Ouro em plumas

Ana Livia Macêdo
modenário
Published in
4 min readNov 9, 2020

Como o algodão colorido movimenta a economia de um assentamento no interior da Paraíba e chega ao status fashion nas passarelas mundiais

Natural Cotton Color. Foto: Agência Fotosite

A sofisticação das peças com algodão colorido no salão de inovação francês Maison d’Exceptions, em 2016, colocou a Paraíba no line up da moda limpa e sustentável produzida no Brasil. O uso de uma fibra leve, com tingimento natural, proporciona a criação de peças sóbrias adaptáveis ao uso em qualquer estação. Por trás disso, ainda carrega um selo sustentável ao reduzir o consumo de água na confecção e estimular o pequeno produtor familiar.

O algodão colorido já era alvo de cobiça por turistas que visitavam a Paraíba, sobretudo a capital João Pessoa. Mas compreender a potencialidade da fibra e transformá-la em um produto com status fashion a nível mundial é um dos créditos dado à empresária Francisca Vieira, da Natural Cotton Color.

As peças da marca passaram a ser destaque na primeira semana de moda sustentável no país, a Brasil Eco Fashion Week. O evento, que tem como pilar a valorização da inovação e da diversidade, já está na sua terceira edição. Estimular o público a dimensionar o processo de produção da peça, a transparência por trás da confecção e a valorização do trabalho humano também são pilares fundamentais para garantia desse sucesso.

Seu Betinho. Foto: Ana Lívia Macêdo

Contudo, esse mesmo algodão não chegaria ao topo da cadeia fashion sem a existência de locais como o Assentamento Margarida Maria Alves, no município de Juarez Távora, a 100 km de João Pessoa. Na trilha de mandacarus, percorrendo mais 14 km após a chegada à cidade, encontra- se o assentamento rural. O protótipo de uma cidadezinha de área de 25 hectares tem como líder Luiz Rodrigues da Silva, conhecido por Seu Betinho, de 70 anos.

Vestindo camisa de botões de poliéster e bermuda jeans, seu Betinho é receptivo com todos os visitantes que desejam conhecer a origem do algodão colorido. “Temos que receber a todos. Vocês vão colocar o nome da gente lá fora, onde a gente não vai”, conta. O assentamento recebe visitas nacionais e internacionais como uma referência de plantio coletivo e arranjo sustentável de produção.

Na estreita horta comunitária, 12 famílias plantam o algodão e trabalham nos resultados da colheita. O trabalho coletivo tem como objetivo manter o próprio assentamento e a associação de moradores. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), de iniciativa federal, foi a responsável por ensinar aos sertanejos o manuseio correto da semente do algodão, cultivo que já era herança familiar, mas que era desperdiçado sem o manejo adequado.

Desde o ano de 2017, o Assentamento Margarida Maria Alves carrega o título de algodão colorido orgânico pelo cultivo sem nenhum adubo ou inseticida. O cuidado manual do algodão é revertido na venda da pluma por uma média de R$12 reais o quilo. O valor é considerado alto visto que, em outros cultivos que levam o uso de químicos agrícolas, o preço é R$ 8 reais. “Tudo começa no trabalhador, no ser humano. Se ele não for bem pago, não há como falar de transparência”, defende Francisca Vieira.

No Assentamento Margarida Maria Alves, a Embrapa possibilitou a construção de uma usina descaroçadora. Através dela, os agricultores conseguem retirar as sementes das plumas, deixando-as utilizáveis para o próximo plantio e para um banco de sementes próprio. O local permite, também, a prensa das plumas e a compactação para o próximo destino: indústrias de fibras de fiação em Campina Grande ou João Pessoa.

A produção da moda de luxo como a Natural Cotton Color, o destino final do algodão colorido, vende por uma média de R$ 450 reais cada peça trabalhada. O processo ainda envolve a criação, o bordado e a tecelagem manual. Com pretensão de comércio em expansão, a perspectiva é de introduzir novas modelagens que repaginem o reconhecimento das peças. A marca já trabalha em parceria com lojas que confeccionam desde peças íntimas até joias, como a Tita Co., Antique & Chique e Minha Maison.

Algodão colorido. Fotos: Ana Lívia Macêdo

O algodão colorido segue sendo uma forte aposta para a moda tanto a nível local quando mundial. O movimento Sou de Algodão, criado pela Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa), busca fortalecer e unir os principais agentes da cadeira produtiva para valorizar o uso da fibra natural e incentivar seu uso de modo sustentável. “Um país colorido, acolhedor, que abraça e fascina merece uma fibra que represente toda a sua positividade, carisma e naturalidade”, destaca o manifesto.

Assim, seja fazendo sucesso entre os turistas da capital pessoense ou mesmo nos salões de moda em Paris, apostar na fibra natural é uma tendência. “Quem não está investindo na sustentabilidade terá um custo muito mais alto no futuro”, resume a CEO da Natural Cotton Color em entrevista para a Even More.

Matéria produzida em setembro de 2019. Este conteúdo faz parte da revista Maria Bonita, produção experimental para a disciplina de Editoração e Programação Visual do curso de Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba.

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