Sobre as recentes eleições

Sarah Carmesim
Miséria da Razão
Published in
7 min readNov 6, 2022

Uma semana atrás, no dia 30 de Outubro, terminou-se o único processo político pelo qual vive a esquerda brasileira, as eleições nacionais. Claro, o leitor já sabe disso, portanto vê-se desnecessário explicar. Esta se trata de uma análise dos eventos ocorridos na última semana que se seguiram após a celebração das quatro liberdades.

I

Do ponto de vista esquerdo da política, focaremos principalmente no único vencedor relativo das eleições deste lado: a centro-esquerda social-democrata Petista e seus apêndices (REDE-PSoL, o falecido PCdoB, PSB, etc). Certamente o senso de completo otimismo tomou conta desse setor, facilmente humorado por qualquer micro vitória nos anos que se sucederam o golpe legislativo de 2016, a vitória nas urnas configuram, portanto, a maior vitória da social democracia desde as eleições de 2014 (observa-se um padrão aí), de maneira bem irritante é declarado derrotado o fascismo (pra ser justa, os petistas consideram derrotado o fascismo no poder do estado executivo, agora precisamos apenas limpar os remanescentes, igualmente ignorante mas importante apresentar a imbecilidade de maneira honesta). Confirmando que as eleições nunca foram realmente sobre o programa que a centro-esquerda possuía para o Brasil, embora a campanha petista tinha muito a dizer sobre combater as fake news criadas por adversários, onde o PT supostamente daria direitos civis para pessoas LGBT (essas só são mencionadas duas vezes no programa, apenas servindo para a masturbação civilizatória petista), assegurar direitos trabalhistas, aumento relevante do salário mínimo, fortalecimento de sindicatos, reversão da reforma trabalhista, legalização da Cannabis, etc. Pois acalmem-se, os viadinhos não terão um centímetro de direito sem precisarem implorar!

Comum para todas as frente únicas na História do movimento, o único ponto principal que a justifica é a lógica infantiloide e imbecil do inimigo em comum, pior ainda, justifica a aliança com antigos membros do governo Bolsonaro para derrotar o governo Bolsonaro, ou nomear a semente do neo-neo-fascismo brasileiro para a vice-presidência. O pacto civilizatório antifascista se valida e auto legitima pela demagogia vazia da derrota de todo o mal. Cada movimento e cada escolha questionável se justificam, pois nada pode ser pior que o neoliberalismo cru do governo Bolsonaro. Todos os erros de administrações petistas se repetem pelo simples fato do Partido dos Trabalhadores não considerar suas jogadas políticas erros, e como Marx dizia, a Montanha se esmaga com o próprio peso.

A centro-esquerda já virou, por exemplo, defensora do teto de gastos, talvez seja melhor que a PEC 241 fique para que não cometamos rombos fiscais como o deixado pelo governo Bolsonaro.

Não bastou uma semana para a sempre tão patética esquerda autointitulada radical indignar-se de maneira tímida e sem voz em relação a suposta lista de ministros do futuro governo, os nomes de sempre: Kátia Abreu, Simone Tebet e Henrique Meirelles, entre outros velhos conhecidos. Nomes que já sabiam-se serem merecedores de pastas ministeriais em recompensa por fidelidade após suas presenças nos inúmeros comícios de Lula antes do segundo turno, onde a única novidade foi a confirmação da morte do Partido Socialismo e Liberdade, algo que não era nem tão novo assim.

E apesar de nenhuma novidade, a esquerda radical finge que estava inconsciente das alianças políticas de Lula pois preferiu, imediatamente, submeter-se a totalidade hegemônica do Partido dos Trabalhadores e ignorar o pacto antifascista neoliberal que se firmaria à olho nu, “pelo menos não caímos no ultraesquerdismo do anti eleitoralismo!”, dirão, enquanto a polícia militar de Tarcísio desmonta mais uma ocupação do MTST com financiamento do governo federal, onde na transição senta-se aquele que há longa data dedicou-se em transformar a Polícia Militar de seu estado em uma máquina de matar sem teto.

A centro-esquerda, nem em posse real do governo federal, já se prostra placidamente sob os pés da institucionalidade, legalidade e da santíssima e pura virgindade da constituição (odeie os inteligentes, mas principalmente aqueles que explicam o art. 142°). Tão cedo a esquerda institucional (já podemos chamá-la assim) já se empenha na árdua tarefa de desmobilizar qualquer movimentação dos trabalhadores, do lado mais radical da social-democracia, o MST e o MTST já são colocados na linha por sua agitação na urgência de demonstrar força ante as manifestações golpistas da direita que ainda se agarram ao presidente que chora pelos cantos da Alvorada, em possível greve de fome. A esquerda marxista esperneia enquanto é criticada por tentarem organizar protestos em escala nacional contra o governo Bolsonaro, que, pasmem, ainda não acabou. Certamente tratam-se de atos pela defesa do voto e da democracia (para reforçar que não somos ultraesquerdistas!), mas esta questão é digna de uma análise mais profundada sobre o assunto.

O PT reafirma a confiança da social-democracia no aparato estatal burguês que tanto sentiu falta, este que nem uma semana atrás engajava em supressão e intimidação de eleitores, compra de votos e manipulação de mídia para que Lula não fosse eleito. Tristemente, este serão os temas gerais do governo petista nos próximos 4 anos, desmobilização popular, neoliberalismo e coalizão com o antigo governo Bolsonaro. Claro, temperado com revanchismo direcionado ao futuro ex-presidente, que terá sua reputação destruída. Isto, entretanto, não é uma previsão, apenas uma ideia baseada no passado, torcemos para que seja diferente, que ainda assim será ruim, mas diferente.

II

Do lado destro, algo um pouco mais interessante que o mesmo entediante debate da enfadonha esquerda brasileira. Do ponto de vista superficial, a direita já capitulou ao resultado eleitoral, claro, eles foram os grandes vencedores no congresso e nos governos. Bolsonaro, o presidente, sendo a única exceção, ainda não reconheceu sua derrota, mas isso é irrelevante pois ele não irá, seu governo já o fez através de seus representantes e o nome responsável pelas conversas de transição já foram escolhidos, o democrata Ciro Nogueira.

Na verdade, a derrota presidencial de Bolsonaro abre grandes oportunidades para o oportunismo de direita até pelo menos 2024, ano das próximas eleições, a direita irá abaixar a cabeça e jogar dentro das linhas constitucionais, o governo federal nada irá fazer pra reter seus abusos em escala estadual, sejamos honestos. Lutará internamente para quem será o novo nome a substituir Bolsonaro e tornar-se a nova cara do Fascismo brasileiro, as opções estão aí e são inúmeras: de Sérgio Moro a Tarcísio de Freitas, de Eduardo Bolsonaro a Romeu Zema. Mais rápido que em 2014, acatou ao resultado das eleições de maneira quase imediata, todos os golpistas de Bolsonaro, até os evangélicos com suas igrejas financiadas pela CIA, tornaram-se democratas. A direita entendeu portanto que a institucionalidade está em suas mãos, não há nada a temer, o projeto burguês para o capitalismo tem toda a História pela frente e não depende apenas de um idoso de quase 80 anos. A flexibilidade pelo qual o fascismo muda de cara demonstra isso: PSDB (2012–2017), PSL (2017–2019), Aliança pelo Brasil (2019–2020 [sendo bem gentil]) e finalmente o atual PL, que tão imediatamente varreu o PSL da câmara dos deputados e continuou a execução sumária do PSDB, que definha desde 2018.

Nos últimos quatro anos, qualquer um que se desalinha-se do pelotão bolsonarista, eram completamente execrados e excluídos, de forma clássica fascista: Joice Hasselmann e Alexandre Frota falharam no congresso, Janaína Paschoal falhou no Senado e até Fernando Holiday, falhou em seja lá o que ele estava tentando, apesar destes nomes em 2018 e 2020 figurarem nas listas de deputados com maior número de votos. Sérgio Moro, que por quase dois anos tentou dissociar-se do governo, voltou aos braços de Bolsonaro de maneira tão patética e subserviente para que pudesse colocar as patas no Senado.

Não se engane quanto ao fim da figura de Bolsonaro, alguns mais fiéis ao presidente, a maior parte fora do governo e da política partidária, habitantes do Facebook e do WhatsApp, permanecem na tentativa de segurar o terreno que agora se desmancha aos seus pés. Já planejados antes dos resultados do segundo turno, bloqueios em estradas acontecem por todo Brasil, gritam pelas forças armadas, a narrativa de sempre, o mesmo discurso vazio. Bolsonaro, após não necessariamente reconhecer derrota e dar uma desculpa patética para pedido de desmobilização, tenta mostrar ainda sua força de mobilização da direita militante, o tempo dirá quanto essa força ainda irá permanecer, ao que tudo indica ela permanece, mas ainda assim se pudermos acreditar nos grupos públicos, parece levemente minguante, não podemos, todavia, subestimar. O presidente se prepara para provar que não perdeu relevância nos meses que se aproximam.

A captura gravitacional da direita em torno de Bolsonaro não irá desvanecer da noite pro dia, isto irá depender dos processos legais e das denúncias de corrupção, que certamente irão aparecer nos próximos meses com sua perda de foro privilegiado pela primeira vez em 30 anos, todos seus atuais capachos se deliciam com a promessa de futuro vácuo na hierarquia patriarcal da direita fascista, os cachorros não irão poupar tempo em brigar por tão delicioso prêmio, todos aceitam a ordem petista dos próximos meses, pois se trata de uma leve pausa de reorganização para a ordem fascista. O que acontece agora é o recuo estratégico da direita do discurso golpista a céu aberto (irão continuar financiando manifestações suspeitamente bem estruturadas por todo Brasil enquanto se apressam em apertar a mão de Alckmin), para que possa efetivamente reorganizar forças e partir para o contra ataque. Nada o presidente pode fazer se uma imensa campanha contra sua imagem começar, a direita certamente não irá colocar-se em sua defesa, não o fez por Aécio, não o fez por Eduardo Cunha, não irá fazer por Bolsonaro, o discurso anticorrupção da direita fascista é mais forte que ele.

A cobra abandona a pele, não implora para que colem seu tecido epitelial perdido de volta ao corpo.

Talvez, essa seja a vantagem da direita fascista quando comparada ao oportunismo da centro-esquerda brasileira, toda sua configuração partidária e organizativa pode mudar tão rápido quanto um ciclo eleitoral, enquanto a esquerda ainda depende de Lula para manter sua base de poder. Desta maneira, tudo que o Fascismo precisa fazer é esperar que Lula morra.

Sarah d’Avila.

Miséria da Razão,

São Paulo, 6 de Outubro de 2022.

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