“Por Que Você Joga RPG?”

Jairo B. Filho
Mitos dos RPGs
Published in
5 min readJan 24, 2021

Quando comecei a me envolver com a cena de jogos independentes que despontava nas redes sociais (e alguns eventos bastante pontuais), lá pelos idos de 2013, passei a acompanhar de perto muitas discussões a respeito, nos mais variados grupos e mesas de discussão internet afora.

Nessa jornada, acabei me deparando com diversos “paradigmas” e “posicionamentos” repetidos dentro do hobby — e isso já me levou a diversas discussões (vazias, na grande maioria das vezes) sobre um ou outro mito. Alguns desses, eu admito, já defendi num passado distante, onde meu contato com o jogo era bem raso (em relação com o que tenho hoje).

Depois de muito ponderar a respeito, resolvi compartilhar minhas opiniões por este espaço, no intuito de lhes oferecer uma reflexão sobre tais “mitos” que circundam o RPG.

A Pesquisa

Para isto, resolvi sair um pouco do meu próprio quintal; elaborei uma pesquisa bastante simples (e direta) — e suas respostas acabaram revelando boa parte dos mitos e paradigmas associados ao “jogar RPG”.

Tratava-se de uma enquete virtual, que contou com a participação de 58 pessoas (entre jogadores, entusiastas e ditos “influenciadores” na cena nacional) para responder à singela pergunta que serve de título a este artigo.

Antes que você possa refletir no quão capciosa foi essa pergunta, caro leitor, saiba que isso foi premeditado. Uma pergunta simples, para atrair respostas imediatas, numa tentativa de provocar uma “associação livre” nos participantes. Algo para saciar minha curiosidade sobre as crenças de cada participante, apresentadas de modo anônimo e (como eu esperava) bem difuso em alguns pontos.

Com base nesses “pontos em comum”, vou começar a escrever alguns devaneios e reflexões acerca disso, de modo despropositado. Não tenho aqui a pretensão de “ressignificar o jogo”, ou de discutir o “sexo dos anjos” — em vez disso, vou partilhar impressões que, penso eu, podem provocar outras reflexões em você. Numa tentativa descompromissada de tornar a sua relação com jogos mais pragmática, e talvez mais proveitosa.

E dou início a este movimento pelo que parece ser um consenso (e, ao mesmo tempo, um tabu) entre os participantes da enquete: o RPG enquanto escapismo.

A Traição das Imagens

Antes de prosseguir com o assunto, quero mostrar algo a você, leitor. E quero contar também com a sua participação, respondendo mentalmente a seguinte pergunta: O que você está vendo abaixo?

Se a resposta foi “um cachimbo”, saiba que você também acabou traído…

Nesta obra, o pintor surrealista René Magritte (1898–1967) tinha como objetivo confundir os sentidos e a interpretação de seus espectadores. E isso está bem explícito na frase (em francês) “Isto não é um Cachimbo”.
A questão, aqui, é a confusão natural que as pessoas fazem entre objeto e forma: ao dizer que a imagem é um cachimbo, você ignora o fato de ver a imagem de um cachimbo. Vê o objeto quando devia ver a forma.

Penso que o mesmo acontece na relação entre os RPGs e grande parte de seus jogadores; muitos atribuem ao hobby uma forma particular, pessoal e (potencialmente) nostálgica, que muitas vezes diverge do que o jogo se propõe a fazer. É a romantização de um jogo que, ao meu ver, pode até ser nociva.

A Verdade

Em grande parte das respostas colhidas pela pesquisa, as palavras “fuga da realidade” são presentes. Como se jogar RPG fosse uma “válvula de escape” de vidas presas a um mundo desgastante e cruel.

Isso não poderia estar mais distante da realidade, pelo simples fato de você se colocar no jogo — sua presença, sua identidade construída no jogo, suas preferências e decisões… tudo isso parte da sua realidade, do contexto em que você quer “fugir”.

Isso quer dizer que, enquanto “joga”, você não vai apenas se relacionar com a fantasia numa mesa de RPG; em vez disso, sua participação se dará em dois planos paralelos (o jogador e a personagem), que interagem entre si e também entre seus pares (outros jogadores, e outras personagens).

Enquanto jogador, você estará dentro de sua realidade, junto a seus amigos (ou em um evento, com outros jogadores que acabou de conhecer) em uma vivência com propósito claro. É como jogador que você tomará suas decisões, transportando-as para sua personagem que (aí sim) agirá dentro da fantasia. Em outras palavras, é a realidade que move o jogo — e isso, por si só, é o suficiente para derrubar esse mito para mim.

“E Como Isso Vai Me Ajudar?”

Eu presumo que esse seja o seu questionamento neste momento, caro leitor. Para respondê-lo, vou levantar dois pontos.

O primeiro deles é a percepção sobre o que o jogo pode lhe trazer. No livro The Art of Game Design (2008), o professor e pesquisador Jesse Schell define todo jogo como “uma atividade de solução de problemas, abordada com uma atitude prática”.
Em um RPG, muitas são as possibilidades e situações onde a tomada de decisões é fundamental para resolver problemas, e isso pode ser conduzido para seu cotidiano, para resolver problemas reais. Então, a partir desta possibilidade, qual o sentido em compreender o jogo como uma “fuga”?

O segundo (mas não menos importante) ponto é o rompimento da acomodação. Ao tomar o RPG como “fuga da realidade”, você opta somente por jogos que lhe trazem “satisfação garantida” — sem experimentar novos jogos, ou se abrir a novas premissas e vivências.
Isso acaba por cristalizar sua preferência de jogo (enraizada pela nostalgia, ou por algum momento particular) e consolidá-la como fundamental. E passa a ser uma questão de tempo para que outros comportamentos e posições de sua parte tenham o mesmo destino…

Uma Breve Pausa

Com isso, acho que posso concluir esta conversa… ao menos, por enquanto. Não vai demorar muito para que um novo artigo surja por aqui, trazendo outro mito para divagar e repensar.

Nesse meio tempo, deixo a você o convite para participar desta conversa: sinta-se livre para fazer apontamentos, críticas e observações sobre o que escrevi logo acima, com a devida educação.
E, por “educação”, quero dizer que:

não vou tolerar comentários ofensivos, e vazios de reflexão/raciocínio em qualquer um dos artigos aqui reunidos; se você quer despejar ranço só porque estou questionando coisas que “fazem parte do seu joguinho favorito”, faça-o em outro lugar.
Se você não tolera críticas, ou sequer se propõe a repensar o jogo fora de sua caixa, vá fazer outra coisa. Estes artigos não são para você.

Eu não espero que você concorde comigo, ou mude sua interpretação sobre os RPGs logo após a leitura; no entanto, se minhas palavras o fizeram pensar sobre o que coloquei, isso já me dá por satisfeito.

Que Luna o ilumine, e até a próxima.

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Jairo B. Filho
Mitos dos RPGs

Game Designer independente, fundador do selo Jogos à Lá Carte e entusiasta de pesquisas e boas conversas.