“Por enquanto tudo é para sempre”: as facetas da arte de Aku Rosenqvist

Adailson Paiva
Moderna Parahyba
Published in
6 min readMay 21, 2020

Por Rayssa Oliveira e Adailson Paiva

(Reprodução / Instagram)

Integração do bairro do Bessa, descemos do ônibus e caminhamos um pouco até acharmos a casa facilmente reconhecível. Estávamos em quatro, não muito depois de batermos palmas junto ao portão Aku Rosenqvist nos recebe calorosamente em seu belíssimo quintal, oferece lugares para sentar, cerveja e água com gás, vamos todos de água, afinal estávamos lá a trabalho.

Antes da conversa se formalizar ele nos conta sobre como perdeu algumas coisas de casa para as corriqueiras chuvas ocorridas em João Pessoa, parte da sua coleção de CDs secava numa mureta à nossa esquerda, algumas de suas câmeras analógicas estavam em uma mesinha ao sol mais pra frente. As simpáticas amigas de quatro patas do fotógrafo nos inspecionavam enquanto observávamos maravilhados o ambiente. Após este primeiro momento Aku nos leva ao seu estúdio, onde mergulhamos de cabeça no mundo dele.

Aliás, o artista finlandês não gosta de ser chamado de fotógrafo. “Fotógrafos são chatos”, disse ele em tom de brincadeira. É compreensível que talvez este título não seja o suficiente para rotular a produção de Aku Rosenqvist. Ele canta, escreve poemas, desenha, esculpe e fotografa. Aku acredita que arte é muito mais sobre o processo do que sobre o resultado. Afinal, segundo ele, criar gera outro processo: o processo de valorizar e entender a arte.

Natural de uma pequena cidade de 18 mil habitantes na Finlândia, Aku está no Brasil há nove anos. Sua esposa é paulistana, e os dois chegaram a morar por um tempo na terra da garoa. Mas o caos da cidade grande nunca agradou o artista e por isso os dois decidiram procurar um destino mais calmo. Como sua companheira de vida havia morado em Guarabira, no interior paraibano, durante sua infância; o Nordeste pareceu-lhes um bom caminho. Conheceram o litoral sul de João Pessoa, juntaram o necessário para a mudança e o resto é história: já estão aqui há pelo menos, cinco anos. “Eu não pretendo sair mais não, eu sempre falo que na vida você tem que fazer coisas por enquanto para sempre, por enquanto tudo é pra sempre”, declarou Aku.

Sua história com a arte vem desde os tempos de criança. Desde esse período frequentava escola de arte e sempre se interessou pelas mais diversas manifestações artísticas. Sobre sua relação com a fotografia, ele nos contou que o exemplo veio de perto. Seu pai, um fotógrafo amador, tinha um laboratório em casa e revelava seus próprios filmes. Embora Aku tenha demorado a demonstrar interesse pela fotografia, com mais ou menos 20 anos, ganhou uma câmera analógica de seu pai quando o mesmo comprou a sua primeira máquina digital. Universitário, morando em um quarto com um banheiro, transformou o último em um quarto escuro e começou a ampliar seus filmes. Hoje em dia ele conta que fotografa com qualquer coisa: “Digital, analógico, o que tiver, eu uso.”

Aku Rosenqvist vê o trabalho dele como sendo seu processo interno de interpretar o mundo e falar sobre assuntos que ele gosta de falar:

“Eu acho que meu olhar sempre foi monocromático, tudo que eu enxergo no mundo meio que tem intensidades diferentes, luzes, contrastes, tem esse equilíbrio. Eu nunca vi tantas nuances nas cores e tudo isso, eu consigo valorizar isso, mas eu não consigo colocar isso no meu olhar, e até que considerei por muito tempo fotografia uma arte muito fácil, porque você já vai atrás de uma coisa que já existe lá, tá pronta. Gostava muito mais de “artes de verdade”, de desenhar, de criar alguma coisa do zero. Você vê uma coisa branca onde você vai colocar alguma coisa, ao invés de pegar alguma coisa pronta.”

Atualmente, ele está trabalhando muito com escrita junto com imagem e técnicas alternativas. Abaixo, temos alguns dos trabalhos recém-finalizados pelo artista:

(Acervo Pessoal / Aku Rosenqvist)
(Acervo Pessoal / Aku Rosenqvist)

Aku acredita que a fotografia entra nesse processo como uma ferramenta de conversar sobre assuntos que às vezes o artista não consegue expor em palavras, e assim, tenta com a imagem. Para ele, é sobre a intenção humana, acima de tudo, sobre se comunicar.

Ele gosta de entender o trabalho de outras pessoas profundamente. Passou um bom tempo falando de um livro que adora, do fotógrafo paraibano Gustavo Moura, maravilhado com sua autenticidade, delicadeza, com a forma como ele trata as coisas em suas fotografias, frisando ainda que o amigo (sim, eles são amigos) tem um amor pela Paraíba que raramente as pessoas conseguem expressar em imagens, tendo ele e este processo como referências.

Ainda em São Paulo, Aku encontrou a iniciativa Clube do Analógico, onde conheceu uma das pessoas mais queridas de sua vida, chegando a creditar a ela seu redescobrimento na fotografia e sua estadia no Brasil por tanto tempo. Aku falou com fascinação de Rosângela Andrade, que criou o projeto, e do trabalho dela como laboratorista de fotos preto e branco, descrevendo-o como muito delicado, uma interpretação técnica com uma visão artística.

“Tem muito fotógrafo que, antigamente, trabalhava ele mesmo no laboratório, porque era difícil de explicar para fazer, mas a Rosângela faz isso, ela é laboratorista mesmo, trabalha só com filme preto e branco e já trabalhou com os maiores fotógrafos aqui do Brasil. E o Clube do Analógico é uma iniciativa dela de ter um espaço dedicado somente à fotografia analógica, lá é uma referência de atitude, de sobrevivência, de tudo nesse sentido.”

Falando mais sobre seu descontentamento em morar na cidade mais populosa do Brasil, discorreu sobre a infelicidade em trabalhar com fotografia comercial. Para ele era apenas algo para pagar as contas, foi se perdendo sua vontade de fotografar e não queria nem mesmo tocar na câmera ao chegar em casa.

“Então, eu fui fazer um curso com ela [a Rosângela], de interpretação de imagem no laboratório fotográfico. Eu já tinha o conhecimento técnico de como funcionava o laboratório, eu já revelava meus filmes, tudo isso. Mas ela me ensinou uma coisa, que é como você tem que realmente olhar a imagem para conseguir sentir isso, e foi uma experiência muito foda, eu cheguei a falar isso para ela.”

O artista é facilmente tocado pelos trabalhos de quem admira. Gosta de ver os processos, onde conseguem chegar, gosta de coisas cruas, emocionalmente fortes ou com uma certa estética “mais bruta”, misturando as linhas do fotojornalismo e da fotografia autoral com arte. Afirmando que tudo isso está presente aqui no Brasil, onde há ainda uma interpretação de imagem mais poética.

Quando seu processo entrou em pauta foi interessante como Aku colocou a forma orgânica com a qual se relaciona com a revelação de suas fotos, principalmente por estarmos dentro de seu estúdio. Para ele aquilo era parte da composição da foto, colocar o filme no espiral em uma escuridão total trazia uma sensação estranha tirada da fotografia em si, das artes visuais, trabalhar com as suas imagens na absência total da luz virava algo tátil e a única coisa que você tinha naquele momento era o que você sentia com a mão.

(Acervo Pessoal / Aku Rosenqvist)

Aku também descreveu como parte de seu processo o acúmulo dos filmes para revelação. Ele gosta de maturar as imagens e usa um intervalo de tempo entre duas semanas e dois meses até revisitar e revelar suas fotos no estúdio, afirmando que o processo analógico também influencia nos resultados, deixando as fotos preto e branco que tanto gosta na exata tonalidade e aspecto desejados.

“Eu gosto do processo, então esse tempo é fundamental nisso, aprender a refletir na imagem… isso faz você ter mais certeza na hora que está fotografando, porque não vai olhar a foto na hora, você vai ter que confiar que o que está fazendo é certo, e isso ajuda bastante.”

Após estes relatos era chegada a hora de deixarmos a casa e o estúdio de Aku Rosenqvist, mas não antes de ele nos dar uma tour pelo seu jardim falando um pouco mais sobre outras de suas paixões, como sua horta, suas motos e seu fusca, ainda tirando um tempo para falar de seu cinema improvisado na parede externa (que quase nos fez ficar para continuar um papo sobre Tarkovsky). E assim nos despedimos do mais simpático e talentoso artista finlandês a passar pela Paraíba.

Revisão: Aléssia Guedes

Entrevista: Adailson Paiva, Aléssia Guedes, Grace Vasconcelos e Jaqueline Rodrigues

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Adailson Paiva
Moderna Parahyba

Supostamente jornalista. Gosto de alienígenas em caixas azuis e falo de filmes às vezes.