), na coletividade (em uma perspectiva biopolítica), e nas individualidades e coletividades correlacionadas (em uma perspectiva do controle). Quando não é exterminada pela polícia, a população negra e pobre é encarcerada, excluída dos espaços de produção de conhecimento, decisão política e do mercado de trabalho. E o efeito disso é deletério sobre uma possível memória coletiva que nunca terá força para compor um discurso total. É perigoso dizer “totalizante” porque essa ideia opera na chave da exclusão ou sobreposição de outras histórias. “Total”, então, aqui está dito no sentido de uma reminiscência de centenas de milhares de histórias que foram jogadas fora, deletadas sem deixar nenhum traço da sua humanidade.

“A civilização branca, a cultura europeia, impuseram ao negro um desvio existencial.” — Frantz Fanon

Somos assombrados pela invisibilidade desde sempre. Não por acaso, atualmente a principal questão que se apresenta aos afrodescendentes é a da representatividade. Nesta medida, o afrofuturismo oferece uma chave de entendimento que possibilita pensar um futuro com mais justiça para a população negra. É um modo de imaginar e construir futuros possíveis pela

ótica cultural negra; um ponto de ligação entre imaginação, tecnologia, futuro e liberação.

Do silenciamento à criação de espaços

A existência da comunidade negra e a possibilidade de avanço cultural, econômico e político são negadas a todo momento. Por muito tempo fomos silenciados, apagados e por isso precisamos apostar, cada vez mais, em novas estratégias de integração, numa sociedade que até hoje cria barreiras.

Por isso a classe média branca e progressista, por mais empática que se considere em relação à questões raciais, precisa também entender o quanto é privilegiada e como, do alto de seus privilégios, “naturalmente” ou “por afinidade” se alinha a outros brancos política, econômica e culturalmente.

A reversão disso acontece quando o antirracismo se tornar uma regra primeira e inegociável em suas existências e iniciativas, uma vez que ainda detém acessos quase exclusivos a todos recursos e meios.

Atualmente estamos presentes em todos os espaços por meio de militância e ativismos; da disputa de espaços de decisão política e de poder; lideranças em ambientes de trabalho; nos espaços de produção acadêmica. Mas ainda é muito pouco e o que precisamos nesse momento é de pessoas dispostas a fortalecerem as iniciativas negras como participantes ativos da transformação radical pela qual a sociedade brasileira precisa passar. Transformação radical que tem como uma de suas principais urgências a inserção de negros e negras nos espaços de decisão política e no mercado de trabalho.

A força e unidade das histórias negras têm capacidade de se sobrepor, por meio do afrofuturismo, a todos os traumas infligidos até o momento. Mas como operar este futuro nas suas mais variadas dimensões? Muitos e complexos são os aspectos a se considerar: a multiplicidade de trajetórias possíveis se sobrepõe às existências fragmentadas, quando não apagadas; ao mesmo tempo não se pode apagar as relações com o coletivo.

Como agenciar esses múltiplos? Como permitir todos os encontros possíveis entre as diferenças?

São perguntas para as quais não temos respostas, mas que valem ser colocadas à mesa. Pois quanto mais as pessoas estiverem expostas a experiências diversificadas, quanto mais contrastes entre visões de mundo, menos fechadas serão suas redes de relações ao nível do cotidiano. Dessa maneira, poderemos pensar em tudo que podemos ser e em todos os lugares que podemos alcançar.

O afrofuturismo é sonho, mas também é concretização. E é assim que se cria uma nova cultura, mais aberta a discutir mudanças estruturais necessárias. É assim, também, que se entende que implementações de políticas sociais são tão importantes quanto a radicalização das lutas.

O futuro de plena inclusão já foi descrito e o acesso ao mercado de trabalho ainda segue como a chave de mobilidade social que garantirá nossa expressão e representatividade como comunidade. Talvez, no fim das contas, afrofuturismo não seja sobre um futuro possível, mas um futuro que já é nosso.

Vá além:

Texto original publicado no Ponto Eletrônico: http://bit.ly/2wbSqZ3

Afronauts: https://vimeo.com/64121336

"O futuro é negro: o passado e o presente também": http://bit.ly/2wNPvrt

Top 10 Afrofuturismo: http://bit.ly/2xzv3rF

Marcio Black

Cientista político, produtor cultural, integrante da Bancada Ativista e mobilizador da Minha Sampa.

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Marcio Black
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Marcio Black é cientista político, produtor cultural, mobilizador na Minha Sampa. Em 2016 foi candidato para vereador como integrante da Bancada Ativista.