Um grupo, um coro, um corpo: As Ganhadeiras de Itapuã e a relação com a resistência das mulheres negras

Moderna Parahyba
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6 min readMar 8, 2022

por Jaqueline Rodrigues

Imagem: Museu virtual casa de ganho — Ganhadeiras de Itapuã

O encantamento pela performance do coro de mulheres da cidade de Itapuã, na Bahia, tornou-se objeto de estudo de Harue Tanaka, pesquisadora e professora da Universidade Federal da Paraíba, em sua tese de doutorado. Ao presenciar uma de suas apresentações ela soube imediatamente que aquele seria o grupo que retrataria a história. Mas afinal, quem são as Ganhadeiras de Itapuã? Trata-se de um coletivo de mulheres que busca através de suas ações, a resistência e elas atuam na lagoa de Abaeté, na cidade de Salvador, Bahia.

O termo “ganhadeiras” de acordo com a professora de música, remete a época escravocrata do século XIX e início do século XX, no qual eram submetidas a vendas pela cidade ou lavagens de ganho — lavar roupas — estando acordado com os seus senhores, porém apesar das dificuldades de suas vendas, com todo o trajeto a pé, essas mulheres entoavam músicas e iam em busca do sustento para os seus familiares.

O bairro de Itapuã é o local onde surge a iniciativa das ganhadeiras, a sua história remete ao crescimento que o grupo obteve. Isso porque na época se tratava de uma praia para veranistas e não tinha comércio ou empregos para os moradores da região. Com isso, o coletivo passou a retratar o período em que as mulheres negras comercializavam produtos e prestavam serviços.

O encontro com o coletivo

No dia 20 de fevereiro de 2008, Harue Tanaka, teve o seu primeiro contato com as Ganhadeiras de Itapuã. Em entrevista, a mesma conta que as conheceu na Casa da Música, na Lagoa do Abaeté, de início foi convidada por uma amiga que já fazia um trabalho vocal a assistir uma apresentação. Ela revela que até o momento não as conhecia, mas que passou a descobri-las no instante que viu a sua apresentação.

“Foi, então, que eu descobri do que tratava, no momento em que as ouvi cantando, apregoando e sambando (samba de roda)”, afirma a professora.

Imagem: Museu virtual casa de ganho — Ganhadeiras de Itapuã

Na sua tese formulada sobre o grupo, ela conta que a ganhadeira é a representação da mulher que pratica toda e qualquer atividade de ganho, como lavadeiras, costureiras e outras. Porém, um paralelo trazido pela autora é que no início das atividades de ganho no Brasil, elas eram majoritariamente realizadas por mulheres escravas, embora houvesse a figura masculina, essa atividade permaneceu como feminina.

“Então, encenando, cantando e apregoando elas nos remetiam ao tempo da escravidão e do sofrimento pelo qual as mulheres escravizadas passavam. Daí veio a inspiração para estudá-las. Principalmente, quando ouvi o “coro”, diz a entrevistada.

A contribuição local após o reconhecimento nacional

A tese da professora, trouxe o reconhecimento ao grupo através de sua contribuição acadêmica ao levá-las como tema para a escola de samba Unidos do Viradouro, do Rio de Janeiro. Ela retrata que a comunidade Itapuãzeira, assim como o público nacional as conheceram e elas passaram a ser as mensageiras das manifestações culturais no bairro, assim como a sua história e beleza.

As ganhadeiras são a demonstração de força da mulher negra que foi escravizada e símbolo de sustentáculo da própria família e da economia.

“Qualquer feito, como ter sua história contada no maior espetáculo da terra, faz com que seus(suas) homenageados(as) sejam porta-vozes de tudo o que representam. E elas representam a mulher brasileira, a força dessas mulheres, nossas Marias. Esse (re)conhecimento é o capital social, o ganho de toda uma contribuição local, inclusive em relação ao turismo, às questões financeiras, à cultura, ao combate ao racismo, às violências de gênero”, conta a pesquisadora.

Samba-enredo da Unidos do Viradouro e o uso da tese de Harue Tanaka

A entrevistada inicia dizendo que não foi a sua tese que ganhou algum prêmio, mas sim que foi participante de um dossiê sobre a história das ganhadeiras de Itapuã.

Harue Tanaka, professora da UFPB / Reprodução: Instagram

“Ainda que eu tenha de certo modo, antevisto — com uma diferença de 12 anos — em algum momento elas teriam sido citadas e mencionadas em outros trabalhos. Porém, o que foi inusitado é a temática ter sido levada a ganhar um concurso de Carnaval. Acredito que foi levada ao patamar de visibilidade popular mais conhecido e diríamos mesmo venerado, respeitado. Principalmente, quando se fala de Brasil”, relata a pesquisadora.

O estudo traz o respiro, mostrando que é possível a trajetória de uma pesquisa chegar às ruas e através disso, o pesquisador ver que o escrito pôde alcançar aprendizes: o povo. O prêmio foi um reconhecimento a Viradouro e ao grupo das mulheres artistas, já que após 23 anos de espera, a tão almejada recompensa veio com a pauta da história das ganhadeiras.

Vale ressaltar que, apesar da tese ser na área de Educação Musical, ela foi escrita para dar voz à memória das mulheres durante o período da escravidão, como elas sobreviveram e lutaram para estarem aqui. Já que se debruçam sob a sua ancestralidade, através das atividades de ganho. Assim, denunciam também ao mundo o que foi a escravidão, levando em consideração o modo cênico, artístico nas canções, na forma musical e dramática, do gênero samba de roda. Mediante a luta pessoal nas atividades de ganho, como lavadeiras do Abaeté, costureiras, baianas do acarajé e outras ocupações.

“(…) Sem dúvida, foi a maior emoção que tive na vida, depois do nascimento de minha filha. Interessante é que sempre tive vontade de desfilar na Sapucaí. E ser agraciada com esse presente, no ano do meu cinquentenário, foi uma das grandes alegrias de minha vida”, ressalta Harue Tanaka.

Imagem: Museu virtual casa de ganho — Ganhadeiras de Itapuã

O contato após a repercussão

Tanaka diz que ainda possui contato com o grupo e entre essas pessoas, está Verônica das Virgens, ela diz, “é a representação entre a velha e nova geração das ganhadeiras”, sendo a responsável pelas pautas que as ganhadeiras vêm se dedicando até hoje.

Há também o Salviano, que faz parte da equipe que coordena o grupo, sendo o arte-educador. Foi ele quem permitiu que ela estudasse o grupo, assim como também a convidou para o desfile da Unidos do Viradouro, em 2020. Por fim, Rutinalva, uma amiga da entrevistada, está sempre em contato com essas mulheres. Ela também é a esposa do Jenner Salgado, produtor cultural das Ganhadeiras, sendo o compositor de “Com a alma lavada”, música que inspirou o tema da Unidos do Viradouro, no carnaval de 2020.

Outras ocupações da entrevistada

Levando em consideração as suas atuações acadêmicas, como no grupo de pesquisa em Música, Corpo, Gênero, Educação e Saúde (MUCGES) e nos estudos do mestrado em educação popular pela Universidade Federal da Paraíba sobre uma mulher na bateria da escola de samba “Malandros do Morro”, ela passou a interconectar todos os campos de estudo, sendo eles: Sociologia da música, Educação Musical, Gênero, Performance Musical e outros.

Além de relatar as suas práticas artísticas como performer musical, desde instrumentista a pesquisadora. É sanfoneira da Orquestra Sanfônica Balaio Nordeste e Fulô Mimosa e maracatuzeira, tocando o instrumento alfaia, o tambor de maracatu, no movimento feminista de Baque-virado (Baque Mulher) e por fim, na única nação de maracatu na cidade de João Pessoa, a Nação de Maracatu Pé de Elefante.

Revisão: Caroline Sales

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