Quais são os impactos culturais da ausência de torcedores no esporte nos tempos de pandemia?

Mychel Medeiros
Moderna Parahyba
Published in
6 min readJun 15, 2021

O esporte está inserido na sociedade desde os tempos da antiguidade. Formado por processos culturais, pela necessidade de construir um senso de pertencimento e, até mesmo, uma conexão espiritual. Nas tribos indígenas, a ligação era entre o corpo e a alma. E, com o passar dos tempos, o elo se formou, pelo coração, entre o torcedor e a quem ele direcionava a sua torcida.

É notório a sua participação direta na vida dos indivíduos, seja como espectadores, ou como atletas. No século XX, o esporte sofreu alterações e deixou de ser restrito às elites da época e, finalmente, tornou-se um lugar do povo. Com isso, os vínculos entre as pessoas se tornaram cada vez mais fortes. Atualmente, é inegável que a pandemia do novo coronavírus tanto trouxe inúmeros impactos, quanto, por sua consequência, modificou as relações sociais. Por exemplo, a relação entre o esporte, fator de transformação social, e o torcedor, tão importante para o desenvolvimento de um jogo. Dessa forma, se faz necessário entender os efeitos culturais da ausência de torcedores no esporte.

Por isso, a entrevista irá se basear nessa última questão, e tem como objetivo aproximar o leitor do esporte. Nela, contaremos com a participação de Iago Sarinho, Jornalista do Jornal A União, em João Pessoa-PB.

1. Para você, qual é a relação do esporte com a torcida?

IS: É uma relação intrínseca, é muito difícil separar o esporte como fator social, como manifestação social da torcida. Acho que são coisas que estão diretamente ligadas pois o esporte não se resume ao espaço competitivo. Ele engloba todo esse entorno, que estão fortemente ligados também à presença de torcedores. Não consigo imaginar a separação entre o torcedor e a prática esportiva em geral.

2. A ausência de torcida torna o esporte mecânico?

IS: Não sei de mecânico, mas ele perde um fator importante. Vale ressaltar o que respondi na pergunta acima, que mesmo com os jogos sem a torcida, o esporte não deixa de ter a torcida. Ela está nas redes sociais, no mundo virtual e midiático. Essa ausência está muito mais restrita ao momento final do jogo, não é uma ausência total. No entanto, sem dúvida, o fato de a gente não ter torcedor durante uma partida de futebol, de basquete e outros, faz muita falta e que tira um pouco o jogo do contexto. Faz com que o jogo se resume a uma disputa entre os jogadores.

3. Qual é a sensação de acompanhar os esportes apenas pelas telas?

IS: No ano passado, eu estava só na rádio e acompanhei mais jogos pelas telas de streaming via TV, smartphone… É uma sensação diferente. A gente perde uma série de percepções que estão diretamente ligadas ao estágio, como o canto das torcidas, movimentações dos técnicos, movimentações dos jogadores.

4. Como é cobrir um evento esportivo sem torcida?

IS: É muito diferente. Como falei, não dá para separar as duas coisas, e quando essa separação é forçada, faz muita diferença. É como eu sempre digo: o contexto geral como a chegada da torcida, a chegada dos jogadores, o início do jogo, o movimento da arquibancada, tudo isso constrói uma atmosfera que vai gerar um resultado favorável ou não para a equipe, para o atleta que está em campo. Como, por exemplo, quando um nadador vai para a piscina, a presença da torcida, do familiar junto a ele, o barulho, a tensão, a adrenalina do momento, tudo influencia no resultado final. Para quem cobre, que tem a missão de retratar essas sensações para quem não está ali, naquele momento, perde uma série de riqueza de acontecimentos e detalhes sem a presença do torcedor.

5. Se o esporte é um laço identitário, estar distante faz com percamos uma parte de nós?

IS: Com certeza, o esporte faz parte de uma construção de identidade de um povo, isso é algo evidente. Sem dúvida alguma o fato de a pessoa não estar próxima daquilo que lhe representa e que faz parte da sua rotina, do seu dia a dia, seja da camisa que veste a camisa que consome, sem dúvida, afeta como a gente se sente e vive o presente.

6. Quão difícil é cobrir um evento esportivo em tempos de pandemia?

IS: A gente tem perdido uma série de possibilidades de apuração que a gente tinha em condições normais. Então, por exemplo, em uma rotina de investigação, você não poderia estar onde gostaria estar, como no ambiente de treinamentos. Isso afeta, sem dúvida nenhuma, a nossa capacidade de produzir conteúdo de qualidade para o jornalismo. Você pode ficar muito tempo dependente de assessorias, por exemplo, e isso é um problema, devido à própria função das assessorias. Nunca é um produto que a gente tem liberdade total de produzir. Então, assim, perde-se bastante o modo de apurar, de conseguir furos.

7. Quais são os maiores impactos da pandemia na cobertura esportiva?

IS: Os principais impactos estão no fato de perder uma maior capacidade de apuração. Outros impactos são uma mudança de formato do trabalho, como a utilização do skype como ferramenta de troca, o fato de estarmos muito mais no online do que no físico gera muito impacto na comunidade esportiva de um modo geral.

8. Qual a importância da cobertura jornalística por meio do esporte para propagação de campanhas de conscientização?

IS: A cobertura esportiva tem um alcance muito grande, então, como todo produto jornalístico de grande alcance, ela tem um grande potencial para passar, para fomentar e propagar mensagem. Acho que, nesse sentido, como a gente lida com um produto que tem essa relação com as emoções, eu acho que é um espaço, sim, importante para se tentar gerar conscientização. Acho que é algo que ocorre muito pouco, mas eu acredito que nessa questão da pandemia, os produtos jornalísticos, no âmbito dos esportes, têm tido uma parcela de contribuição importante na conscientização desses torcedores que acompanham e consomem esses produtos jornalísticos.

9. Qual é o papel do torcedor nesses tempos de pandemia?

IS: Eu acho que é um papel mais ativo, porém não na presença física. Eles estão tendo um papel muito importante nessa presença digital. Tem torcedor que está colaborando com o clube, os times, os atletas até de uma maneira mais direta, como financeiramente. É uma função preponderante. Mesmo não estando no estádio, os torcedores têm desenvolvido uma contribuição grande nesse momento, até porque, querendo ou não, esse momento é frágil para o esporte. Então, ao passo que se perde a presença física nos momentos esportivos, o torcedor tem se aproximado mais, tem sentido essa necessidade de estar mais presente nessa rotina das equipes e dos atletas que acompanha.

10. Após a pandemia, você acha que exista alguma mudança que seja permanente no esporte?

IS: Tem várias mudanças. Para a comunidade jornalística, essa transição entre as tecnologias, que já era um processo quase consolidado, mas que agora, define-se, e para o mundo esportivo, eu confesso que não sei dizer, porque a gente tem que lidar com dois cenários: um que, de fato, a gente retorne a ter as coisas como eram antes, e um cenário transitório, que pode ser permanente, onde a gente tenha que lidar com outras restrições. Então, acho que isso altera o produto final desse processo todo.

11. Qual mensagem você deixaria para os fãs de esporte nesse momento?

IS: Continue acompanhando da maneira que puderem, torcendo, colaborando com seus clubes e atletas preferidos. É muito importante essa participação, afinal, a gente vive um momento bem complexo para muitas dessas equipes, até do ponto de vista financeiro. O esporte requer dinheiro, quando perde esse público, está perdendo receita e de um modo geral, o esporte requer dinheiro e o custo é alto para manter. O torcedor tem um papel fundamental, mesmo à distância, seja dando força, manifestando apoio e até criticando. E vamos nos cuidar para que em breve o torcedor possa acompanhar as competições do estádio e nós possamos ter essa companhia. O jogo sem a torcida nunca vai ser completo.

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