Senhor dos Anéis | O fardo da Primeira Guerra Mundial

João Gabriel
Moeda Galactica
Published in
8 min readJan 27, 2020

Olá, viajantes! Toda essa situação que passamos há uns dias me deixou bem reflexivo a respeito de guerras. Fiquei pensando sobre como eu me portaria caso precisasse servir e o quanto os soldados devem sofrer, assim como as famílias. Lendo Senhor dos Anéis, no momento das batalhas, tive uma sensação diferente enquanto estava com essas ideias na mente. Então resolvi escrever este artigo… Pegue suas Lembas, sente-se em frente à fogueira e vamos viajar!

Já se imaginou numa situação de guerra? O que você faria? Como se comportaria? Conseguiria atirar em outra pessoa, mesmo sabendo que ela está ali, assim como a grande maioria, de forma forçada para defender um estado? Você defenderia seu país com toda essa agressividade?

Fiquei me questionando sobre essas situações há uns dias, em meio a todo este caos que tomou o mundo recentemente de confrontos envolvendo o Irã e o Estados Unidos. É difícil se imaginar em uma situação que não é uma realidade na nossa vida. Desde que nasci, não presenciei nenhuma guerra e as referências que temos são histórias que estudamos e contos fantásticos, como jogos de videogame que simulam a situação.

A questão é que, para mim, estes estudos sempre foram interessantes. Entender o que motivava as pessoas a batalharem, darem suas vidas pelos ideais do país. Mas acontece que os registros que temos, pelo menos para quem não estuda muito aprofundadamente a história, são apenas de olhares mais gerais. As pesquisas não falam emocionalmente como foi esse período e acredito que nem deveriam, pois perderia o peso de estudo factual atribuindo sentimentos àquelas pessoas.

Em um videogame é divertido guerrear, portar aquelas armas superpoderosas, traçar planos estratégicos para surpreender o inimigo. Mas, como todo videogame, aquilo não passa de ficção, como os filmes, desenhos e até mesmo novelas. Ali você descarrega um certo sentimento que não pode descarregar no mundo real e nem desejaria fazer isso.

Mas e como ficaria se hoje batessem na porta da minha casa e eu descobrisse que precisaria servir ao meu país numa guerra que acabara de começar? Milhares de pessoas em diversos países passam por isso, saem de casa sem saber se verá novamente a família. Sem saber absolutamente nada do que poderá acontecer com ela a qualquer momento.

Sou uma pessoa pacífica e você já deve ter descoberto isso através dos meus artigos. Eu prezo a vida sobre tudo o que acredito e, será que mesmo com esse ideal eu teria coragem de apertar o gatilho contra uma pessoa? Certo, eu não fui selecionado para o exército, portanto ainda não tive nenhuma experiência de treinamento ou preparação para esses casos e sei que ele existe. Mas, ainda assim, eu sei que do outro lado não tem um inimigo, e sim uma vida, prestes a atirar em mim para se defender e, talvez, eu nele.

Entrando na Terra Média

Fiquei muito tempo com essas ideias coladas na minha mente. Eu imaginei, refleti, me doí por coisas que nem aconteceram e sofri por pessoas que precisam ter essa experiência de estar numa linha de combate. Para abstrair um pouco disso, fui reler um dos meus livros preferidos: Senhor dos Anéis.

Descobri que entrar na Terra Média com estes pensamentos foi a melhor coisa que pôde acontecer. O livro conversou comigo de outra maneira, me pôs na história e me passou sentimentos que me fizeram suspirar de uma forma que eu ainda não tinha me conectado ainda.

As palavras do Professor Tolkien soaram com um peso mais profundo que me fez compreender o fabuloso manifesto que ele deixou ali mostrando o quanto uma guerra pode ferir alguém. Eu senti, me arrepiei e fui pesquisar, estudar alguma relação entre o Senhor dos Anéis e as guerras. Eis que encontrei exatamente o que eu queria: a experiência de Tolkien com a Primeira Guerra Mundial.

O professor foi mais um dos muitos famosos que serviram a exércitos durante a primeira guerra, que levou cerca de 9 milhões de soldados. Uma felicitação foi que ele saiu um sobrevivente e, para nossa sorte, resolveu transcrever sua experiência para uma das obras mais icônicas da história: O Senhor dos Anéis. Responsável por criar um universo mágico que hoje é usando em praticamente tudo que se enquadra em fantasia.

Tolkien era filósofo e professor universitário e, após se formar em Língua Inglesa, na Universidade de Oxford, em 1915, ele entrou como segundo Tenente para uma das frentes de soldados que serviram na Primeira Guerra Mundial. Muita coisa aconteceu desde então, ele precisou mudar de batalhões e foi dispensado de um confronto no ano seguinte, se casando e voltando aos campos de batalha logo em seguida.

Após contrair uma forte doença causada pelas trincheiras, Tolkien se tornou inábil para os campos de batalha e foi utilizado, desde então, para servir no posto de guarnição militar.

Minha intenção não é entrar em detalhes de como foi a vida dele durante este percurso na guerra, mas apresentar como declarou isso através do Senhor dos Anéis. É válido dizer aqui que Tolkien desenvolveu uma forma de escrita única, pois precisava se comunicar durante a guerra de uma forma que não fosse interceptada num período onde os equipamentos que utilizava estavam com problemas.

Do Condado a Mordor

Se você parar para analisar todo o arco do Senhor dos Anéis, vai perceber que conta a vida de um soldado que, assim como outros milhões, não fazia ideia de como se relacionar e comportar em um campo de batalha, o que é o nosso caso. Frodo Bolseiro já era sobrinho de um renomado ex-guerrilheiro de alta classe, destinado a se tornar Tenente e comandar um grupo de combate na primeira oportunidade de guerra que surgisse.

Independente disso, a família Bolseiro vivia num local tranquilo, de paz e sossego, sem se colocar em risco ou encrenca alguma com ninguém. Até que num belo dia o líder de uma tropa bate à porta e recruta Frodo com uma missão, esta que vai contra todo o ideal do exército inimigo com o intuito de promover a paz em toda a Terra Média.

Caramba, imagina que isso acontece realmente com milhões de pessoas que vivem suas vidas pacificamente e, de repente, precisam parar com tudo, se armar e entrar num grupo de guerra.

Tá, agora preciso falar de Sam, que é um caso ainda mais sério, digamos assim. Na primeira guerra mundial, existiam soldados que eram denominados “batmen” (pode dar uma risadinha que eu sei que você pensou a mesma coisa que eu). Bem, essas pessoas eram colocadas como fiéis escudeiros de soldados de alto calão, que basicamente vinham de famílias com mais poder aquisitivo, não necessariamente tinham experiência ou preparação em campo.

Geralmente os oficiais e seus batmen criavam laços de amizade muito fortes, pois eram grandes parceiros para todo o momento em uma situação complexa e, ao fim de guerra, foi possível encontrar muitos oficiais mortos ao lado dos seus escudeiros, como um laço inquebrável mesmo.

Observe que em toda a história, Sam se referencia a Frodo apenas como Sr. Frodo ou Mestre, sendo a pessoa responsável por cuidar dele em toda a ocasião, limpando, cozinhando e oferecendo até mesmo suas roupas em situação de frio. Além disso, Sam é um Gamgees, família muito mais pobre do que os Bolseiros.

Quer mais uma prova? Veja esse relato do próprio Tolkien: “Meu Sam Gamgee é, de fato, um reflexo do soldado inglês, dos soldados comuns e batmen que eu conheci na guerra de 1914, os quais eram muito mais superiores que eu.”

Outra coisa que preciso pontuar é a discrepância entre o Condado e Mordor. Condado é a vila onde ficam as tocas dos Hobbits, que vivem em plena harmonia e tranquilidade. Mordor se assemelha ao inferno, onde o grande vilão está e os exércitos se encontram, local de maior força da Guerra.

Durante a Primeira Guerra Mundial um território que foi chamado de “Terra de Ninguém”, onde vários exércitos deixaram armadilhas e armamentos pesados devido a neutralidade do espaço. Alguns exércitos tentavam avançar com suas tropas por ali, mas vários deles acabavam mortos. Há quem diga que Mordor foi inspirada neste lugar.

Por isso a sociedade do anel só consegue entrar em Mordor munida com grandes animais, que podem ser representados por tanques de guerra e máquinas mortíferas criadas no período, além de um vasto exército e Gandalf, que conseguiu sua promoção a mago branco.

Em relação à terra de ninguém, os exércitos encontraram, com os tanques e máquinas, uma forma veloz e protegida de passar pelo espaço neutro, sendo simbolicamente uma destruição do local que, convenhamos, já apresentava um visual pavoroso da morte.

O Fardo do Anel

Pensando nos Hobbits como os soldados que não saberiam como se proteger em uma guerra (meu caso e, possivelmente, o seu também), a missão de Frodo e Sam é realmente algo muito complicada. Novamente por ser um mundo em que não estão habituados e verem coisas que não imaginariam presenciar.

Imagine como seria a volta dessas pessoas de uma guerra. Como ficariam de sequelas e consequências físicas e psicológicas. Imagine você saindo para ir guerrear hoje e voltando 4 anos depois com amigos mortos e se lembrando de tudo o que viveu. Seria intenso, não?

Mas, mais do que isso, como se sentiria enquanto estivesse na guerra? Qual seriam seus pensamentos quando estivesse deitado nas trincheiras, com armas nas mãos e a possibilidade de ser atacado a qualquer momento? Alguns dos soldados não aguentaram esta pressão e desenvolveram sintomas psicológicos que derivaram de toda a situação estressante, mas, peculiarmente, também do armamento e metais que precisavam utilizar.

Shell Shock, como ficou conhecido, foi uma série de sintomas que os soldados tiveram com as máquinas e situações pelas quais passavam, como desordens funcionais e sensoriais, disfunções autonômicas e outros sintomas psicológicos que os impediam de dormir e os mantinham em constante pânico.

Considerando que o anel simboliza a arma em si, já que tudo seria resolvido se ele fosse destruído, o Fardo do Anel, que complica toda a saga dos nossos hobbits é o puro Shell Shock agindo em Frodo, visto que ele mantém os sintomas mesmo após toda a guerra ser vencida.

Frodo e Sam se mantiveram amigos, criaram uma aliança mais do que forte, mesmo passando por todo este contexto. Muitos soldados não conseguiram este final feliz. Ficaram sem seus amigos, família e, milhões deles, sem a própria vida.

Professor Tolkien conseguiu passar, com suas palavras, o fardo que trouxe da Primeira Guerra Mundial e deixar bem claro que essa situação não é nem um pouco agradável.

Se gostou deste texto, talvez também goste de “Star Trek | Nem tudo se resolve com guerras”.

É isso, viajantes! Acho que esse texto está longo demais já, mas acho que ele serviu mais de desabafo do que outra coisa, haha. Espero muito que tenha gostado e, se quiser, eu ficaria feliz que compartilhasse com sua sociedade do anel. Acompanhe o Moeda toda semana, que sempre tem coisa nova. Até a próxima viagem.

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João Gabriel
Moeda Galactica

Fascinado pelo universo fantástico, desejo motivar as pessoas a correrem atrás de seus sonhos através de palavras e experiências da vida do nerd que vos fala.