Conselhos de Alice para Alice*

Jéssica Modinne
Modinhas
Published in
5 min readJun 5, 2021
Alice meio chateada num jardim que não é seu, com flores mal educadas.

Ontem descobri que o Nando reis tem um canal no YouTube com vários vídeos que me pareceram muito francos. O Nando conta, na maioria desses vídeos, sobre as experiências que teve e tem no amor, na família, no trabalho, nas amizades, o que for. Um dos vídeos mais bonitos dele é sobre a história do relacionamento com Vânia, atual companheira e grande musa inspiradora das canções do compositor. Com ela, ele casou duas vezes e teve 4 filhos. Uma história não necessariamente bonita, mas valorosa nos aprendizados que Nando Reis, tão gentilmente, nos convidar a escutar e ver.

Assisti vários vídeos por mais de uma hora. Até que chegou um vídeo, mais recente, onde ele diz que o maior golpe que ele sofreu na vida, a coisa que mais doeu de escutar, foi uma pergunta feita pela filha, até então, adolescente, Sophia: “Pai, você fala tanto em amor, em amar, mas o que você faz com o amor que você recebe?”. Ele, relatando ter ficado pasmo, calado, sem saber o que responder, disse que nunca havia sequer parado para pensar nisso “Eu digo ‘eu te amo’, mas sou EU dizendo”. Um amor autocentrado, um amor de satisfação pessoal que não alimenta uma relação, mas sim o que ELE, individualmente, sente e consegue expressar materialmente.

Esse cara da foto é o Nando Reis. Caso você não conheça, de nada.

A questão aqui não é sobre como se expressa amor, ou como podemos agradecer pelo amor que recebemos, mas sim, literalmente, como elaboramos essa expressão, ou essas expressões, ao ponto de entender a linguagem de amor de quem nos ama (ou não ama), ou nas pessoas com quem convivemos, mesmo aquelas que não fazemos ideia de que existem. Este questionamento abre portas para nos descentralizar do que podemos achar que é uma “relação amorosa”, mas também das responsabilidades ética e moral que este confronto nos convida a viver.

É o tal do exercício de empatia que, inclusive, é um dispositivo que ajuda na sobrevivência da nossa espécie. Não é à toa que tanta gente tem sido jogada em valas aleatórias em lugares aleatórios num momento aleatória da vida aqui no Brasil. A pandemia do coronavírus trouxe uma política autocentrada em uma pequena e mesquinha elite econômica que pouco se importa com quem não põe dinheiro nas suas gordas contas de banco. A falta de empatia matou e mata um bando de gente e quem morre não é dessa elite.

A morte como estampa da política do desamor A.K.A ódio.

A falta de empatia, para além das desgraças materiais, atinge aquilo de mais íntimo, de mais doloroso e precário em nossas vidas; essa falta facilita uma miríade de quadros de risco em saúde mental e, consequentemente, risco de vida, de não conseguir sobreviver. Algumas pessoas já pararam para pensar como a violência psicológica, por exemplo, afeta a saúde física e mental de muitas mulheres, mas continuamos sendo assassinadas por discursos que tentam privar as nossas existências como de uma vida humana legítima. E o suicídio? Quem leva a culpa por uma menina gorda se matar dentro de casa, quando ela sofria gordofobia na escola, na faculdade, na família? Quem leva a culpa por um homem preto tentar se matar, ou mesmo conseguir se matar, quando ele sofre racismo no trabalho e dizem que ele é menos ser humano por ser preto? De quem é a culpa quando não há um senso coletivo de empatia em exercício nas nossas relações sociais? O que fazemos com as pessoas que conhecemos ou desconhecemos?

A falta de empatia destrói e/ou impede a construção de relações à nível micro e macro. Destrói “corações”, mas também acaba com vidas. Aquelas pessoas que pouco se importam em se colocar no lugar das outras pessoas; que acham que suas opiniões são regras, leis; que acusam e castigam quem não pensa igual a elas; que repetem este disco todas as vezes em que uma nova pessoa, uma ideia, uma diferença, cruza seus caminhos; estas pessoas estão sendo fascistas, LGBTQIA+fóbicas, machistas, misóginas, xenofóbicas, racistas, genocidas.

A falta de empatia engendra a morte existencial e material daquilo que não é igual, daquilo que é diferente. Os projetos de ódio, ou melhor as práticas e os discursos que os circundam, estão empapuçados de uma asquerosa “tolerância ao objeto estranho” e de eufemismos prontos para nos fazer pensar que somos culpades pelos sofrimentos que passamos; nós, vítimas. Mas não somos, nunca fomos e nunca seremos culpades pelo que nos foi obrigado viver.

Patrícia Abravanel, profissional herdeira, pedindo para que pessoas LGBTQIA+ tenham empatia pela sua “opinião” de “não concordar” com a comunidade (basicamente, “sejam empáticos com a minha LGBTQIA+fobia”). O discurso de empatia só é válido quando a medida é pessoal e não coletiva?

Defender a não violência contra a mulher e uma luta pela empatia, pelo amor que possa ainda existir nas rebarbas humanas de nossas frágeis existências, essas que se desfazem como asa de borboleta nas mãos de crianças (crianças não por serem inocentes).

Quando alguém não souber o que fazer com o amor que você dá, mulher, é porque essa pessoa não ama você. E, não, isso não quer dizer que você é “incapaz de sustentar um relacionamento”; quem é incapaz é quem não te ama. O Nando Reis fala muito de amor e fala o tempo todo, mas ele mesmo não sabia o que fazer com o amor que a filha dele oferecia todo dia — e, talvez, ele ainda nem saiba. Não ser amada não é sinônimo de ser uma “péssima mulher”, de ser intragável, “incomível”, entre outros adjetivos pertencentes àquele que preside o poder executivo no Brasil (ótimo exemplo da política do não-amor); não ser amada é algo que está fora de você, não pertence ao(s) seu(s) sentimento(s). É quem não te ama que tem que lidar com isso.

A você, compete continuar amando e procurando por amor, uma jornada difícil, trabalhosa, mas que floresce em você mesma e em mais ninguém. Um desafio, mas que também é possibilidade: faça desse amor um jardim só seu e plantar a empatia nele para que ela cresça voltada para você. Assim, você mesma rega e colhe essas flores sempre que quiser e precisar.

*Quero voltar daqui a uns dias, umas semanas, uns meses e reler essa carta que deixei para mim como um ato de empatia e amor a quem eu sou. Alice, de Alice no País das Maravilhas, certa vez, na animação da Disney, reclama que deveria escutar melhor os próprios conselhos por ser muito curiosa. Nesta cena, ela está perdida numa floresta escura, rodeada de criaturas nada amistosas e que, muitas vezes, são muito mal educadas quando ela pela ajuda. Esse texto, para mim, é o melhor conselho que eu posso me dar.

--

--