Projeto Acorda Várzea Nova e as práticas lúdicas oferecidas na periferia

Jaqueline Rodrigues
Moderna Parahyba
Published in
6 min readJun 6, 2021
Reprodução/Instagram: Ala Ursa Acorda Várzea

Nas áreas periféricas o consumo ou incentivo do acesso à cultura são pouco pautados. Isso ocorre porque geralmente a comunidade é vista como algo arriscado devido ao alto índice de violência, o que direciona ao pensamento para que os órgãos governamentais ou possíveis patrocinadores, não invistam nessa região. Em um artigo intitulado Cultura de periferia em movimento por Renato Souza e Tiarajú D’Andrea, publicado na edição “Mobilidade em São Paulo’’, da Revista SESC São Paulo, a leitura do artigo “Cultura de periferia em movimento” é interessante porque permite entender os motivos para a arte estar na periferia também.

Um dos autores do artigo Tiarajú D’Andrea, destaca cinco pontos: a arte como pacificadora, ao passar humanidade e levantar a autoestima de pessoas que não possuem incentivo; sobrevivência material, através da inserção das pessoas no mercado de trabalho, evitando a prática de atividades ilícitas em prol da renda; valorização do local, direcionado para o lugar onde as práticas do acesso à cultura ocorre; participação política por meio de denúncias e organização no meio da crise política; por fim, a humanização por mostrar que através de um lugar visto como marginalizado, há cultura e práticas positivas.

Os dados do relatório do Instituto Brasileiro Geográfico e de Estatística (IBGE) mostram que no período de 2014 a 2018, a população de baixa renda, assim como os jovens e pessoas negras residem geralmente em lugares menos privilegiados. E isso permite que entendamos melhor sobre a disparidade da inserção na cultura. Não é à toa que 44% dos pretos e pardos vivem em cidades que não possuem acesso ao cinema, contra 34% da população branca, escancarando que as pessoas de comunidades são as que menos possuem algum tipo de acesso.

No município de Santa Rita (PB), o ‘Acorda Várzea Nova’ — projeto organizado por Gustavo Souza, psicólogo formado pela Universidade Federal da Paraíba — é uma das iniciativas que em meio ao caos da violência urbana, surgiu como um cano de escape para a comunidade e os jovens. O entrevistado Gustavo Souza afirma que o primeiro projeto, a Ala Ursa, surgiu em meados do ano de 2015, isso porque o bairro de Várzea Nova na época estava passando por um período de conflitos, devido a isso as pessoas não se sentiam à vontade para transitar no bairro, pelo medo de sofrerem represália se fossem para determinado lugar.

“A gente criou o Ala Ursa para poder levar cultura para as crianças, os idosos, a juventude porque as pessoas gostam dessa cultura. Eu lembro que quando era criança havia uma Ala Ursa de Bayeux, que vinha pra cá e a gente gostava bastante. Aí a gente começou, no primeiro momento foi uma festa muita grande, a gente não esperava uma recepção tão grande, no período carnavalesco a gente percorreu as ruas de Várzea Nova, trazendo muita alegria para o povo, o pessoal depois comentou bastante, criou uma expectativa e já fazem 5 anos que a gente está com o projeto do Ala Ursa.”

Reprodução/Instagram: Mocidade Junina — PB

Outra iniciativa é a quadrilha, chamada Mocidade Junina, durante a entrevista ele relata que quando surgiu a ideia, a proposta foi de resgatar a cultura do bairro. Através disso, conseguiram a restauração de um pavilhão onde antigamente faziam as apresentações da quadrilha, que hoje é chamado de Centro Cultural. Sobre o espaço do pavilhão ele diz: “O Pavilhão era um espaço que antigamente construía. Lá ensaiava e dançava as quadrilhas, algo muito interessante é que o povo todo ia sempre prestigiar os trabalhos das quadrilhas, então a gente fez esse resgate, uma proposta cultural muito interessante porque além de ter quadrilha junina, a gente colocou para participar outros grupos culturais, como o grupo de hip hop, swingueira e capoeira que também adentrou esse espaço que a gente construiu porque aqui no nosso bairro não tinha nenhum espaço nessa proposta de oferecer para os grupos culturais, a juventude um espaço de lazer, para a comunidade toda.”

Além da inserção dessas duas atividades, Gustavo também comenta sobre a Copa Várzea Nova, que visa atrair os garotos entre 13 a 15 anos para o esporte, esse projeto está na ativa desde o ano de 2015, fazendo com que adolescentes se interessem pelo esporte e serve como apoio para os jovens tomarem outros rumos ao entender que não existe apenas a violência naquele lugar. Como sabemos, todo projeto cultural enfrenta as suas barreiras, dentre elas o convidado reforça dois pontos que estão em evidência na maior parte da sua construção. O lado financeiro por não haver incentivo, patrocinadores que engajem o movimento, por outro, há ainda a instigação das pessoas acarretado pela questão financeira, já que o projeto é sem fins lucrativos. O que pesa principalmente é o fato de ter o interesse de evoluir mas não poder ir muito além pela falta de recursos que necessitam.

A prática da cultura em bairros periféricos é algo importante para a própria comunidade, como espectadora de um lugar periférico posso afirmar que uma prática como essa é de extrema importância para que se haja um novo olhar, as ações lúdicas auxiliam, indicam para aqueles que estão inseridos que há outros caminhos e que a violência não é apenas o que existe ali, como geralmente são retratados em programas sensacionalistas e perante a sociedade. O organizador das práticas comentadas anteriormente relata sobre essa questão ao afirmar que já notou a mudança na vida de várias pessoas que passaram pelo Acorda Várzea Nova.

“Temos muitos jovens que participam da Ala Ursa ou da quadrilha junina, a partir do momento que eles se envolvem dessa forma começam a pensar em outras perspectivas, porque em todos os trabalhos que a gente realiza traz essa questão educativa, antes de começar o ensaio ou apresentação, sempre conversamos com o grupo, o que acaba dando minimamente uma formação, explicando a importância dos estudos, de respeitar pai e mãe, de se buscar uma formação, evitar usar substância ilícita. Eu acredito que essas reflexões contribuem bastante porque a gente já pôde presenciar em outras oportunidades, fora dos espaços de trabalho, esses jovens comentando, dizendo que não ia participar daquilo porque aquilo era errado, que poderia prejudicar eles, que tinham o sonho de participar de determinado evento e se fossem se envolver com algo assim iam se prejudicar, a gente observa que essas ações acabam levando um pouco de reflexão, instrução e isso acaba contribuindo com o desenvolvimento desses jovens, uma perspectiva diferente de vida.”

Apesar da carência financeira e do apoio governamental, práticas como essa estão ocupando espaços, esses pequenos ambientes contribuem com muita relevância para o público assistir e acreditar que além de toda aquela violência que a mídia expõe, há o outro lado da moeda. Esta versão é justamente a que não é pautada, a que não querem que vejam, mas que necessita de voz e divulgação para que mais jovens possam adentrar em projetos, enxergar outros caminhos e a partir disso notarem que apesar da falta de acesso cultural, é possível levar a arte para esses lugares.

Os projetos comentados, seguem abaixo com o endereço das redes sociais para que se possa visitá-los e divulgá-los.

https://www.instagram.com/alaursaacordavn/

https://www.instagram.com/acordavarzea/

https://www.instagram.com/mocidade_juninapb/

https://www.instagram.com/copavarzeanovapb/

A reportagem “Projeto Acorda Várzea Nova e as práticas lúdicas oferecidas na periferia” foi escrita por Jaqueline Rodrigues e faz parte da série de publicações especiais sobre o tema “Direito à cultura”, vinculado à disciplina Jornalismo, Cidadania e Direitos Humanos, do curso de Jornalismo da UFPB.

Revisão: Carolina Cassoli

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Jaqueline Rodrigues
Moderna Parahyba

Em constante evolução, amante de histórias e estudante de jornalismo.