Existe uma cultura capacitista?

Aléssia Guedes
Moderna Parahyba
Published in
4 min readSep 21, 2020
Descrição da imagem: A imagem mostra um piso tátil, utilizado para fornecer auxílio às pessoas com deficiências visuais. (Imagem: Pixabay)

Talvez até esse ano os brasileiros não haviam escutado falar tanto sobre isolamento social. Quem pôde ficar em casa e se distanciar fisicamente, viveu uma experiência incomum. Mas incomum para quem? Segundo Carolina Vieira dos Santos, coordenadora executiva do Fórum Paraibano de Luta das Pessoas com Deficiência, o isolamento social já era uma realidade para pessoas com deficiência. E esse é um dos reflexos de vivermos em uma sociedade capacitista, a qual é marcada pela violência e discriminação praticada contra as pessoa com alguma deficiência, corroborando com a ideia de inferioridade e incapacidade.

“Esse mundo de lockdown é o mundo que a gente vive, a gente é proibido de ir para os espaços, mas não por causa do vírus, é porque não tem como chegar mesmo. Não tem calçada acessível, não tem ônibus acessível, o espaço de saúde não tem um intérprete de libras para poder falar com a pessoa deficiente auditiva, a pessoa com deficiência visual não consegue estudar, porque não tem material em braile. Então, a gente já vive em um mundo de isolamento social por conta da dificuldade de acessibilidade e inclusão da pessoa com deficiência.”

Carolina admite a existência de uma cultura capacitista que fortalece a ideia de que a pessoa com deficiência precisa estar em um espaço segregado.

“A sociedade ainda reforça essa coisa de que a pessoa com deficiência precisa estar em um espaço segregado, que esteja limitada para viver só entre pessoas com deficiências, porque só elas devem se entender. E a cultura que é imposta pelos gestores é para que a gente continue isolado, então por isso que viver em isolamento social é algo comum nas nossas vidas. Isso que a população está enfrentando agora, para a gente já é uma realidade.”

A modelo e publicitária acredita que não só o capacitismo, mas também o machismo estimulam a construção social de padrões de beleza e exaltação de corpos que são denominados “normais” em detrimento das pessoas com deficiência.

Descrição da imagem: Carolina Vieira, sentada em uma cadeira de rodas, desfila em um evento de moda inclusiva. (Imagem: Alphapb)

“A gente não ultrapassou ainda essa barreira que a sociedade precisa entender que somos pessoas que temos alguma deficiência. Tudo bem, a gente tem uma deficiência que nos causa limitação de alguma estrutura; seja ela física, intelectual, visual, auditiva que nos torna incapacitadas para determinadas ações. Mas não nos torna pessoas incapacitadas para viver dentro da sociedade, por exemplo, com a ajuda da tecnologia assistiva.”

Segundo o Censo de 2010, a Paraíba ocupa o terceiro lugar no Ranking Nacional de Estados que apresentaram os maiores percentuais de pessoas com deficiência. Em relação à João Pessoa, a proporção de pessoas que disseram ter algum tipo de deficiência foi de 26%. Apesar disso Carolina fala que houveram avanços, mas a cidade ainda não é acessível e inclusiva.

“Eu acho que educação avançou um pouco, na perspectiva nacional, por conta da Lei de Diretrizes e Bases que obriga a inclusão da pessoa por meio da educação. Mas a saúde, empregabilidade e mobilidade urbana são barreiras muito grande. Na saúde, porque os espaços não estão preparados para receber as pessoas com deficiência auditiva ou as pessoas com deficiência física que passam muito tempo esperando órteses, próteses e cadeiras de rodas para se beneficiarem, também não temos exames e profissionais especializados. Na mobilidade urbana, não existe um plano de acessibilidade para a cidade.”

Não é só sobre a falta de políticas públicas, mas também ausência de pessoas com deficiência em espaços de gestão: “nós não temos organismos e estruturas de gestão que pensem, planejem e executem políticas públicas para pessoas com deficiência como política de estado”, afirma Carolina.

É nesse ponto que o Fórum Paraibano de Luta de Pessoas com Deficiência atua, na busca pela garantia dos direitos e da qualidade de vida para PcD’s.

“Nós somos uma entidade de e para pessoas com deficiências. Temos parceiros de todo Estado da Paraíba e resolvemos nos articular enquanto Fórum para poder intervir e pensar sobre o direito e políticas públicas para pessoas com deficiências. Como a gente faz isso? Intervindo no espaço de gestão, participando com o controle social nos espaços de conselho e todos os espaços que são possibilitados que a gente entre para poder discutir essa questão da ausência dos direitos das pessoas com deficiência.”

Setembro é o mês de conscientização sobre a luta de pessoas com deficiência e reafirmação dos direitos que foram conquistados. E o dia 21 foi escolhido como Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência.

“Para a gente, especificamente esse 21 de setembro de 2020, é um dia que vai ser marcado pela luta dos direitos das pessoas com deficiência. Uma luta mais fervorosa, com mais ênfase, por todo esse processo de ver que cada vez mais a sociedade nos torna incapacitados e pelos direitos que a gente conseguiu conquistar, mas não estamos conseguindo garantir.”

Por fim, Carolina relembra a necessidade de os gestores e a sociedade possibilitarem uma inclusão com autonomia para as pessoas com deficiência.

“Os gestores e a sociedade não entenderam ainda que precisam possibilitar autonomia à inclusão da pessoa com deficiência. Existem as pessoas com deficiência que precisam de apoio, cuidadores e de outras pessoas para possibilitarem a inclusão delas. Mas existem também aquelas pessoas com deficiência que já estão reabilitadas e só precisam quebrar as barreiras atitudinais para poder viver no mundo”, finaliza.

Revisão: Caroline Sales

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Aléssia Guedes
Moderna Parahyba

Escrevo, escuto e compartilho histórias. Jornalista nas horas não vagas.