O que o El Bulli me ensinou sobre produtos digitais

Anna Raquel Serra
Modelo Mental
Published in
4 min readAug 3, 2015
Escolhendo as receitas para o menu da temporada (Fonte: http://www.aghfilmfest.com/)

(Post originalmente publicado no meu finado blog.)

Em um Festival do Rio, tive a oportunidade de assistir ao documentário “El Bulli — Cooking in Progress”, de Gereon Wetzel. O filme acompanha uma temporada do restaurante El Bulli, o templo da gastronomia molecular, e casa de um dos chefs mais criativos do mundo: Ferran Adrià. A gastronomia molecular envolve o entendimento dos processos físicos e químicos que ocorrem nos alimentos e a manipulação desses processos para criar pratos “mágicos”, que combinam ingredientes, sabores e texturas de maneiras totalmente não-ortodoxas.

O filme dá uma visão completa do processo de criação do restaurante, que passa 6 meses fechado para que a equipe executiva crie o cardápio do ano seguinte. E é fascinante, para quem gosta de cozinha e para quem trabalha com criatividade. Há um método nessa loucura, e lá pelas tantas do filme, eu percebi que é perfeitamente adaptável para projetos web com foco no usuário. Tentei resumir, mas recomendo muito o filme. É fascinante.

Foque: tenha um objetivo

Todos os anos, o cardápio tem um tema. Assim que as portas do restaurante são fechadas, a equipe leva todos os equipamentos para o laboratório de Barcelona e começa a trabalhar no cardápio do ano seguinte. O tema permite a eles definir um escopo de ingredientes e métodos que, se não fosse possível, tornaria o trabalho muito mais demorado e difícil. Então, essa é a primeira parte: foco.

Pesquise: você conhece todos os aspectos do seu trabalho?

Para chefs de cozinha, é muito importante ter um conhecimento dos ingredientes, suas propriedades, combinações e formas de preparo. Para uma equipe de UX, é muito importante ter conhecimento do usuário e das técnicas e métodos que podem ser utilizados para realizar o objetivo do projeto. Então, é fundamental manter-se informado sobre o que está acontecendo na área — trocar informações com outros profissionais são uma forma de fazer isso — e, sempre que possível, fazer pesquisa de usuário. Não precisa ser uma coisa grande e cara, às vezes conversar um pouco e observar o usuário no local de uso já é suficiente pra derrubar alguns pré-conceitos.

Rascunhe: esgote todas as possibilidades

Os “personagens principais” do filme são os 4 chefs da equipe executiva do El Bulli, os “gerentes” do Adrià, que fazem o trabalho árduo de pegar o todo o conhecimento do conceito e dos ingredientes e testar todas as possibilidades. Qual o sabor da batata doce cozida? frita? assada? no vapor? no vácuo? com azeite? com óleo de gergelim? com água? com sal? e por aí vai.

O processo chega a ser científico, com várias amostras de preparo diferentes catalogadas e experimentadas para chegar àquelas que são perfeitas. E para nós, o que significa? Rascunhos, rascunhos, rascunhos. Nenhuma possibilidade é estranha demais ou tosca demais para ser deixada de lado nessa fase. Colocando todas pra fora, as melhores surgirão.

Ensine: todos na mesma página

Depois de uma ideia de cardápio montada a partir das melhores formas de preparo e combinação dos ingredientes, e de um processo de classificação e ordenação que muitos vão se identificar (pense em milhares de papéis colados na parede), é hora de voltar para o restaurante e se preparar para abrir a casa novamente.

Mas antes disso, é necessário receber a equipe do ano, que pode ou não ter pessoas que já passaram pelo restaurante. O El Bulli era “o” lugar para trabalhar e estagiar para os chefs e aspirantes. Os 4 chefs e Ferran se encarregavam de passar todo o conceito do cardápio e do preparo para que a equipe estivesse afiada na hora de abrir. O que isso quer dizer? Não perca a oportunidade de deixar sua equipe por dentro do que está acontecendo.

Observe: seus clientes serão seus juízes

Uma das cenas mais legais é quando, durante um serviço, a câmera flagra Adrià ao lado da porta do salão, esperando a volta dos garçons para que eles contem a ele as reações dos clientes diante dos pratos. Um bom projeto preocupa-se com a mensuração dos seus resultados (queremos saber se o objetivo foi alcançado, certo?) e estabelece seus KPIs e as formas de conseguir os dados antes do lançamento. Hoje em dia, é imperdoável não usar nem um Google Analytics (que é gratuito) que seja para realizar essa coleta e processamento de dados de acesso.

Refine: nunca está pronto

Ok, depois desse trabalho todo, é só cozinhar e “partir para o abraço”, certo? Claro que não. Baseado nos feedbacks e no próprio processo de produção “em massa”, é possível identificar falhas e melhorias nas receitas que são servidas. No nosso caso, a observação do analytics e rodadas de testes com usuários depois do lançamento trazem insights importantes para melhorar o que já está pronto e para começar o planejamento das novas fases que com certeza virão.

Mesmo que você não trabalhe com métodos ágeis, hoje em dia é muito raro o lançamento de projetos de um certo porte “completos”. Tudo está em beta e sempre existe algo que pode melhorar , seja na cozinha, num app ou num site.

O filme está disponível no iTunes.

--

--