O melhor do cinema (em casa) de 2020

Adailson Paiva
Moderna Parahyba
Published in
11 min readJan 14, 2021

Não é novidade para ninguém que o Ano da Pandemia trouxe inúmeras dificuldades nos mais variados setores da sociedade, e com a indústria do cinema não foi nada diferente.

Apesar da (minha, sua, nossa) felicidade no início do ano com as vitórias de Parasita na premiação local da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas nos Estados Unidos, 2020 foi marcado também pelo fechamento dos cinemas chineses em janeiro, adequando-se às recomendações sanitárias juntamente a vários outros serviços não essenciais. O que cerca de dois meses depois viria a ser comum em todo o mundo.

Muitos cronogramas e filmes lançados no começo da pandemia tiveram alterações ou sofreram perda nos seus lucros de lançamento. Não apenas obras de grande orçamento como Aves de Rapina, sucesso entre o público porém descontinuado como franquia por seus números de bilheteria, foram afetados. Filmes independentes que precisavam do lançamento nas salas de cinema para lucrar, tiveram de ser adiados sem previsão de novas datas de estreia, com vários títulos brasileiros inclusos.

Num cenário totalmente inédito desde o começo da criação e comercialização de filmes nos cinemas, várias adaptações tiveram de ser feitas para convencer as pessoas consumirem estes conteúdos de maneira alternativa, desde a ressuscitação dos drive-ins aos lançamentos simultâneos ou exclusivos em serviços de streaming.

Algumas premiações importantes mudaram seus critérios de exibição e premiação para não prejudicar os realizadores, chegando ao ponto do Oscar — que sempre prezou a tradicionalidade das exibições em salas de cinema estadunidenses — criar seu próprio sistema de lançamento online para se adequar a situação.

Meses depois o mundo reabriu seus cinemas apostando em nomes como Christopher Nolan, para recuperar o investimento feito em Tenet, ou nas tradicionais grandes bilheterias de feriado, lançando Mulher-Maravilha 1984 de Patty Jenkins e estrelado por Gal Gadot no natal.

Ambos os filmes não obtiveram o sucesso de bilheteria esperado, deixando a herança da imprevisibilidade de lançamentos físicos continuar no próximo ano, porém, o segundo obteve relativo sucesso sendo lançado simultaneamente em streaming, tendência que deverá ser seguida em 2021.

Foi neste contexto que o ano em que vi apenas um único filme no cinema (pré-isolamento, ok?) me fez consumir todas as suas melhores obras na telinha de 15 polegadas do meu computador nada glamouroso, e é sobre elas que vocês lerão agora:

10. Borat: Fita de Cinema Seguinte

Borat retornou aos Estados Unidos na hora certa. Em sua segunda visita à América, o jornalista cazaque acaba acidentalmente trazendo sua filha ao país e tendo a brilhante ideia de “oferecê-la de presente” ao presidente Donald Trump.

Protagonista do filme, Sacha Baron Cohen se destacou como um dos principais humoristas do começo dos anos 2000, arrancando risadas com um humor de situação absurdo e muitas vezes improvisado. Na nova história de Borat talvez só estes elementos não sustentassem um filme, tendo em vista que várias das piadas de suas antigas obras cabem muito menos hoje em dia do que antigamente, e Cohen conseguiu o auxílio certo neste quesito.

A interpretação de Maria Bakalova como Tutar, a filha de Borat, é fundamental para os acertos do filme, a atriz não somente faz escada para o humor proporcionado por Cohen como muitas vezes protagoniza sozinha as cenas mais engraçadas. Os dois atores tem muita química em cena e têm todos os méritos para garantir seu lugar nesta lista.

9. Alice Júnior

Alice Júnior surpreende mesmo sem trazer surpresas. Muito divertido de se assistir, o filme conta a história de Alice, uma garota trans que tem seu pior pesadelo realizado quando seu pai decide se mudar do nordeste para o sul do país, e torna tudo ainda pior ao colocá-la em uma escola católica.

Seguindo a fórmula de filmes adolescentes e tratando com muita responsabilidade e respeito devido a história de uma pessoa trans, Alice Júnior é daqueles filmes que você sabe que vai querer rever várias vezes apenas pra ficar feliz. Anne Celestino Mota está muito bem no papel da protagonista e também colabora para melhorar o roteiro com suas vivências, deixando Alice mais real e carismática.

Espero sinceramente que a Netflix, que não participou da produção do filme mas o trouxe para o grande público, produza mais histórias sobre Alice Júnior, que tem bastante potencial e abertura para sequências.

8. Soul: Uma Aventura Com Alma

Ver Soul com pouquíssima expectativa me deixou muito feliz. A Disney/Pixar entregou novamente uma animação que balanceia o tocante e o profundo com um divertimento para toda a família. Soul mostra a história do músico Joe, que sofre um acidente e se torna capaz de explorar o plano espiritual, onde conhece os Conselheiros Jerrys e fica amigo da pequena alma 22.

Os destaques do filme não ficam somente nos visuais — que equilibram diferentes técnicas de animação, como podemos ver na representação dos Jerrys — mas vão também para o trabalho de áudio.

As composições musicais, seja em Nova York ou nos diferentes planos espirituais, são parte importante na construção dos personagens, bem como o trabalho de dublagem de Jamie Foxx e Tina Fey, que colaboram junto do roteiro para formar as personalidades de Joe e 22.

Vale mencionar que a proposta e diálogos em Soul podem simplificar para o público infantil conceitos complexos como vida, morte e alma, provocando-os a terem conversas sobre isso com seus amigos e familiares e aceitarem com mais facilidade estas questões que acompanham a vida de todos.

7. Nomadland

Nomadland é um filme contemplativo e triste. Nele acompanhamos a trágica epopéia de uma mulher assolada pela Grande Recessão do final dos anos 2000, que atingiu em cheio várias parcelas da sociedade estadunidense e deixou muitas pessoas sem casa.

Frances McDormand brilha em tela, representando toda a melancolia e pequenos prazeres vividos por Fern, enquanto ela viaja o país em sua van a procura de trabalho, companhia e estabilidade. Ao mesmo tempo em que se vê com medo de que conquistando essas coisas se acostume e as perca novamente como no passado.

Um dos principais destaques nas viagens de Fern é o contraste dos espaços abertos em que ela se encontra com a claustrofobia de viver em uma van e as incertezas trazidas com a vida de nômade moderna.

A diretora Chloé Zhao e a equipe de produção balanceiam muito bem os dois conceitos e entregam uma obra que dá espaço para evidenciar sua protagonista sem apagar suas várias outras camadas importantes.

6. Minari

Como uma avó se parece em Minari? O diretor e roteirista Lee Isaac Chung responde a esta que parece ser uma pergunta tão trivial, com uma complexidade e empatia que atrai cada vez mais o espectador para os desdobramentos deste drama baseado em sua vida.

O filme recorta um pedaço da vida e desventuras de uma família de imigrantes coreanos que já estão há alguns anos nos Estados Unidos e tentam melhorar de vida ao longo do começo da década de 80. Caçula da família, o pequeno David nasceu no país em que os pais agora tentam arduamente permanecer, e estranha totalmente a chegada da avó, que foge dos padrões absorvidos por ele na televisão e na convivência com outras crianças locais.

Por mais que todos os atores se destaquem em seus papéis, é impossível não elogiar particularmente Alan Kim, Youn Yuh-jung e Steven Yeun — como o pequeno David, a avó Soonja, e o pai Jacob, respectivamente — que auxiliam completamente na empatia criada por seus personagens durante a trama e agregam à atmosfera dramática proposta no filme.

5. O Som do Silêncio

O Som do Silêncio foi uma experiência sensorial absurdamente íntima. O filme — que para mim é sem dúvida a melhor execução de engenharia sonora em uma obra do ano — nos coloca na pele (e ouvidos) de uma pessoa que está perdendo quase toda a capacidade de ouvir, se aprofundando no processo que de aceitação e aprendizado da surdez por seu protagonista.

Riz Ahmed exala a raiva e as batalhas internas de seu personagem ao longo de todo o filme, nos fazendo torcer para que Ruben consiga ao menos um pouco de paz em sua vida conturbada, seja como baterista ou na fazenda de Joe, personagem de Paul Raci.

Tive ainda a feliz oportunidade de fazer um paralelo com outro filme assistido em 2020, o curta-metragem paraibano Sophia. Em ambas as obras o som, a falta dele e a experiência sensorial cinematográfica são trazidas à tona e executadas com maestria, tentando emular a quem assiste um pouco do que é experienciado por pessoas surdas.

4. Emma.

Emma é a exaltação da beleza dentro do próprio egoísmo. O filme mais bonito (pelo menos em estética e montagem) do ano mostra a diferença que faz a exaltação em tela de um bom trabalho de fotografia e figurino em uma obra de época.

Adaptação da obra homônima da inglesa Jane Austen, Emma. não tem nada de “mais uma”, diferindo até de outros escritos da autora. No filme acompanhamos uma jovem rica e egocêntrica que se diverte tentando ajudar suas amigas a conseguirem bons casamentos e evitando o seu próprio. Uma dessas amigas é Harriet, arrancando boas risadas em grande parte pela competência de Mia Goth, que acaba se enrolando junto a Emma e provocando toda a sucessão de eventos presentes no filme.

Em seu primeiro trabalho solo como diretora, Autumm de Wilde não filmou nenhuma cena que não valha admiração quando pausada, usando muito bem roupas, cenários e toda a expressividade de Anya Taylor-Joy para compor a narrativa visual de seu filme, e também deixando grandes expectativas para suas próximas cartadas.

3. O Homem Invisível

A aflição causada pelo Homem Invisível é, acima de tudo, realista. Mesmo não sendo a primeira adaptação do livro de H. G. Wells e tendo um personagem já marcado como um clássico do cinema dos anos 30, o maior terror do ano é inventivo em vários de seus conceitos e atrai sua audiência para uma inesperada reflexão sobre violência contra a mulher.

Nesta versão do clássico, acompanhamos a protagonista Cecilia após receber a notícia de que seu ex namorado abusivo cometeu suicídio, deixando para ela toda sua fortuna. Os problemas começam após Cecilia começar a suspeitar que ele não a deixou e ainda está fazendo da sua vida um inferno, enquanto ninguém acredita que um homem invisível é a causa de todos os problemas dela.

Elisabeth Moss segue muito confortável em mais uma de suas interpretações de personagens que são levadas ao limite da sanidade nas respectivas obras em que estão inseridas. Enquanto o roteirista e diretor Leigh Whannell finalmente consegue emplacar por conta própria um filme de terror verdadeiramente bom (feito inédito fora das relativamente recorrentes parcerias com James Wan).

2. A Voz Suprema do Blues

Toda a potência da Voz Suprema do Blues. Surpreendendo no finzinho do ano, o último trabalho de Chadwick Boseman emociona e não deixa dúvida alguma sobre sua consagração entre os melhores atores de 2020.

Também protagonizado por Viola Davis, o filme utiliza praticamente de uma única locação para contar a história de um dia de gravação da lendária cantora de blues Ma Rainey, interpretada por Davis, focando também em Levee, um dos integrantes de sua banda, interpretado por Boseman.

A ambientação da obra, que priorizou manter o clima contido da peça teatral que adapta, valoriza o trabalho de atuação e dá espaço não apenas para suas duas estrelas dominarem o filme, como também permite que alguns dos coadjuvantes se destaquem, entre eles Coleman Domingo.

Os devidos créditos também devem ser dados ao diretor George Costello Wolfe, que já tinha bastante experiência no teatro como roteirista e dirigiu outras peças, sendo responsável por transpor a obra para o cinema sem remover sua essência.

1. Destacamento Blood

Os Bloods não ficam para trás. Spike Lee começou 2020 nos entregando o melhor filme do ano e um de seus melhores trabalhos até agora. Retratando a perspectiva de soldados negros na guerra do Vietnã, o diretor usa uma história contemporânea para falar dos horrores que a guerra trouxe para os locais e para alguns daqueles que participaram da invasão estadunidense lutando batalhas que não eram suas.

Na história, quatro homens negros que serviram nas tropas norte-americanas durante a invasão do Vietnã voltam ao país para recuperar o corpo de um de seus companheiros que ainda estava enterrado lá. Além dos restos mortais do lendário Stormin’ Norman, eles também planejam recuperar um carregamento que acharam durante a guerra e que enterraram junto dele.

Além de ter mais um destaque para Chadwick Boseman como coadjuvante, o filme tem em Delroy Lindo a melhor atuação do ano. O ator dá vida a um personagem extremamente multifacetado, que tem sérios problemas de saúde decorrentes da guerra, culminando em cenas belíssimas e uma conclusão que precisa ser vista para ter toda sua completude apreciada.

E estes foram os melhores filmes do ano segundo quem escreve para o único site que importa, o renomado Moderna Parahyba. Para quem ainda está aqui depois destes quase quarenta parágrafos, gostaria de citar algumas menções honrosas que, por qualquer outro motivo que não seja falta de qualidade, ficaram fora do que foi citado aqui previamente, são elas: Bela Vingança, Sonic, estou pensando em acabar com tudo, Palm Springs, Scooby! e Unpregnant.

2021 com certeza repetirá alguns dos problemas de 2020, mas esperemos que com a vinda da vacina menos tragédias ocorram, como evitar ver o King Kong lutando com o Godzilla numa tela do tamanho de um Lulu da Pomerânia, por exemplo.

Brincadeiras à parte, o ano promete vários lançamentos (em números, qualidade já é uma outra história) que nos ocuparão e divertirão por um bom tempo enquanto ainda não dá pra festejar sem ocasionalmente matar um membro da sua família (por mais que Christopher Nolan insista). Esperemos que dê pra tirar um bom proveito deles.

No mais, dada a periodicidade aleatória dos meus textos no site, não sei como dar a devida despedida neste aqui. Provavelmente outras listas virão, quem sabe até a de melhores do ano de 2021 se ainda tiver gente no mundo até lá. Divirtam-se com as indicações desta aqui, e se vocês gostam de ler esse tipo de coisa, sintam-se livres para cobrar nas nossas redes sociais que eu provavelmente adiarei muito até falar sobre!

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Adailson Paiva
Moderna Parahyba

Supostamente jornalista. Gosto de alienígenas em caixas azuis e falo de filmes às vezes.