Reino de Deus e Mandato Cultural.

Gabriel Felipe
Mitocôndria
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4 min readSep 30, 2016

Por uma fé desideologizada

Uma teocracia nacional, terrena e político-religiosa não é o reino de Deus. Tampouco uma força centrífuga que leva o homem do qual tem revelação do divino, para fora do meio. As lentes culturais, pragmáticas e humanistas levaram o homem a revelar o divino de modo autônomo e pessoal, esquecendo-se que o Reino é uma revelação do Filho. E esse reino tem seu início em Deus (MISSIO DEI). Que por um ato salvífico submete-se a experiência humana como Deus-Homem a fim de transformar a consciência do ser salvo por seu sacrifício em um integrante ou co-participante da missão. Isso mesmo, nesse reino a salvação não é um fim, contudo, o meio pelo qual Deus é revelado ao outro através de mim.

Caráter Político

É claro que essa promessa de Reino feita por Jesus tem caráter político, mas político relativo e não absoluto (Jo 18:36). A fé que se apropria dos dilemas humanos uma vez exercida, toma ação na luta por justiça social, mas baseando na certeza de que o homem não completará a obra da perfeição, pois esta é uma prerrogativa intrinsecamente divina. E é a partir desse ponto onde não há mais lugar para confusões entre o ideológico e o reino, quando se observa que o homem é participante e não protagonista das transformações no que corresponde a justiça, igualdade e misericórdia. Entender isso incorre em aceitar que sem a salvação (processo de revelação de uma nova mentalidade) o homem não lutará pelo benefício comum, mas pela ideia em si que o persuadiu. Sem o Deus onipotente, o homem trabalhará incansavelmente e Jamais verá a plena justiça exercida. Seja em uma sociedade progressista, comunista, positivista etc..

Caráter transcendente

O Reino de Deus tem também caráter transcendental. Crente na integralidade dos processos (redentivo e restaurador). O homem não tendo em si mesmo a capacidade de proporcionar ordem ao caos que há no cosmos, aguarda ansiosamente até que chegue o grande momento divino-apoteótico. (Rm 8:19–23)

A práxis do aspecto transcendente crê em uma restauração completa da ordem, na Teocracia e no estabelecimento do que chamamos de novos céus e nova terra. É essa convicção da Eternidade, do grande dia do SENHOR (Ap 21:04) que a igreja se ampara. Mas essa característica vindoura de eternidade quando é mal compreendida por aqueles que possuem uma fé ideologizada, acarreta em uma série de problemas relacionais que variam desde a sustentabilidade ambiental até as relações interpessoais.

Uma fé ideologizada não tem responsabilidade com a natureza que Deus deu ao homem para que fosse cuidada (Sl 8:4–8). Nem se envolve com os aspectos sociais e comunitários. Já disse Israel Belo de Azevedo: “Para a fé ideologizada, Deus é um ídolo, Cristo é um ídolo, a cruz é um ídolo, que não precisam ser compreendidos, mas adorados.” É um aspecto quase mercantilista de devoção em troca de salvação do fogo eterno.

Essa fé está relacionada a irresponsabilidade social e espiritual. Transferindo sua missão profética para o político e o ministro, em suas respectivas ocupações. Descrê na responsabilidade histórica de um legado e detêm se no aspecto espiritual do Reino dos céus. Esse é um reflexo de grande parte da Igreja evangélica brasileira. Quiça, você a verá trabalhando dentro das questões sociais, mas ao observar, certamente entenderá que é por uma intenção absolutamente proselitista, ambiciosa e objetivada na persuasão do indivíduo.

É uma árdua tarefa fazer com que essa fé seja desideologizada e redefinida, pois uma vez que enraizada, o homem passa a ser dominado pela iniquidade (presunção). O indivíduo então peca através da presunção de que está acertando. É um pecado de convicção erroneamente doutrinário que herda através do proselitismo que recebeu do último fiel (mentor). O ser em questão passa a crer no processo redentivo, mas individualiza a santidade, e desconsidera a igualdade de sua natureza com a dos demais integrantes da criação.

Além da compreensão errada de pecado e santidade, o indivíduo também erra nos definições de salvação, considerando que a mesma, é um processo exclusivo da alma, dando lugar ao dualismo e penetrando em uma dimensão de vida separada do mundo.

Diagnosticado tais problemas é preciso que além de uma autocrítica, NOS tornemos co-participantes dos conflitos sociais como quem crê que somos resposta de Deus para nossos irmãos. Isso implica crer que o ambiente a nossa volta é favorável para que a luz de Cristo brilhe através de nossas obras, e para que seja glorificado o Deus nosso pai.

Uma vez desideologizada a fé, veremos um Deus encarnado em Jesus Cristo, como redentor divino, mas humanamente responsivo as questões sociais, nele há resposta para nossos dilemas. Assim trabalharemos espiritualmente motivados sem a pretensão de um resultado humano, pois, o processo de Redenção e plenitude de Cristo como salvador da Humanidade começou com o Cristo Jesus, mas terminará em Jesus O CRISTO(Lê-se Jesus como Substantivo e Cristo como Adjetivo).

“ Pois NELE vivemos, nos movemos e existimos”

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Gabriel Felipe
Mitocôndria

Teologia, cultura e engajamento social. Produzida na baixada, consumida na rua.