Imagem por Stefan Cosma

Entendendo a relação entre atenção e prevenção de erros em interfaces

Gabriel Colombo
Minuto Frontend
6 min readApr 9, 2019

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Imagine a seguinte situação:

"Mais um dia normal de trabalho até que o telefone toca. Do outro lado da linha, um usuário furioso, reclamando que apagou um registro que não deveria ser apagado e agora seu mundo está prestes a acabar.

Você interrompe o que está fazendo para pensar em uma solução e percebe que antes de apagar qualquer registro na aplicação, o usuário deve confirmar se realmente quer realizar aquela operação.

Como é possível que ele tenha apagado esse registro, se existem mecanismos para prevenir esse tipo de erro?"

É muito comum nos depararmos com esse tipo de situação e, na maioria das vezes, a desculpa é de que "o usuário não se atentou em ler a mensagem antes de confirmar a operação, então não há nada que possa ser feito".

Mas será mesmo que a mensagem passou despercebida? Existem vários pontos a serem considerados que podem ajudar a prevenir esse tipo de situação.

Vamos explorar esse assunto mais a fundo.

Uma breve introdução à cognição

Antes de abordarmos possíveis melhorias para o exemplo acima, é preciso entender como a mente humana processa as informações.

De maneira simplória, cognição são os processos mentais realizados para compreender informações e obter conhecimento através de pensamentos, lembranças, tomada de decisão e solução de problemas.

Esses processos possuem certas limitações — as quais podem afetar nossa performance ao interagir com interfaces. Eles são descritos de acordo com dois conceitos: Cognição consciente e subconsciente.

Consciente vs Subconsciente

Cognição consciente ou voluntária são processos mentais que ocorrem quando o objeto está em seu ponto de atenção. Tais processos entram em ação ao abordar situações novas ou inesperadas e duram apenas alguns segundos.

Quando se está focado em completar uma tarefa ou atingir um determinado resultado, certos processos mentais são realizados de maneira voluntária e podem ser facilmente interrompidos devido a eventos inesperados, como o toque do celular.

Já aconteceu com você olhar para algo que estava bem na sua frente, mas sem perceber que estava ali?

Isso acontece devido ao fato de que o lado consciente só consegue lidar com uma tarefa por vez. Mesmo que o objeto esteja em seu campo de visão, a mente desconhece sua existência — já que o mesmo não está no seu ponto de atenção — mas sim no subconsciente.

Cognição subconsciente são os processos mentais que você não percebe que estão sendo realizados. Eles são formados através de repetição e familiaridade, o que nos permite realizar múltiplas tarefas simultaneamente, como dirigir e conversar.

A consequência de realizar múltiplas tarefas simultaneamente é a degradação da performance em cada tarefa, já que cada uma delas compete pela sua atenção.

No exemplo sobre dirigir e conversar, ao menos uma tarefa sai perdendo. Ou não prestamos atenção ao volante, ou não prestamos atenção na conversa.

Para compensar a perda de performance nas tarefas e aumentar a eficiência dos processos, tarefas frequentes realizadas pelo subconsciente são agrupadas em uma sequência, que passa a ser interpretada pela mente como uma única tarefa.

Por exemplo, você já errou o caminho de algum lugar devido à "força do hábito", como ir para o trabalho ao invés do supermercado, mas só perceber quando estava quase chegando? Esse é o motivo.

O ato de dirigir e a periodicidade do trajeto foram agrupados em uma única tarefa pelo subconsciente, o que fez com que pegasse a avenida para o trabalho ao invés do supermercado.

Esse tipo de cognição pode perdurar por décadas, acumulando conhecimento e memórias conforme interagimos com o mundo ao nosso redor.

Transferência cognitiva

Você já teve a sensação de estar com uma palavra na ponta da língua, porém não conseguir lembrar?

Esse é um ótimo exemplo de transferência cognitiva. Você tem o nome armazenado em seu subconsciente, porém não consegue trazê-lo para o lado consciente. Esse tipo de situação ocorre devido ao fato de nós humanos não termos controle sobre o nosso subconsciente.

Quando o lado consciente é estimulado, ele cria uma "percepção" que é gradativamente transferida para o lado subconsciente.

Cada tipo de estímulo leva um tempo diferente para ser transferido. Estímulos visuais decaem entre 90 e 1000 milissegundos, enquanto estímulos auditivos decaem entre 900 e 3500 milissegundos.

Conforme o estímulo é transferido para o lado subconsciente, não é possível recriar a sensação de maneira tão vívida quanto a do momento em que ele ocorreu.

Após a transferência para o subconsciente, algumas percepções se tornam memórias, porém a maioria delas se perdem. Devido a essa condição, não é seguro afirmar que o usuário irá se lembrar de uma mensagem exibida a cinco segundos atrás.

Outro exemplo corriqueiro de transferência cognitiva é aprender a dirigir. No começo todos os detalhes são processados de maneira consciente, como trocar as marchas e acelerar enquanto presta atenção no trânsito. É difícil prestar atenção em cada tarefa, porém com mais tempo de prática os detalhes passam a ser gerenciados pelo lado subconsciente, realizando as tarefas repetitivas em "piloto automático", o que faz com que o ato de dirigir se torne mais simples.

Seres de (maus) hábitos

Humanos possuem hábitos. Conforme mais controle sobre as tarefas diárias é delegado para o lado subconsciente, hábitos passam a ser criados (incluindo maus hábitos). Isso pode refletir na maneira como interagimos com interfaces.

Um exemplo comum são interfaces que requisitam informações antes de realizar uma tarefa. Após um tempo de uso, os usuários passam a fornecer respostas insignificantes para agilizar o processo.

Até profissionais de tecnologia passam por isso. Desenvolvedores, por exemplo, criam muitos hábitos devido a tarefas repetitivas, como limpar a tela após executar certos comandos.

Outro exemplo desse comportamento é baseado em uma das heurísticas de Jakob Nielsen — flexibilidade e eficiência de utilização.

É importante que a plataforma se adapte ao nível em que o usuário está. A partir do momento em que um usuário não é mais iniciante, é importante que existam alguns atalhos para acelerar a interação dele com a ferramenta, de modo que o sistema possa atender a usuários inexperientes e experientes.

Aceleradores — como atalhos de teclado — devem ser tratados cuidadosamente. Em aspectos tecnológicos, aceleradores podem ser influenciados pelo estado atual do sistema, tendo comportamentos diferentes de acordo com o modo da aplicação. Já no aspecto cognitivo, o usuário pode conter hábitos provenientes de outros sistemas e aplicações.

Por exemplo, diferentes editores de texto podem conter o mesmo atalho atrelados a comportamentos diferentes, ocasionando deficiências em sua utilização.

Hábitos são difíceis de mudar. Mesmo prestando muita atenção, eventualmente o mesmo erro será cometido.

Uma abordagem interessante para prevenir esse tipo de problema é forçar com que o usuário realize uma tarefa de maneira consciente antes de realizar uma ação importante. Captchas são um exemplo muito popular hoje em dia.

O GitHub possui uma maneira simples porém eficiente de prevenir alguns erros. Ao apagar um repositório, o usuário deve informar o nome do mesmo antes de confirmar a ação, fazendo com que o foco passe do lado subconsciente para o lado consciente.

Conclusão

Seres humanos aprendem com o tempo. Aproveite os recursos disponíveis na plataforma em que está interagindo e tente reduzir a chance de erros.

Alguns pontos para levar em consideração quando estiver planejando soluções para prevenção de erros:

  • Se uma ação não deve ser realizada, torne-a impossível de ser realizada.
  • Limite o número de opções disponíveis.
  • Tente capturar a atenção do usuário ao realizar determinadas ações.
  • Mantenha visível conteúdos importantes até que não sejam mais necessários ou force o usuário a realizar a ação desejada de maneira imediata.
  • Permita que os usuários possam desfazer sua última ação caso tenham cometido um erro.

That’s all folks! Espero que tenham gostado!

Fique à vontade para entrar em contato comigo no twitter — @gcolombo_.

Obrigado!

Referências

The Humane Interface: New Directions for Designing Interactive Systems por Jef Raskin

Hooked: How to Build Habit-Forming Products por Nir Eyal

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Gabriel Colombo
Minuto Frontend

Front-end Developer - Writing about UX, Psychology & Web Development. Find me @gcolombo_