O maior desafio é: permanecer.

Jaqueline Rodrigues
Moderna Parahyba
Published in
8 min readMay 25, 2020
Arquivo pessoal: Thaís Vital

A representatividade da mulher negra ainda é pequena, por isso é importante abordar esse assunto e entender a relevância de todas aquelas que nos antecederam. Apesar de hoje assistirmos as mulheres negras, principalmente na área jornalística ocupando espaço, a diversidade ainda gira em torno de um número pequeno de mulheres negras que atuam diretamente. Em 2014, o Laboratório de Mídia e Esfera Pública do Iesp-Uerj desenvolveu um estudo da plataforma Manchetômetro que revelou a desigualdade de cargos por cor, raça e gênero, entre os quais estão os dados das mulheres negras do jornalismo. No estudo foram analisados os três principais jornais (O Globo, Estadão e Folha de São Paulo) e através disso nota-se a grande diferença no mercado de trabalho. No qual se tratando da mulher negra neste ano da pesquisa, A Folha de São Paulo não tinha nenhuma colunista de cor preta / parda, no Jornal O Globo apenas 4% representava as mulheres negras e 1% no Estadão. Dessa forma, esses dados revelam ou o quanto o racismo está presente e é necessário ocupar esses espaços.

Pensando na importância de falar sobre a mulher negra na área jornalística, o Moderna Parahyba realizou uma entrevista com Thaís Vital, Jornalista e Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas pela Universidade Federal da Paraíba. Além disso, possui experiência na área de Comunicação, com ênfase na temática Mídia e Racismo e interesse em estudos sobre jornalismo e relações raciais brasileiras.

É também afro-militante do movimento das mulheres negras na Paraíba, além de atuar como voluntária no Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro-Brasileiras e Indígenas da UFPB (NEABI) e é integrante do Ponto de Cultura Maracastelo.

Esta entrevista trata-se de uma mulher forte que encarou de frente várias experiências em que o racismo se tornou presente no seu trabalho e na sua vida. Tornando-se dessa forma um grande exemplo para muitas mulheres negras que estão na graduação. Confira logo abaixo toda entrevista:

Como você resumiria os seus desafios durante a graduação?

“Na verdade, os desafios que eu enfrentei enquanto mulher negra na graduação se deram a partir do momento que eu me assumi enquanto mulher negra. Porque eu entrei em 2011 na Universidade, mas naquele instante eu não me identificava como uma mulher negra. Em 2013, quando eu conheci o NEABI (Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro-Brasileiras e Indígenas), passei a ter contato com mulheres negras, com mulheres que eram expert nas suas áreas de conhecimento, que detinham conhecimento e que eram respeitadas por aquilo, eu comecei a me identificar ali. Levar em consideração que eu poderia deixar o meu cabelo cacheado novamente e comecei a passar por esse processo de reconstrução da minha identidade, foi quando eu deparei enquanto mulher negra. Aí eu fui estagiar em uma TV e me deparei nesses momentos quando estagiária, nas dificuldades, assim eu percebi a discriminação racial. Quando eu era estagiária, a gente saiu para fazer uma pauta e a minha cinegrafista era uma mulher loira, ela estava com a câmera e o tripé na mão e eu com a pauta e o microfone, o entrevistado chegou para ela para perguntar o que era ela ia perguntar, quais eram as questões da pauta. Aí tive que me impor e dizer que a repórter sou eu. Então, teve vários momentos com discriminações, porque a partir do momento em que você identifica como negra, você começa a identificar os racismos na sociedade. Então, eu diria que os meus desafios na graduação me fortaleceram, foi um momento de choque, mas ao mesmo tempo foi um momento de fortalecimento. ”

O que você poderia falar sobre a inserção da mulher negra no mercado de trabalho?

“Com relação à inserção da mulher negra no mercado de trabalho como todo, se a gente for olhar com relação a questão econômica, se a gente parar para pensar nas mulheres negras e pobres, são as que estão na base desse sistema tributário brasileiro. Então, o que isso significa? É que as mulheres negras são as que menos recebem salário e as que mais pagam impostos. Daí você identifica de imediato a injustiça racial no sistema tributário brasileiro, só que para que além disso, as mulheres negras estão em uma situação idêntica à sua posição na sociedade, porque no mercado de trabalho, elas continuam em uma situação de marginalização. Estão nos empregos que são precarizados, estamos no subemprego na verdade, então eu acredito que essa inserção da mulher no mercado de trabalho e no jornalismo mesmo nem se fala ”.

A representatividade negra hoje em dia vem tomando bastante espaço. Como foi sua percepção sobre esse momento?

“Eu entendo que houve reconhecimento de representatividade negra no dia a dia, mas eu entendo que essa representatividade, ela tá tomando lugares específicos, ainda não é uma unanimidade nos espaços sociais. Eu entendo que essa representatividade é muito importante, mas a gente precisa ter em mente que representatividade não é tudo. Eu entendo que questão de representatividade negra, é muito importante principalmente na internet e hoje a gente ver muitas blogueiras negras ensinando a cuidar do cabelo, falando de temas relacionados a relações sociais, eu acho que é muito importante, mas que ainda assim a gente não pode esquecer do que é ser um indivíduo negro no Brasil. A gente não pode esquecer nunca, não adianta pessoas negras ocuparem espaços e não saberem o que elas representam ali, não adianta a gente ter pessoas negras em espaços importantes e aquelas pessoas negras não quebrarem as lógicas opressoras, ou seja, não adianta elas estarem ali reproduzindo lógicas opressoras, lógicas racistas, mas isso não significa que a representatividade dela não seja importante, de maneira nenhuma.”

No âmbito do trabalho, você enfrentou algum grande desafio por ser uma mulher negra?

“Eu entendo que o maior desafio que eu enfrentei por ser uma mulher negra no meu espaço de trabalho, enquanto o jornalista foi permanecer no trabalho, porque a partir do momento em que eu ocupei o espaço do jornalismo político, acompanhando uma personalidade política, eu comecei a passar por algumas situações racistas, era eu estar em uma agenda, em uma inauguração de alguma obra por exemplo, chegar lá e ter algum político que me oferece um jantar, chega e simplesmente me oferece um jantar. Permanecer nessas situações, enfrentar essas situações foi o maior desafio para mim enquanto mulher negra no jornalismo. Eu por ser a única negra naquele espaço, nesse ambiente, ainda era questionada o porquê que eu estava ali, como eu tinha chegado ali, de quem eu era filha para estar ali ou a quem eu cedia o meu corpo para estar ali. Ainda somos vistas como aquele ditado de que negra é para fornicar. Então, para mim, o maior desafio no âmbito do trabalho foi permanecer no trabalho. ”

Como você tenta combater o racismo no seu dia a dia?

“Eu combato ou racismo no dia a dia corrigindo vocabulários racistas dos meus amigos, meus colegas de trabalho, desconhecidos, eu combato nas redes sociais através de vídeos que eu produzo para desconstruir o racismo estrutural, então toda semana eu quero colocar um tema diferente e tento desconstruir também esse racismo nos movimentos que eu ocupo juntamente com outras mulheres. Eu faço parte do movimento de mulheres negras na Paraíba e através desse projeto a gente consegue atuar em vários âmbitos da sociedade e quebrando esse racismo aos pouquinhos. ”

O que você pensa da cultura midiática com relação ao papel da mulher negra?

“Eu penso que a cultura midiática, ela não valoriza a mulher negra como ela tem que ser valorizada, como ela merece ser valorizada. Eu acho que a mídia no geral, ela ainda anda a passos muito lentos, mas eu sou muito otimista, eu acredito que os movimentos sociais negros como um todo, têm conseguido quebrar algumas lógicas opressoras. Eu penso que essa cultura midiática ainda vai se transformar muito, mas no geral ainda tá muito "aquém" do que deveria ser, não representa, não demonstra as mulheres negras na sua essência."

Diante das suas experiências, o que você pode passar para nós mulheres negras que estamos ocupando espaços hoje?

“O que eu posso dizer é que as mulheres negras que estão ocupando esses espaços, todos os espaços,é dizer que toda e qualquer oportunidade que alguém tem de ocupar espaços importantes, que a gente tenha força para permanecer porque quando a gente faz uma trajetória e consegue chegar em determinado espaço, aí a gente se depara com uma estrutura racista que quer derrubar, que quer nos tirar dali. O que eu posso dizer é resistência, é força manas que a gente vai conseguir derrubar essas lógicas opressoras, tenho certeza disso.”

No que o jornalismo pode contribuir para a disseminação de pautas do movimento negro na mídia para as massas?

“O jornalismo é uma das ferramentas mais poderosas da luta antirracista e pode ser um aliado da gente, porque o jornalismo tem a capacidade de adentrar todas as camadas sociais, a capacidade de chegar onde muitas vezes a nossa voz enquanto movimento não chega. Então, acho que a partir do momento que o jornalismo se propõe a ser um lugar de disseminação da agenda antirracista e sai desse lugar de agente legitimador do racismo institucional, ele começa a andar lado do lado com a luta antirracista. Eu entendo que o jornalismo pode contribuir a partir do momento que ele deixa de legitimar o racismo institucional, a partir do momento que ele deixa de dizer que aquela pessoa negra que morreu na favela, foi morta porque era usuária de drogas, não levando em consideração em a violência policial e o racismo institucional da polícia militar nas favelas. Eu entendo quem é o jornalismo, ele deve contribuir dessa forma, pautando mais pessoas negras, pautando mais a nossa diversidade, pautando as pessoas da forma correta. São pessoas negras que tem nome, sobrenome, profissão, família, que tem um lugar em que vive, então eu acho que a partir do momento em que o jornalismo, ele deixa ser um instrumento de legitimação do racismo institucional, ele já é um instrumento de luta antirracista.”

Como você acha que o movimento pode adquirir uma voz própria de comunicação e independência dessa mídia massificada?

“Eu não sou muito favorável a essa questão de segregação, acho que ao invés da gente criar um meio próprio de comunicação e não ter essa relação com a mídia massificada, acho que a gente perde. Porque acho que o momento é de união, acho que o movimento pode sim, o movimento negro no Brasil deve ter uma ferramenta de comunicação própria, mas também precisa estar em todos os espaços, então não adianta a gente ter uma ferramenta nossa e não ocupar outras mídias, eu não sou muito favorável a essa falta de relação com a mídia de massa. Eu sou na verdade, favorável que o movimento tenha uma relação com a mídia de massa que é justamente para que a gente consiga ocupar mais e mais espaços e fazer com que as nossas ideias cheguem até onde a gente não consegue chegar sozinho. Tem uma frase muito maravilhosa que a gente sempre diz lá no Maracastelo Coletivo que é assim: “eu seguro a sua mão na minha para que juntas possamos fazer aquilo que eu não consigo fazer sozinha” então, é um momento de união, acho que o movimento, mídia, sociedade no geral precisa se unir para combater a luta antirracista, para combater na verdade o racismo no Brasil. Se não houvesse união eu acho muito difícil que a gente consiga quebrar as lógicas opressoras.”

Pauta: Adailson Paiva e Jaqueline Rodrigues

Revisão de texto: Grace Vasconcelos

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Jaqueline Rodrigues
Moderna Parahyba

Em constante evolução, amante de histórias e estudante de jornalismo.