Ao redor de muitos, me apontaram as cercas e os muros…

Raíssa Martins
Mitocôndria
Published in
4 min readOct 14, 2016

Vivemos tempos de intolerância. Tem dois, três, quatro ou mais lados em guerra. São tantos lados quantos posicionamentos forem possíveis. Perdemos a habilidade de coexistir e temos investido na criação de rótulos, afinal, é mais fácil afastar um diálogo por meio da estereotipação do que pela argumentação.

Fascistas! Comunistas! Coxinhas! Petralhas! Promíscuos! Intolerantes!

A criação de etiquetas para as pessoas me parece um mero artifício de retórica. Por isso, penso que as pessoas não acreditam realmente no que berram em meio às discussões. A questão é que, acreditando ou não, os rótulos promovem a inimizade e pouco persuadem.

Delimitando um pouco a discussão, questiono: como os cristãos têm se relacionado com os rótulos? Quanto a nós, acredito que também tenhamos dado a nossa contribuição para a criação e manutenção de estereótipos. Assim, temos algo problemático, visto que não fomos chamados a rotular, mas a amar o próximo, a ser sal da terra.

A época de Cristo não foi um período livre de estereótipos, e, por isso, a reação dele diante dos rótulos pode nos ensinar a respeito do que significa ser sal da terra nesse contexto.

Publicano! Adúltera! Bandido! Fariseu!

Mateus era cobrador de impostos, figura odiada pelos judeus. A posição dos judeus pode ser explicada pelo fato de que muitos cobradores eram desonestos e oneravam o povo além do necessário. Além disso, os valores dos tributos recolhidos eram destinados aos romanos, que subjugavam o povo de Israel.

Odiado pelo povo, Mateus foi amado por Cristo. “Saindo, viu Jesus um homem chamado Mateus, sentado na coletoria, e disse-lhe: “Segue-me!”. Ele se levantou e o seguiu” (Mateus 9:9). Jesus não gritou, não rotulou, não desprezou o cobrador de impostos diante de todos. Pelo contrário, chamou-o para perto e sentou à mesa junto com ele e outros publicanos e pecadores e, assim, as boas novas continuaram a se propagar. Quando questionado, Cristo não se envergonhou de suas companhias e, sem titubear, disse: “Não necessitam de médico os sãos, mas, sim, os doentes” (Mateus 9:12).

Os samaritanos eram vistos como um povo impuro, uma espécie de mistura de judeus e gentios. Em certa ocasião, Jesus, ao passar pela Samaria, foi ao encontro de uma mulher daquele local e, a despeito de toda a visão que recaía sobre os samaritanos, revelou-se a ela como o Messias.

“Ela é a primeira pessoa a quem Jesus se revela como Messias. Isso não é interessante? Jesus não escolhe compartilhar essa informação com um político ou um rei, mas com uma mulher samaritana à beira de um poço”. (Jefferson Bethke)

Depois disso, a mulher samaritana saiu a falar para todos acerca do seu encontro com Jesus e as boas novas continuaram a se propagar.

No momento da crucificação, Cristo estava acompanhado por dois bandidos. Um deles, zombava. O outro chegou a repreender o zombador, reconheceu a própria culpa, afirmou a inocência de Cristo e pediu: “Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino” (Lucas 23:42). Jesus não titubeou e logo respondeu: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso” (Lucas 23:43). Uma conversão improvável! Muitos creram em Jesus após presenciarem milagres extraordinários e demonstrações de grande poder. O malfeitor crucificado viu Cristo sendo alvo de zombaria e de todo tipo de violência, sem revidar, mesmo sendo Deus. E, nesse contexto, creu. Quem estava destinado para a morte, pela lei da época, recebeu a vida eterna através do amor de Cristo!

Paulo era um religioso, um fariseu, e foi um dos mais implacáveis perseguidores dos cristãos. Não à toa se identificou como o pior dos pecadores (1 Timóteo 1:15). Tudo mudou quando teve um encontro com Cristo. Quem antes odiava, passou a amar a Jesus como poucos. De perseguidor, a perseguido, açoitado, apedrejado, morto. Aquele que se opunha ao Evangelho tornou-se um de seus maiores propagadores.

Existiam muros ao redor de Mateus, da mulher samaritana, do malfeitor que se arrependeu e de Paulo. Jesus saltou cada muro e levou perdão e esperança, independentemente de merecimento. Ele nos mostrou que ser sal da terra implica em estar entre os pecadores e ser instrumento de transformação de vidas. O que tem nos impedido? Muitos judeus tropeçaram no seu senso de justiça. Talvez, este seja um de nossos problemas também. Precisamos nos recordar de onde Jesus nos resgatou para que tenhamos compaixão dos que ainda estão perdidos.

Observação: o título do texto é um trecho de uma música de Palavrantiga chamada “Sobre o mesmo chão” (Ouça aqui). Nela, a solução trazida pelo compositor para sua relação com aqueles que lhe foram apresentados como cercados por cercas e muros foi buscar o caminho. A Palavra nos diz que Jesus é o caminho. E o caminho nos deixou como mandamento o amor ao próximo. Por isso, saltamos cercas e muros.

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