De Repente 30: por quem você desistiria de um sonho?

Jéssica Modinne
Modinhas
Published in
7 min readAug 20, 2021
Jennifer Garner como Jenna Rink, no cartaz do filme: auge.

De Repente 30 é uma daquelas comédias românticas clássicas da Sessão da Tarde e que a gente grava as falas dos personagens (eu gravei, me julguem). A Jenna Rink, adulta endinheirada e reconhecida profissionalmente (patroa), é tudo o que eu achava que eu podia ser aos 30 anos. Bem, talvez eu não esteja rica, morando em Nova York e andando de limusine pela Broadway, mas acredito que tenho um reconhecimento compatível com a minha profissão e com a área em que trabalho (gênero), levando em conta a minha experiência, o que me faz pensar que estou melhor do que a maioria de millenials que viram este filme no cinema.

O filme, basicamente, fala de uma menina que mora num subúrbio norte-americano na década 1980. Ela quer ser como as mulheres adultas e bem sucedidas das revistas, mas, aos 13 anos, ainda tenta ser o padrão de garota de qualquer filme de romance: bonita, esperta e popular. Jenna Rink (que, adulta, é interpretada por Jennifer Garner), na sua fase adolescente, tem um melhor amigo chamado Matt Flamhaff (que, em sua fase adulta, é interpretado por Mark Ruffalo) que, por sua vez, é muito apaixonado por ela. Enquanto ela tenta se aproximar das meninas mais populares da escola (lê-se “padrãozinho”), Matt sofre gordofobia e outras formas de bullying desse mesmo grupo de garotas.

Matt e Jenna na adolescência.

A história começa com os preparativos do aniversário de Jenna: vemos ela tentando simular seios com papel higiênico, se maquiando, penteado e usando roupas em tons neon no melhor estilo Madonna de início de carreira (aliás, a trilha sonora do filme conta com a música Crazy for you, de Madonna)*. Para a festa, que acontecerá no porão da casa, Jenna convida não apenas seu melhor amigo Matt, mas as meninas populares da escola — que a tratam como lixo. Na ocasião, Matt tenta declarar sua paixão para Jenna, mas a mesma não gosta da ideia, já que ele não está no padrão físico para garotos da idade dele, gerando imensa vergonha na personagem principal.

A partir daí o filme viaja anos no tempo e mostra como Jenna se transformou naquilo que sonhava ser, trabalhando na profissão que queria trabalhar, na revista de moda que sempre gostou de ler. Depois de muitas reviravoltas (as quais eu não acredito serem necessárias de explorar), Jenna, aos 30 anos, se vê muito infeliz por ter se tornado tudo aquilo que sonhava ser quando era adolescente e, principalmente, por NÃO TER O AMOR DE MATT que, por acaso, está noivo de alguém (acabei de escutar a Katy Perry gritando “THE ONE THAT GOT AWAY!”).

Jenna e Matt adultos e com boletos para pagar.

O filme todo se desenvolve nesse flashback de crushes da adolescência, o que é bastante divertido se a gente levar em conta a jornada do herói que Jenna vive; entretanto, há um problema aí e eu, agora com 30 anos, me identifico profundamente com a situação e quero problematizá-la aqui.

Ter 30 anos e ser bem sucedida, ou ter 30 anos e poder ficar com as pessoas que eu amo? Essa moral da história do filme só começou a me incomodar quando tive que escolher entre um dos dois e, sendo bem honesta, esse tipo de escolha é bastante sofrida para quem tem que fazê-la. Não deveria ser assim para nós, mulheres, mas a socialização que remete aos papéis de gênero nos disciplina a querer coisas que nós nem sabemos por que queremos.

Recentemente eu pude reviver uma paixão frustrada (não de adolescência — deus me livre –, mas da jovem adultês dos meus 20 e pouquinhos anos). Sigo, aliás, em sofrimento pela frustração, não só por não ter dado certo, mas pelos valores que se mostram na socialização de mulheres (oi, eu sou uma mulher) relacionados a cuidar e sustentar relacionamentos amorosos. Uma performance materna, diga-se de passagem, onde as pessoas que estão conosco acabam representando filhos, ou filhas, e nós acabamos em sofrimento quando a missão falha.

Apesar de reconhecer que existem muitos tipos de amor e que podemos amar várias pessoas e várias coisas em nossas vidas (conselho: nunca guarde todo o seu amor para uma pessoa), também preciso reconhecer que amor não é tudo; ele não se basta numa relação entre adultos e é preciso respeitar a(s) pessoa(s) que está(estão) com você de uma maneira bastante cuidadosa e genuína — o que não quer dizer que seremos um centro de reabilitação para as pessoas com quem estabelecemos responsabilidades emocionais/sentimentais. Amar essa pessoa (que eu continuo amando em estado de sofrimento) sempre foi algo difícil, estando ou não em frequente convívio. Parece que a sombra de todas as nossas tentativas frustradas me segue e, quando tenho a oportunidade de conhecer alguém diferente, alguém novo para me relacionar, essa sombra me relembra os melhores momentos que passei com essa pessoa. Não é uma sombra por ser ruim; é uma sombra de memórias e afetos bastante complexos e intensos.

Nesse semestre ainda pandêmico, esta pessoa retornou para o meu convívio de forma bastante rápida e extraordinária; eu nunca imaginei que podíamos retornar a nos falar. Tivemos um pequeno romance com algumas poucas lembranças e podíamos ter continuado, talvez? Mas eu não pude. A ansiedade que esse relacionamento me gerou por conta de uma ideia deturpada de que eu deveria cuidar para que nada desse errado (me tornando um centro de reabilitação), atrapalhou o meu trabalho e, quando eu percebi isso, na primeira oportunidade, preferi escolher a minha carreira. Diferente da Jenna, eu não quis voltar no tempo e fazer tudo diferente (pelo menos, no momento da minha decisão).

Sim, eu sei que isso soa egoísta, só que demorou para eu subir todos esses degraus sozinha. E, sim, eu preferia que essa pessoa tivesse me acompanhado, mas não foi assim. Um reencontro, como aconteceu com Jenna e Matt, pode trazer problemas novos e diferentes dos problemas que já existiam no passado. Não é só o quanto você ama e sempre amou alguém que vai dar o suporte necessário para o relacionamento ter alguma base, e isso é bastante lógico. Todavia, o meu sonho, os meus objetivos profissionais e o reconhecimento que eu quero alcançar não podem ser arriscados em nome de nenhuma pessoa, porque demorou chegar onde eu cheguei e foi e é bem difícil ter que alcançar o meu objetivo de vida precisando estar com a saúde mental em dia.

Acho essa ideia toda muito louca (e que a gente ainda é obrigada a engolir desde a infância) e me assusta um pouco me pegar pensando que tenho que cuidar e sustentar um relacionamento de amor romântico, este dispositivo bastante perigoso de manutenção de papéis de gênero — e, consequentemente, de violência contra as mulheres. Amor romântico, se a gente for parar para pensar, nunca deu muito certo na vida real, né? Ele é uma espécie de delírio coletivo onde se cria fobia de solidão para que discursos sobre heteronormatividades sejam exercidos de forma compulsória.

Mesmo que você ache que não, os casais que você conhece brigam e traem; geralmente, da parte de quem performa feminilidade no relacionamento, existe uma série de sacrifícios em nome da estabilidade do casal, desde a parte emocional, até a parte financeira — alô mulheres que trabalham fora, tem emprego, graduação e pós, mas chega em casa e o “companheiro” está no sofá assistindo o Netflix que você paga, comendo a comida que você comprou, usando a luz que você desembolsa e te traindo usando o wifi que você contratou! Quantas entrevistas de emprego esse cara conseguiu? O problema é só o desemprego gerado pela ausência de governo no Brasil, com políticas genocidas, ou tem mais alguma coisa que envolva o fato de você estar sustentando essa pessoa emocional e financeiramente? Transitemos pela relação, não pelos polos que a formam.

Casamento registrado com Tekpix: o quanto será que esses dois brigam por semana? Fica a questão no ar.

Muitas mulheres alcançaram alguma independência, especialmente a financeira — lembrando que isso se modifica em contextos de raça/etnia/cor, território e classe –, contudo, parte deste investimento ainda serve para cuidar e dar suporte (famoso sacrifício) aos relacionamentos que elas desejam, ou pensam que desejam ter — pois o Bem Sucedida PRECISA acompanhar a lógica heteronormativa de estar com alguém (e esse alguém deve ser um homem, porque a lógica é HETEROnormativa, impondo práticas LGBTQIA+fóbicas no hall das violências contra as mulheres).

Que difícil ser a Jenna Rink; que difícil ser bem sucedida e ter que aguentar ser chamada de amarga, mesquinha e arrogante por ocupar um espaço que, tradicionalmente, “não deveria ser de uma mulher" (O Diabo Veste Prada fala sobre a mesma coisa, né, meninas? Tutupom). Que doloroso é ver que, mesmo tendo conquistado o seu sonho, você, uma Jenna Rink, ainda tem que ser o alicerce de um relacionamento com um homem para ser bem vista e bem quista pelo resto da sociedade.

Amor não é tudo, repito, mas acrescento: porque o amor, para ser “tudo”, parece precisar que nós nos sacrifiquemos ao ponto de achar que está tudo bem não priorizar os nossos objetivos e buscar “o príncipe encantando” que vem num cavalo branco — cuidado: este príncipe pode ser o Sérgio Malandro em Lua de Cristal.

Este é o amor romântico que, aliás, a Jenna “escolhe” viver com o Matt no final de De Repente 30, voltando no tempo e deixando de lado a vida dos seus sonhos. Parabéns para quem redigiu o roteiro, ficou ótimo. Nota 2.

*Crazy for you, de Madonna, embala as minhas saudades desse amor frustrado, pois me sinto louca por alguém que não está mais comigo (ou me sinto louca por ser bem sucedida e não estar num relacionamento com um homem?).

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