Mulheres Paraibanas na Arte

Heloísa Holanda
Moderna Parahyba
Published in
8 min readJul 1, 2020

Nas palavras de Violeta Formiga, poetisa paraibana, símbolo da mulher nordestina e sertaneja, sempre está presente o seu desejo de “ser pássaro”. Desejo que é símbolo da vontade da mulher artista de, com sua poética, transpassar fronteiras e barreiras historicamente impostas pela nossa sociedade patriarcal.

Foto: Heloísa Holanda

As mulheres sempre lutaram para serem reconhecidas enquanto artistas, e mesmo quando conseguiam esse reconhecimento, elas eram frequentemente descritas como mulheres extraordinariamente talentosas que superaram as limitações do seu gênero para se tornarem bem sucedidas no que era conhecido como um campo masculino.

Mas no começo da década de 1960, com os movimentos de igualdade de gênero e conceitos feministas tomando cada vez mais força, houve uma explosão de mulheres ensinando e estudando em escolas de arte nos Estados Unidos e na Europa. Esses locais tornaram-se lugares de luta feminista, incentivando a representatividade das mulheres em museus e galerias. Esse movimento de mulheres nas artes promoveu um grande conjunto de teoria e prática artística diversificada, redefinindo o que era possível no estúdio e adiante, além disso, pavimentando o caminho para muitas artistas mulheres de hoje.

Desse modo, tendo como referência diversas mulheres enquanto protagonistas em seus respectivos meios artísticos, surgiram nomes como Mayana Neiva, Marcélia Cartaxo, Elba Ramalho, Val Donato, Glaucia Lima, mulheres de grande influência no cenário artístico paraibano.

É imprescindível dar vez e voz as mulheres atuantes na arte, o intuito dessa reportagem é exaltar a diversidade estética e temática de artistas paraibanas, e desmistificar estereótipos do feminino e de uma única estética do Nordeste.

Isabor Quintiere

Isabor Quintiere, de 25 anos, é de João Pessoa e tem formação em Letras Inglês pela UFPB. Além de escritora, ela trabalha como professora de língua inglesa e é mestranda em Literatura na UFPB.

Em seu livro de estreia “A Cor Humana”, publicado em 2018 pela Editora Escarelas, ela ganhou o prêmio Odisseia de Literatura Fantástica, na categoria Narrativa Curta Horror, com o conto “Madres”, um dos 10 que compõe o seu livro.

Foto: Reprodução/Instagram

H.H: Você já sentiu dificuldade em ser legitimada enquanto escritora por ser mulher?

I.Q: Não a nível local, onde fui bem recebida tanto por homens quanto por mulheres (fossem eles leitores ou autores), mas sim a nível nacional, após receber um prêmio voltado para a divulgação de autores de ficção fantástica. O gênero literário que mais escrevo, que abrange fantasia, terror e ficção científica, é majoritariamente dominado por homens e recebi várias mensagens de fãs de sci-fi e afins que buscavam testar meus conhecimentos, perguntando se eu conhecia um autor famoso X ou Y (como Asimov!) e por aí vai, como se fosse preciso atestar meu conhecimento enquanto mulher que produz esse tipo de literatura. Hoje em dia, eu levo na esportiva e ainda pergunto de volta se o questionador conhece Ursula K. Le Guin, por exemplo, que foi uma premiadíssima autora de ficção científica, e muitas vezes não fazem ideia de quem seja.

H.H: O que levou você a começar sua produção literária e quem são as pessoas cujo trabalho mais lhe influenciam?

I.Q: Comecei a me dedicar mais à escrita em 2015, após participar de uma oficina literária ministrada por Marcelino Freire aqui em João Pessoa e decidir que queria melhorar isso que eu já fazia desde que fui alfabetizada, que é escrever ficção. Minhas principais influências são Julio Cortázar, Italo Calvino e Maria Valéria Rezende, mas a cada dia encontro principalmente novas autoras em quem me inspirar, como as argentinas Samantha Schweblin e Mariana Travacio.

H.H: Como você enxerga à importância de trazer mais visibilidade à produção de escritoras paraibanas?

I.Q: Enxergo como sendo algo importante não só para que o resto do Brasil tenha um vislumbre do que é produzido aqui, mas também para que nós mesmos possamos nos conscientizar de que existe produção local, e de excelente qualidade, que não deixa nada a desejar às de outros estados como Rio e São Paulo. Quanto a trazer visibilidade para autoras especificamente, acho ainda mais importante porque somos duas vezes mais invisibilizadas por sermos mulheres que escrevem e nordestinas. Acompanho várias páginas de clubes de leitura ao molde do Leia Mulheres e raramente vejo uma tentativa dos grupos de buscar o que tem sido feito por mulheres hoje em dia, em outros estados fora do sul e sudeste. Isso está mudando aos poucos, mas ainda precisamos botar nossa cara lá fora para sermos vistas, porque de outro modo não seremos “buscadas” espontaneamente.

H.H: Quais são os seus próximos projetos enquanto escritora?

I.Q: Meu próximo projeto é uma história de terror chamada “Jogo de Sombras”, que escrevi originalmente como conto e que foi então adaptado para histórias em quadrinhos pela artista Gabriela Güllich em uma parceria criativa nossa. Deve sair esse ano para financiamento coletivo. Além disso, estou reunindo contos para um próximo livro e tenho um romance em vias de terminar, mas esses dois só depois de terminar a dissertação.

Morgana Morais

Negra, artista, paraibana e arretada. Vocalista e baixista na banda Gatunas, a qual traz composições que abordam temas como a luta LGBT, pautas feministas e questões políticas, demonstrando que um dos papeis da arte é refletir o tempo que estamos vivendo.

E atualmente mostra-se cada vez mais necessário enfatizar que a voz das mulheres não devem ser só ouvidas, como também respeitadas.

“Já aconteceram várias vezes de pessoas tentaram me deslegitimar na música só pelo fato de eu ser mulher, mas eu sempre dou a volta por cima, porque eu sou atrevida. Eu estudo, faço Licenciatura em Contrabaixo pela UFPB, e desde os meus 16 anos eu toco, então, eu não admito que ninguém me coloque pra baixo, na realidade eu não admito que ninguém coloque nenhuma mulher pra baixo, independente de qualquer coisa.”

Foto: Ricardo Pinto

“Ocupar espaço no cenário musical é importante não só na Paraíba, como no mundo inteiro, pois isso se torna representativo para as próximas gerações. É importante mostrar que as mulheres tem a necessidade de se expor e lutar contra o silenciamento que sofremos há tanto tempo.”

Ruanna Gonçalves

Vocalista e guitarrista banda Gatunas, ela tem como objetivo fortalecer o protagonismo feminino através da música. Além de artista, Ruanna é Doutoranda em Antropologia pela UFPE.

O lugar da mulher é onde ela quiser. A frase, por mais verdadeira que seja, ainda não é uma realidade amplamente aplicada. O cenário musical paraibano ainda continua sendo predominante masculino, e nem sempre as mulheres recebem a credibilidade que merecem.

“O protagonismo na música, de uma forma bem discrepante, é dos homens. Muitas vezes se referem a gente como “a banda das meninas”, colocando um peso menor até na hora de criticar, achando dessa forma estão fazendo nos um favor. Sabe aquelas brincadeiras de crianças? Que ficam os meninos contras as meninas e colocam as meninas de café com leite? É mais ou menos por aí.”

Foto: Ricardo Pinto

“Eu sempre tive vontade de tocar, desde os 12 anos eu tinha vontade de tocar guitarra. Eu vendi o meu Playstation pra mostrar que eu realmente queria comprar uma guitarra, o que foi uma grande desilusão, porque a guitarra sozinha não faz som. Eu comecei muito nova, na adolescência eu tive as minhas primeiras bandas, mas aí depois de um tempo eu acabei parando de tocar pra seguir carreira acadêmica. Foi engraçado porque eu terminei meu mestrado e voltei a tocar, hoje a música voltou com tudo na minha vida, eu costumo dizer que largaria o doutorado, mas não largaria a banda.”

Val Donato

Dona de um timbre de voz pujante e de uma presença de palco cheia de atitude, Val Donato é hoje um dos nomes de maior influência no cenário musical paraibano. Apesar dos traços do rock serem evidentes na carreira da artista, ela não acredita num rótulo específico, mas sim numa grande influência desse gênero dentro de seu trabalho. Hoje dois dos artistas que mais a influenciam em seu trabalho são Cátia de França e Fuba, ambos de João Pessoa.

“Ao ocuparmos mais espaços, estamos mostrando a tantas outras mulheres que elas também podem estar naquela posição e irem muito mais além! Se não resistirmos, deixaremos de crescer.”

Foto: J ao Quadrado

“A meu ver, um dos maiores papéis dos artistas é estimular a reflexão e o pensamento através da beleza que a arte carrega e como isso atrai a atenção das pessoas. Uma vez que chama a atenção e prende no conteúdo, você está gerando sentimentos e ideias que podem mudar vidas. Isso tudo requer muita responsabilidade.”

Yasmin Formiga

Graduanda da Licenciatura em Artes Visuais pela UFPB, já participou de exposições coletivas tendo a sua primeira individual na Casa da Pólvora em 2018. A artista trabalha com esculturas, objetos do cotidiano, instalação, pintura e a performance como linguagem principal de seu fazer artístico. Enquanto ativista, ela se faz sempre presente em manifestações politicas e sócias, pois considera a arte como dos principais meios para uma transformação coletiva.

Foto: Caio Oliveira

“A performance dá a chance de uma transformação contínua, você nunca se sentirá o mesmo após realizá-la porque sempre será banho por outras águas. É aí onde você se reinventa e nasce outra vez.”

Referências:

QUAL o espaço das mulheres na arte?. [S. l.], 13 dez. 2019. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2019/12/13/qual-o-espaco-das-mulheres-na-arte. Acesso em: 18 mar. 2020.

ARTISTAS da PB fazem paralelo entre carreira e feminilidade. [S. l.], 8 mar. 2019. Disponível em: https://portalcorreio.com.br/artistas-paraibanas-fazem-paralelo-entre-carreira-e-feminilidade/. Acesso em: 18 mar. 2020.

UMA BREVE História das Mulheres na Arte. [S. l.], 8 mar. 2015. Disponível em: Uma Breve História das Mulheres na Arte. Acesso em: 8 mar. 2020.

VAL Donato celebra o Dia Mundial do Rock com apresentação em JP. [S. l.], 13 jul. 2018. Disponível em: https://auniao.pb.gov.br/noticias/caderno_cultura/val-donato-celebra-o-dia-mundial-do-rock-com-apresentacao-em-jp. Acesso em: 20 mar. 2020.

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Heloísa Holanda
Moderna Parahyba

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