Existe um “Jeito Certo” de Jogar RPG?

Jairo B. Filho
Mitos dos RPGs
Published in
3 min readMar 25, 2023

Tenho certeza que, só pela leitura do título deste texto, você vai mentalizar a seguinte resposta: “não existe. RPG é um jogo livre, onde a imaginação é o limite… blá-blá-blá”.

Embora eu já esteja cansado deste tipo de “argumento” (acredite: essa opinião é muito mais comum que você imagina), quero discorrer sobre o tema começando justamente por essa (possível) reflexão sua.

Em primeiro lugar: não existe um “jogo livre”; ser “livre” é algo muito diferente de “fazer o que quiser” — e a grande maioria dos “RPGistas de carteirada” confunde as duas coisas.
É algo muito parecido com a sua própria vida, na real: você pode fazer o que quiser, desde que:
1. Você saiba que toda ação possui consequências, diretas ou indiretas;
2. Você pode optar entre assumir as consequências, ou jogar elas para outras pessoas (por mais imoral ou questionável que isso seja);
3. Você precisa saber que “fazer o que quiser” pode causar o desagrado de muita gente à sua volta.

Essas mesmas coisas podem acontecer numa mesa de RPG — ainda pior: provavelmente potencializadas por se tratar de uma construção coletiva. Para você estragar o clima de uma mesa apenas para manter o “direito de ser egoísta” é algo bastaaaaante fácil.
Dito isso, vou colocar dois eixos pelos quais é possível jogar RPG do jeito certo, para garantir que a mesa seja bem desfrutada por todo mundo. E vou começar pelo mais óbvio deles.

As Regras do Jogo

Novamente, já consigo ouvir daqui um (possível) pensamento seu: “Ain, mas as regras engessam o roleplay”…
Isso não faz o menor sentido porque, num RPG, suas regras foram feitas para facilitar a atuação (fornecendo um escopo de ações, reações e movimentos proporcional à experiência proposta por ele). Ao fazer tal afirmação, parece muito mais um desencontro de suas expectativas com as do jogo — algo bastante similar ao movimento terraplanista, numa comparação prática.

Você precisa entender que, ao ler um jogo de RPG, vai existir uma premissa para fundamentá-lo: sua experiência. Suas regras vão delimitar todas as expectativas que o mesmo entrega aos seus jogadores, de modo bastante similar à física num jogo digital (e ao nosso próprio mundo, também).

Elas vão sugerir o que pode ou não ser feito dentro da narrativa, com base nas suas expectativas iniciais. Logo, para melhor degustar o que o jogo tem a oferecer (sua premissa central, e a forma como ela é trabalhada por suas mecânicas), o jeito certo é jogá-lo da forma como foi concebido, publicado e compartilhado.

Ain, mas e se eu não gostar de alguma regra que encontrei no jogo?
Isso também foi previsto pelo(s) autor(es) do jogo em questão, e isso está tudo bem. Mas você não pode apenas julgar “o livro pela sua capa” (ou melhor, uma regra pela sua simples leitura): busque experimentá-la em ação, para entender seu funcionamento e suas consequências dentro do jogo.
Se algo lhe desagradar, cabe a você o direito de tentar traduzir a mesma premissa num hack do jogo em questão, com alguma ou outra regra que melhor se adapte às suas pretensões e expectativas.
Inclusive, aproveito este ensejo para convidar a experimentar jogos diferentes com uma premissa em comum, para complementar ainda mais a experiência e suas próprias expectativas.

Ain, mas interpretação independe do sistema…
Bem, você também pode fixar um prego na parede dando cabeçadas nele — mas, convenhamos: com um martelo, seria muito mais fácil, certo?
O mesmo vale para um RPG: você pode ir contra o jogo e criar uma narrativa — mas fazê-lo com suas regras e abraçando sua premissa tende a ser uma tarefa mais fácil, e também divertida.

Agora, vamos para o segundo eixo (ao meu ver, o mais simples dos dois)…

O Contrato Social

A resposta curta: não fazer esse tipo de coisa com seus jogadores/jogadoras/jogadorus.

Um agradecimento à página @matilhadakombi (no Instagram) por partilhar esse momento de pura ignorância e desapontamento, vindo de uma mesa de Lobisomem: o Apocalipse.

Não entendeu?
Então, aqui está a resposta um pouco mais ampla:

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Jairo B. Filho
Mitos dos RPGs

Game Designer independente, fundador do selo Jogos à Lá Carte e entusiasta de pesquisas e boas conversas.