Reconhecimento natural: Uma conversa com o Studio Balacochê

Jaqueline Rodrigues
Moderna Parahyba
Published in
5 min readOct 13, 2020
Foto: Jaqueline Rodrigues

Na indústria cinematográfica sempre fomos encaminhados a enxergar as pessoas negras com os seus cabelos quimicamente alisados. Dessa forma, eram associados a um padrão eurocêntrico. Contudo, de uns tempos para cá, essa imagem vem começando a ser modificada. Isso está acontecendo graças a uma parte dessa população que passou a assumir a sua identidade natural. A procura pelos cuidados certos, por um lugar que atenda esse público específico, vem aumentando.

Àqueles — a maior parte sendo o público feminino — que estão passando ou já concluíram a transição capilar, sempre resta a velha questão de como cuidar dos cabelos sem ter um breve conhecimento. Mesmo com o boom desse tipo de tratamento, ainda é difícil achar lugares especializados no ramo e que tenham um bom reconhecimento.

Tive a oportunidade de conhecer mais sobre como se deu um dos grandes salões de beleza afro na cidade de João Pessoa, o Studio Afro Balacochê. Busco ressaltar nesse texto a importância do empreendimento feminino negro. Além disso, conto como a transição chegou a afetar a decisão de iniciar um projeto que atende a um público que só cresce.

Uma das sócias do Balacochê, Andila Nahusi, relata que ela e a sua sócia passaram pelo doloroso e importante processo da transição e, através dessa fase, enxergaram a necessidade de um lugar que atendesse esse público.

“A ideia de abrir um espaço para cabelos cacheados e crespos em João Pessoa, surgiu da própria demanda da população que precisava de um espaço onde não somente tivesse profissionais que soubessem lidar com esses tipos de cabelos, mas que também ensinasse como cuidá-los no dia a dia.”

Diante da iniciativa tomada por ambas, a capital paraibana passou a ter tratamentos adequados e de referência no afro-empreendedorismo. Isso principalmente pelo Balacochê ser gerenciado e formado por uma equipe de mulheres negras, levando sempre a qualidade e o exemplo a todos que chegam.

“A gente sente uma alegria e uma responsabilidade muito grande. Afinal, o Balacochê tem se tornado mais um espaço de recomendação tanto de beleza, quanto de qualidade em atendimento. Além de sermos referência na questão do afro-empreendedorismo, por sermos uma equipe de mulheres pretas na gestão e mão-de-obra.”

Sabemos que o racismo institucional é presente na nossa sociedade e o quanto é importante uma iniciativa dessas para o acolhimento de pessoas que passam por isso todos os dias. Com isso, a entrevistada também traz a questão da representatividade negra no mundo dos negócios. Ela conta que no início do projeto foi mais difícil de combater e ir de frente contra este tipo de racismo.

“O Balacochê se preocupa com essa representatividade, afinal, sabemos o quanto é importante que haja empresas nesse perfil, onde profissionais negras são potência. E onde clientes negros possam se sentir acolhidos por nós, pois valorizamos sua beleza natural ao invés de moldá-la ou destruir a forma natural de seu cabelo em prol de uma padronização estética eurocêntrica.”

Quem passa pelo ciclo da transição capilar sabe o quão a autoestima fica em uma espécie de montanha russa: ora você se ama pela evolução do seu crespo/cachos, ora você se sente extremamente desmotivada. O que acontece é um constante processo de reconhecimento, de volta às suas origens e isso mexe muito, principalmente com o público feminino, por sermos levadas desde crianças a alisarmos o cabelo.

Andila também relata que grande parte das clientes chegam com a sua autoestima reduzida e como este período é delicado. Ela revela que o coletivo de profissionais, mídia e o acesso acerca de debates sobre autoestima, identidade e empoderamento são coisas que influenciam nessas decisões.

“Por conta de toda a carga emocional que há em amar o seu cabelo crespo e cacheado natural que durante séculos foi tratado como um cabelo inadequado, sujo, desleixado, por essa cultura racista que vivemos até hoje. No entanto, a transição capilar, tanto para mulheres brancas ou pretas, se tornou um processo de libertação não só estética. Mas de personalidade também. Sentimos que as mulheres que transitam de volta ao seu natural, se tornam mais poderosas, mais donas de si, mais tranquilas quanto a opinião alheia.”

Ao ser questionada sobre como é a procura do público masculino, ela fala sobre um aumento nos últimos anos, por serviços para crespos e cacheados: “Acredito que chega a ser 30% da nossa clientela e a cada ano esse número aumenta. Percebemos que essa padronização de beleza masculina também está em transformação e os homens também querem descobrir a beleza do seu cabelo crespo ou cacheado.”

Uma das grandes dificuldades para quem lida com cabelos crespos ou cacheados é sobre a forma de tratá-los. Hoje em dia é cada vez mais comum sermos bombardeados com influenciadoras que relatam um vasto caminho de dicas para todos os tipos de cabelos. Entre algumas destas dicas, estão a famosa fitagem, as técnicas de low poo (uso de pouco shampoo, sem sulfato na sua fórmula) e no poo (uso de condicionador limpante, no lugar do shampoo), assim como penteados e afins.

Com isso, Andila retratou que no salão elas buscam sempre priorizar a saúde capilar, através de produtos certos de acordo com cada tipo de fio de cabelo. O intuito é não danificar e sempre valorizar as origens dos fios.

“Entendemos que não existe cabelo bonito sem produtos e tratamentos saudáveis e que a beleza é a consequência de uma série de cuidados com produtos no e low poo, adequados para cada tipo de fio.”

O tema sobre a etapa de reconhecimento de sua identidade não é algo fácil, por mais que atualmente seja pautado na mídia. Porém, o preconceito com estes tipos de cabelos ainda existe e a iniciativa de salões como o Balacochê é de extrema importância. É necessário reconhecermos que somos ensinados a achar feio o que não está dentro do padrão imposto. Na realidade, é mais um tipo de preconceito impregnado pela sociedade e temos de ir contra isso.

Trago também um fotolivro que foi realizado no Studio Balacochê para mais curiosidades sobre o trabalho da equipe. Segue o link:

https://issuu.com/jaqueline.rodrigues2206/docs/desvendando_olhares.pptx

Revisão: Caroline Sales

--

--

Jaqueline Rodrigues
Moderna Parahyba

Em constante evolução, amante de histórias e estudante de jornalismo.