RESENHA - Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço

Grace Vasconcelos
Moderna Parahyba
Published in
3 min readMar 23, 2021

Maria Bonita e Lampião são personagens icônicos e polêmicos da história do Nordeste e do Brasil. Se por um lado, Lampião seria conhecido como o Robin Hood do sertão e Maria Bonita seria um ícone feminista, por outro lado, são vistos como bandidos que ameaçavam a ordem e a segurança. Mesmo assim, eles viraram nome de restaurante, novela, filme, publicidade, foram destaque no The New York Times e tiveram uma coleção de roupas inspiradas nas suas vestimentas.

“Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço” é uma biografia, escrita pela jornalista Adriana Negreiros e lançada em 2018 pela Editora Objetiva. A obra contempla não só a vida da rainha do cangaço, mas também conta a história do movimento sob a perspectiva feminista. Adriana utiliza de uma linguagem simples e expressões nordestinas para compor o livro.

A jornalista entrega um trabalho impecável de análise e pesquisa dos jornais da época, filmes, documentários, livros e entrevistas com os sobreviventes do grupo. Além de complementar a obra com contextualizações importantes sobre o movimento feminista na década de 30 e fotos do fotógrafo sírio Benjamin Abrahão, que conseguiu registrar todo o grupo na sua intimidade.

O livro utiliza os relatos de várias cangaceiras ou cangaceiros sobreviventes que deixaram registradas suas vidas antes de morrer, contribuindo para traçar questões importantes, como por exemplo, a violência sexual contra mulheres e crianças, os sequestros e as estratégias de sobrevivência usadas pelo grupo, além de ajudar a construir o perfil da rainha do cangaço.

Se olharmos do presente para o passado, consideramos Maria Bonita um símbolo do empoderamento. Sua história é marcada pela recusa à algumas normas machistas que aprisionavam as sertanejas na época, mas isso não significa que a cangaceira tivesse “sororidade” com outras mulheres ou agisse em defesa dos seus direitos. Ela reproduziu comportamentos associados ao machismo e violência que eram lei dentro do movimento.

As cangaceiras foram por vezes desacreditadas ou tidas como exageradas ao contar suas histórias, como explica a autora. Paralelo a isso, vários mitos sobre suas vidas foram criados, incluindo a ideia que seriam grandes combatentes ao lado dos seus companheiros ou até precursoras do feminismo. O livro combate cada mito criado com relatos sobre como se davam as relações de submissão das mulheres vistas como propriedade do companheiro dentro do grupo.

O livro joga verdadeiros holofotes em perspectivas que se mantiveram esquecidas durante décadas, por exemplo, a maternidade das cangaceiras e o racismo científico, promovido por médicos inspirados em teorias alemãs. Este último, impacta até mesmo no desfecho dado aos corpos dos cangaceiros, que ganha um epílogo inteiro para ser explicado. Mas atenção: o livro possui vários relatos sobre violência extrema. Esteja preparado para uma leitura que varia entre momentos leves e a descrição de intensa violência, fruto não só das práticas dos cangaceiros, mas também da polícia da época.

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