A Taxa de Lucro nos Estados Unidos Antes da COVID-19

Sarah Carmesim
Miséria da Razão
Published in
6 min readOct 24, 2020

Todo ano, eu observo as medidas da taxa de lucro nos EUA. Dados oficiais da economia Estadounidense estão agora disponíveis para atualizarmos os dados de 2019.

Aqueles que me leem em meu blog ou outros jornais sabem que prefiro medir a taxa de lucro observando a mais valia absoluta de uma economia versus o capital privado aplicado na produção; para ser o mais próximo possível da fórmula original de Marx s/C+v. Para termos o que chamo de medida de ‘economia inteiriça’, baseado na renda nacional total (menos depreciada) em relação a mais valia; ativos fixos privados não residenciais líquidos para capital constante; e adição na remuneração de empregados para capital variável. Isso é o que pode ser chamado taxa de lucro geral ou bruta. A taxa de lucro será menor se observarmos o setor corporativo financeiro e nçao-financeiro, antes ou depois da cobrança de impostos, etc.

A maioria das medidas Marxistas excluem quaisquer medidas de capital variável na base de que ‘compensação empregatícia’ (salários mais benefícios) não é um estoque de capital investido mas um fluxo de capital circulante, portanto não pode ser medido facilmente apenas com os dados disponíveis. Eu não concordo com tal restrição e em parceria com G. Carchedi, escrevi um trabalho conjunto não publicado sobre o assunto.¹

E mesmo assim, dado que o valor de capital fixo constante comparado ao valor de capital variável é uma grandeza na ordem de cinco ou oito vezes maior (dependendo das medidas), a adição de uma medida de capital variável ao denominador não muda as tendências e reviravoltas da taxa de lucro de maneira significativa (embora alterem o nível absoluto). Isso também se aplica ao resto do capital circulante ex: inventários (o estoque de produtos intermediários ou não produzidos), ou ‘capital trabalhante’. Esses fatores podem e devem ser considerados capital circulante como denominador da taxa de lucro, mas eu não o fiz pois os resultados seriam um pouco diferentes.

Em contraste, Brian Green realizou um grande trabalho medindo capital circulante e sua taxa de retorno para a economia dos Estados Unidos com objetivo de incorporá-la a medida da taxa de lucro. Ele considera isso vital para estabelecer uma verdadeira taxa de lucro e indicador de recessões futuras. Pode-se considerar a utilidade do trabalho de Green por você si próprio. Tudo que eu tenho a dizer é que adicionar capital circulante à ativos fixos no denominador para a taxa de lucro não faz diferença no resultado final.²

Enfim, em minha medida de ‘economia inteiriça’, a taxa de lucro dos EUA desde 1946 até 2019 se apresenta no seguinte gráfico:

Neste gráfico, eu inclui as medidas históricas (H) e atuais (A) de maneira comparativa. As duas medidas são extremamente diferentes nos anos 60 e nos anos 90 em diante. Tais diferenças se dão por conta da inflação. Se a inflação é alta, assim como foi nos anos 60 e final dos 80, então a divergência entre a medida H e A será maior. Quando a inflação cai, a diferença entre H e A serão menores. Entre 1956 e 1982, a taxa de lucro dos Estados Unidos caiu 20% na medida H e 35% na medida A. E no período de 1982 até 1997, a taxa de lucro subiu apenas 9% na medida H, mas subiu 29% na medida A. mas por todo o período pós-guerra até 2019, houve uma queda secular de 31% da taxa de lucro tanto na medida H quanto na medida A.

De qualquer forma, os dados confirmam a explicação de Marx acerca das tendências do lucro. De acordo com Marx, mudanças em lucratividade dependem de dois movimentos de duas categorias marxianas do processo de acumulação: a composição orgânica do capital (C/v) e a taxa da mais valia (expropriação) (s/v). Desde 1946 houve um aumento de 60% da composição orgânica do capital (medida H), enquanto o “fator contra atuante” na lei de Marx sobre a tendência de queda da taxa de lucro, a média de mais valia, caiu quase 10%. Portanto a taxa de lucro caiu 31%.

Em contrapartida, no chamado período “neo-liberal” de 1982 a 1997, a taxa de lucro aumentou 16%, mais do que a composição orgânica do capital (11%). Desde 1997, a taxa de lucro Estadunidense caiu cerca de 6%, pois a composição orgânica do capital aumentou em quase 17%, desbancando a taxa de aumento da taxa de mais valia (3%).

Um dos resultados estimulantes dos dados levantados é perceber que cada recessão econômica nos EUA foi precedida por uma queda da taxa de lucro e então pela queda da massa de lucro. Tudo que se esperaria da lei de lucratividade de Marx.

Eu já argumentei no passado que a lucratividade do capital é a chave para compreender se a economia capitalista está em um estado saudável ou não. Se a lucratividade cai com persistência e constância, a massa de lucro eventualmente despenca, acionando um colapso no investimento e uma queda brusca da economia.

Em 2019, de acordo com minhas medidas, a média de lucratividade nos EUA caiu em comparação com 2018. A lucratividade em 2019 é agora de 5–9% abaixo do pico do pós Grande Recessão de 2014 e 10% abaixo do período anterior à crise do subprime de 2008. Ademais, a massa de lucro caiu 3% em 2019. De fato, o período de 2014 até 2019 é agora o maior período de contração da lucratividade dos EUA desde 1946. Isso sugere que a economia dos EUA já estava em caminhos de queda em 2020 antes mesmo da pandemia do COVID-19.

Em Setembro de 2020, agora sabemos que todas as economias de peso no mundo (com exceção moderada da China) irão sofrer as maiores contrações reais do PIB no pós-guerra. Mas como isso irá afetar a taxa de lucro em 2020? Assumindo-se uma queda de 7% do PIB real dos EUA, eu calculo que podemos esperar uma queda de 25% da taxa de lucro. No meu primeiro gráfico eu incluí tais números em minhas previsões para 2020. Se eu estiver correto, a taxa de lucro dos EUA irá atingir uma queda recorde no período pós-guerra.

Isso, obviamente, em uma medida de toda a economia. Se considerarmos o setor corporativo não financeiro, um setor laranja do setor produtivo da economia, então a taxa de lucro poderia cair para 3% baseando-se nos dados disponibilizados pelo Federal Reserve — o menor índice desde que os registros do FED se tornaram públicos.

Por Michael Roberts. Publicado Originalmente em The Next Recession, 13 de Setembro de 2020.

[1] ROBERTS, Michael e CARCHEDI, Guglielmo. Measuring Variable Capital and Turnover for the Rate of Profit. Disponível em: <https://thenextrecession.files.wordpress.com/2015/12/measuring-variable-capital-and-turnover-for-the-rate-of-profit.pdf>. Acesso em: Set. 2020.

[2] GREEN, Brian. UPDATED ASSET TABLES, VERIFYING THE RATE OF PROFIT. Why fixed plus circulating capital provides the best estimate. Disponível em: <https://theplanningmotivedotcom.files.wordpress.com/2020/09/changes-in-turnover-vs-changes-in-capacity-utilisation.2.pdf>. Acesso em: Set. 2020.

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