Quatro coisas para não se fazer numa entrevista

Parte 1: Entrevistando candidatos

Mario Bello
mobicareofficial
8 min readNov 3, 2020

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Em algum momento da sua carreira você vai entrevistar alguém. Seja você profissional de RH ou não, gestor(a) ou não, alguém vai te chamar para uma sala, provavelmente sem dar muitas informações sobre o quê, como e por que fazer aquilo, deixando você em frente a um estranho com a seguinte frase: “Candidato, Fulano(a) [no caso, você] vai conversar um pouco contigo sobre a vaga. Fulano(a), esse é o candidato, você poderia falar um pouco pra ele sobre a empresa?”

Pode ser o caso também de quando você estiver lendo essa mensagem isso já ter ocorrido e, na verdade, entrevistas serem uma realidade na sua rotina. Você se considera relativamente experiente nisso e, inclusive, possui seu próprio roteiro, modus operandi e banco pessoal de perguntas favoritas. Aliás, talvez você argumente que é bom/boa pra caramba nisso.

Eu tenho mais de 15 anos de experiência em recrutamento. Na verdade, entrevista sempre fez parte da minha carreira. Iniciei minha vida profissional como psicólogo clínico. Logo no primeiro estágio, tinha de fazer entrevistas iniciais em uma clínica de testes psicológicos. Depois, abri minha clínica onde trabalhei como terapeuta “entrevistando” pessoas o dia inteiro. Quando migrei pro mundo corporativo, meu primeiro trabalho foi fazendo pesquisas (entrevistas) qualitativas para uma agência de publicidade.

São mais de 25 anos buscando, através da interação com pessoas, levantar dados relevantes para me ajudar numa tomada de decisão. Pois bem, até hoje acho que preciso melhorar muito minhas técnicas. Entrevista é igual a qualquer atividade, você só melhora praticando. Mas aprender com outros também é uma forma de pegar um atalho na prática. Por isso, gostaria de compartilhar em dois artigos alguns erros comuns em entrevistas: primeiro do lado de quem entrevista e, depois, do lado de quem é entrevistado.

Entrevista é igual a qualquer atividade, você só melhora praticando.

Erros mais comuns de entrevistadores

Começando com os erros de quem entrevista, o mais comum, sem dúvidas é:

1- Não saber o que se está buscando

“Alice perguntou: Gato Cheshire… pode me dizer qual o caminho que eu devo tomar?

Isso depende muito do lugar para onde você quer ir — disse o Gato.

Eu não sei para onde ir! — disse Alice.

Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.”

Trecho de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll

O prêmio Nobel de Economia, Daniel Kahnemann, diz que nossa mente tem uma tendência à “preguiça”. Coletar diversas informações, avaliá-las, ponderar e estimar suas consequências, ou seja, pensar analiticamente, é cansativo pra caramba. Por isso, nossa mente possui um mecanismo que facilita nossas vidas buscando reduzir o esforço que ele chama de “Substituição”. A substituição ocorre quando temos uma pergunta difícil para responder, substituímos ela por uma mais fácil e respondemos essa última ao invés da primeira. Por exemplo, pergunta difícil: “Esse candidato irá performar bem na posição que tenho?”, pergunta fácil que substituímos: “Eu senti empatia por essa pessoa?”, resultado: “Esse candidato irá performar bem?”, resposta: “Sim, eu gostei dele”.

Muitas vezes nossas entrevistas viram um jogo de atração. E aí tomamos a decisão porque gostamos ou não da pessoa.

Uma das formas de diminuir o efeito desse mecanismo é termos bem claro o que estamos buscando. Quais são as competências necessárias para essa vaga? Que conhecimentos e em qual nível? Muitas vezes é difícil definir esses critérios. Temos dificuldade em pensar em absolutos, por isso, tenha como referência as pessoas que estão na sua equipe hoje. O que é esperado, que atividades e com qual velocidade essa pessoa precisa trazer resultados?

Com tais critérios definidos, passe para a fase seguinte que é “como saber se a pessoa tem essas características?”. Saber o que perguntar e como perguntar é essencial para evitar o próximo erro:

2- Fazer “perguntas inteligentes”

O início dos anos 2000, com a popularização dos modelos de gestão inspirados nas empresas do Vale do Silício, trouxe para o mundo das entrevistas a prática de se fazer um tipo de perguntas bem características. São o que chamo de “perguntas inteligentes”. Em teoria, são perguntas que teriam como objetivo avaliar o modo de pensamento do candidato. Geralmente, elas não têm “resposta certa” (já volto nisso, têm sim) e são uma proposta impossível de ser resolvida, muitas vezes sem nenhuma base na realidade. Exemplos na internet não faltam, mas lembro de alguns aqui:

  • Quantos afinadores de piano existem no Rio de Janeiro? (pergunta feita em uma empresa que não vendia pianos, não empregava Luthiers e não tinha nada a ver com música);
  • Se você estiver preso dentro de um liquidificador, como faria para sair? (essa eu vi num filme, mas é um ótimo exemplo);
  • Quantas bolas de golfe cabem em um ônibus escolar? (manual do Google).

E por aí vai.

Sabe qual o problema com as perguntas inteligentes? Elas são mais relacionadas ao entrevistador que ao entrevistado. Elas querem parecer inteligentes, querem mostrar que o entrevistador pensa diferente, de forma disruptiva, mas se importam bem pouco com o que o candidato tem a dizer. E, cá entre nós, a pessoa mais importante naquela sala é o entrevistado, correto?

Essas perguntas são impossíveis de medir. Costumam vir com a orientação de que não existe uma resposta certa, o que é problemático por si só. Se realmente não tem uma resposta certa, por que fazê-la? A questão é que ela tem sim uma resposta certa: exatamente a resposta que o entrevistador quer ouvir. E, como vimos com primeiro erro, nem sempre essa é a melhor resposta. Além disso, é um tipo de pergunta que amplia gravemente o efeito dos vieses, aqueles erros inconscientes de julgamento que todos temos. Aliás, já faz alguns anos que o Google tirou esse tipo de pergunta do seu manual de recrutamento.

Foque no que realmente quer saber. Se você quer analisar o pensamento analítico da pessoa, dê a ela um case para preparar sobre algum problema de mercado real. Traga um problema seu atual e peça para a pessoa analisar. Dê o último demonstrativo de resultados da empresa e pergunte a opinião do candidato. Mas saiba o que você espera que a pessoa responda. Toda pergunta precisa de um crivo. “Qualquer coisa” não pode ser resposta. Se não, você pode cometer o erro seguinte, que é:

3 — Não escutar a resposta da sua pergunta.

Aqui você vai falar que eu estou exagerando. Que isso é um erro de iniciante. Mas não. Entrevistadores muito experientes cometem esse erro o tempo todo. E não estou falando em desligar a atenção e divagar na lista de afazeres domésticos, ou no resultado do jogo do Flamengo de ontem. Apesar de desatenção ser comum durante uma entrevista, o maior problema ocorre quando ficamos pensando muito mais na próxima pergunta a fazer do que na resposta do candidato.

Mais uma vez: a estrela ali é o entrevistado. Você é apenas um meio. Poderia ser um formulário ou um computador fazendo o seu trabalho (e, sinceramente, se você não melhorar, daqui a uns anos vai ser mesmo). Sua função é ouvir, perceber nuances, tons de voz, postura, nervosismo e outros indicadores que podem ajudar na tomada de decisão. Só isso.

O nervosismo do entrevistador, ou mesmo o ego, pode fazer dele uma máquina de perguntas. Com isso, várias informações que precisariam ser mais aprofundadas se perdem com a próxima pergunta.

Em psicoterapia temos um conceito que é a “escuta ativa”. Precisamos prestar atenção em todos os pontos da fala com genuíno interesse porque alguma coisa pode nos levar a uma sequência de pensamentos que pode desencadear um processo de cura. Da mesma forma é na entrevista de emprego. Não se preocupe com a próxima pergunta. Se você está efetivamente interessado no que está acontecendo ali, sabe o que procura e não quer fazer perguntas inteligentes para se provar, alguma coisa vai gerar uma dúvida em você e, daí, você vai saber a próxima coisa que precisa perguntar. Não se importe também com silêncios incômodos. Às vezes, 15 segundos de silêncio trazem aquela resposta que faltava, ou aquele pedaço de informação que ia ficar escondido.

Aliás, incômodo é algo que tem que surgir não só para o entrevistado, mas também para o entrevistador. Evitar o incômodo leva ao quarto erro:

4 — Tentar confirmar sua impressão inicial

Citando Kahnemann novamente, temos uma uma outra tendência inconsciente que é o chamado “Efeito Halo”. Ele inclusive cunhou um termo para resumir o funcionamento desse efeito: WYSIATI (“O que você vê é tudo que há”, em inglês). Ou seja, pegamos um pedaço pequeno de informação e tendemos a extrapolá-lo para a totalidade. Para o pessoal mais antigo, que ainda comprava discos nas lojas, é aquela mania que tínhamos de falar bem de um CD só porque ele tinha duas ou três músicas boas, mesmo o resto sendo um bando de refugo de discos antigos.

Os primeiros minutos de entrevista geralmente já trazem uma impressão sobre a outra pessoa. Seja pela forma de falar, as brincadeiras feitas, a roupa, o cabelo, o tom de voz e até o perfume: tudo são dados que formam uma imagem completa baseada na nossa experiência. O problema é que somos preguiçosos e quebrar essa imagem exige muito esforço. Assim, começamos a fazer perguntas que buscam apenas confirmar nossa opinião inicial. Seja através de perguntas que já têm a resposta clara dentro dela (você tem perfil de liderança? Você trabalha bem? Você se relaciona bem? Óbvio que o candidato vai dizer sim), seja não deixando a pessoa dar sua opinião e aí começamos a falar sobre o cargo, como orientando a pessoa sobre o que dizer.

Só tome uma decisão se tiver segurança que todos os dados indicam uma probabilidade grande de um bom desempenho.

Uma das boas práticas do Data Analytics é, antes de tomar uma decisão, buscar todos os dados possíveis para tentar refutar aquela opinião. Isso deveria ser um mantra em recrutamento também. Assim que perceber que formou uma opinião (está gostando ou não do candidato), mude suas perguntas e a forma de fazê-las para desafiá-la. Se está gostando do candidato, comece a fazer perguntas mais difíceis para tentar desestabilizá-lo. Percebeu que o candidato não está indo bem? Comece a se centrar na área de expertise dele. Foque no que ele disse que sabe fazer bem.

Só tome uma decisão se tiver segurança que todos os dados indicam uma probabilidade grande de um bom desempenho. Entenda que você e seu processo de entrevista são falhos. Busque os pontos-cegos no seu processo decisório. Duvide de você mesmo mais do que do candidato. E peça segundas e terceiras opiniões.

Por fim, junte os dados, crie hipóteses e teste-as. Se preciso, um case, uma outra entrevista, um teste prático. Um processo rígido mostra ao candidato que você se importa com a vaga e que investiu bastante tempo nela. Logo, quer dizer que vai investir bastante tempo no desenvolvimento de quem ocupá-la também. Melhor recado, impossível.

Abraços,

Mario Bello

Meu nome é Mario Bello. Profissional de RH com mais de 10 anos de experiência desenvolvendo o potencial de pessoas e incentivando que todos sejam felizes e produtivos.

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Mario Bello
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HR professional with more than 10 years of experience managing, developing and making people happier and more productive. www.linkedin.com/in/mariovbello