O Perfume: A história de um assassino, ou, os monstros que criamos.

Selene Machado
Mixórdia
Published in
4 min readJun 4, 2017

Os assassinos em série são figuras que geram muita curiosidade, não é atoa que ele são tema de inúmeros filmes e livros (documentais e ficcionais). E não é só no cinema e na literatura que eles causam alvoroço, no jornalismo e na opinião pública isso também acontece.

Embora ninguém saiba ao certo quais são os motivos que levam alguém a cometer assassinatos em série, muita pesquisa já foi feita sobre o tema e alguns fatores já foram apontados como comuns a alguns desses sujeitos.

Uma obra interessante para discutir essa temática é o Perfume: A história de um assassino (2006) do diretor Tom Tykwer.

Sinopse: Jean-Baptiste Grenouille, nascido com um olfato superior, procura criar o melhor perfume do mundo. Para isso, ele percorre um caminho sombrio.

O longa metragem é um filme belíssimo, baseado na obra homônima de Patrick Süskind, publicada em 1985. A narrativa com forte teor de crítica social nos permite pensar o serial killer como um monstros que nós, enquanto sociedade, criamos.

Liliane Rosa, jornalista, blogueira e turismóloga, entusiasta da obra, pontua sobre a história que Grenouille é, literalmente, cuspido e engolido pela sociedade.

Deixado para morrer pela mãe (uma vendedora de peixe miserável) logo após seu nascimento, a vida de Jean-Baptiste segue como uma série de infortúnios. A infância difícil e violenta é algo que o personagem compartilha com a maioria dos seriais killers. Harold Schechter, um especialista no assunto, inclui entre traços gerais tidos como característicos a esses assassinos:

“04- Vêm de um ambiente familiar conturbado ao extremo. Normalmente foram abandonados quando pequenos por seus pais e cresceram em lares desfeitos e desfuncionais;

(…)

06- Enquanto crianças , sofrem consideráveis abusos — às vezes psicológicos, às vezes físicos, muitos vezes sexuais. Os brutais maus-tratos incutem profundos sentimentos de humilhação e impotência neles.”

( Violência contra a criança e o adolescente é crime, denuncie.)

Grenouille é abandonado para morrer mesmo antes de abrir os olhos -ele é o retrato de uma criança indesejada. Seu primeiro choro condena sua mãe -e quase assassina- à morte, tornado-o órfão. No orfanato é excluído pelos outros órfãos e sofre maus tratos. Em seguida o protagonista passa por dois empregos onde é explorado e menosprezado.

Em um momento especialmente doloroso do filme o rapaz apaixonado por odores descobre não ter nenhum. Ele é observador de um mundo que não compreende, no qual é “outsider”, estrangeiro. Um desajustado.

Uma característica inerente aos assassinos em série é a falta de culpa frente ao assassínio. Isso se comprova na figura de Grenouille, em parte porque ele observa um mundo ao qual nunca esteve conectado, e que, por tanto, não faz sentido para ele. Os seres humanos são como objetos que não despertam muita atenção do personagem e quando o fazem é unicamente pelo cheiro! Os sentimentos e medos de suas vítimas não entram na equação.

Seriais Killers possuem capacidade de discernir entre o que é certo e o que é errado, por isso não são considerados inimputáveis diante da lei. Grenouille chega a fazer uma tentativa de realizar seus objetivos sem matar: ele paga uma prostituta para capturar seu cheiro em vida, mas, ao falhar, ele volta sem culpa aos assassinatos, começando um novo ciclo de mortes.

1- Patrick Süskind relutou em vender os direitos de sua obra para o cinema, apenas em 2001 o autor cedeu - diante da pequena quantia de 10 milhões de euros.

2- Vários autores se interessaram em dirigir uma adaptação da obra para o cinema, entre eles Tim Burton e Martin Scorsese.

3- Devido a peculiaridades do roteiro Stanley Kubrick afirmou que a história seria “infilmável”.

4- Relatos de comentários da saída das salas de cinema, durante o período em que o filme esteve em cartaz, incluem decepções com o longa. O subtítulo “A história de um assassino” , gerou uma expectativa ‘à la’ filmes de serial killers mais comumente encontrados no cinema (terror e sangue). O filme, porém, faz um caminho diferente.

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