© Aarón Blanco Tejedor

[a prática do não-julgar e a empatia]

monica march
a panaceia
Published in
4 min readDec 22, 2021

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Antes de começar a escrever o artigo em si é preciso dizer que a ideia aqui não é gerar comparação ou ser alvo de pena. Se existe algo que não me interessa nessa existência é criar atritos. Sou da turma que constroi pontes, mesmo que para unir culturas e pensamentos totalmente distintos. O principal objetivo é falar sobre a importância de se julgar menos o outro, porque, no final do dia, nunca se sabe de verdade o que aquela pessoa viveu e/ou como isso ressoa, ressoou ou ressoará em sua vida.

quem vê cara não vê o coração nem os corres

Quem vê meu perfil por aqui ou em redes sociais imagina muitas coisas. Algumas são óbvias mas outras, que estão na origem do que sou hoje, muito poucos sabem. Claro que sou extremamente privilegiada: nasci branca, sem qualquer tipo de deficiência, em uma família classe média. Mas isso não quer dizer que o caminho foi ou é fácil.

Quando vim para o bairro onde moro desde os 3 anos de idade, Moema era longe de tudo, um córrego aberto passava a uma quadra, e o prédio onde ainda vive minha mãe nem garagem tinha para todo mundo. Foi um dos primeiros edifícios da região e ter um imóvel aqui era infinitamente mais barato do que é hoje. Esse imóvel foi doado por meus quatro avós para minha mãe na ocasião da morte repentina do meu pai em um acidente de carro, quando minha irmã tinha 5 anos e eu, sete.

Minha mãe, viúva, parou a faculdade para fazer bicos e sustentar a casa. Acabou indo trabalhar em um colégio pequeno próximo da nossa casa, onde estudamos com bolsa por toda a vida, o que nos permitiu ter uma educação mediana. Foi lá que consegui meus primeiros empregos, como auxiliar de secretaria aos 13 anos e, mais para frente, como auxiliar de biblioteca (vaga que passou a ser ocupada por minha irmã quando saí para fazer a faculdade). Minha irmã e eu nunca participamos de atividades extra-classe com nossos amigos: não havia tempo nem dinheiro.

Além do trabalho no colégio, minha mãe continuava fazendo bicos para complementar a renda. Ela queria que fizéssemos cursos de línguas, que tivéssemos oportunidades melhores do que as que ela teve, porque nunca se formou, tinha apenas formação técnica em contabilidade. E ser mãe viúva de duas meninas nos anos 1980 tirou dela basicamente a vida. Não havia como criar duas crianças com a situação financeira que ela tinha e aproveitar o tempo.

O exemplo não é a principal coisa que influencia as pessoas, é a única coisa [Abraham Lincoln].

Minha mãe foi uma guerreira. Graças a ela e a esse sacrifício, que só depois de muito mais velha compreendi e assimilei de verdade, consegui chegar onde cheguei, e, junto com todas as experiências que vivi, me tornar quem sou.

Do colégio saí para a faculdade, onde também fui bolsista parcial. Fiz estágios desde o primeiro ano e no terceiro já tinha transferido o curso para a noite, pois precisava trabalhar oito horas por dia para conseguir pagar as mensalidades. Me formei em jornalismo e alguns anos depois minha irmã se formou em direito, na USP. Um orgulho imenso para nossa mãe.

Você pode estar se perguntando se hoje tenho mais do que tinha quando era pequena, quando se pensa em situação financeira. Não muito. Continuo sem estabilidade financeira, sem dinheiro guardado, sem ter uma casa minha, não tenho carro ou bens (na verdade tenho cada dia menos coisas) e, mesmo com todo o conhecimento que acumulei e expertise que tenho, continuo refém de um mercado de trabalho injusto que prefere pagar pouco e remendar erros visando lucros altíssimos em detrimento das pessoas. Capitalismo selvagem, que precisa ser repensado com urgência.

Continuo sendo muito privilegiada. Mesmo desempregada há meses, posso, por algum tempo ainda, buscar por trabalhos dos quais eu tenha orgulho em fazer parte, em empresas que tenham propósitos maiores do que apenas lucro, que olhem para o mundo e as pessoas com empatia, entendendo que estamos todos no mesmo barco (e ele está afundando cada vez mais rápido, infelizmente).

Nem sempre quem é de verdade sabe quem é de mentira. A minha verdade não é a verdade do outro, porque a minha dor não é a dor do outro.

Aprendi, com tudo o que aconteceu comigo, a ter um olhar mais empático para o outro, porque, assim como fui julgada injustamente tantas e tantas vezes por quem não sabia o que eu vivia de verdade, é impossível saber pelo que está passando alguém que não é você. Esse exercício, que é constante, nunca para e me ensinou o valor do não-julgamento.

Quando olho no espelho aos quase 50 gosto do que vejo e sinto. Uma pessoa que luta pelo que acredita, mas que aceita o caminhar e as mudanças que ele traz com mais serenidade. Mais importante que tudo: alguém que se aceita, que traz verdade no que é e no que faz, respeitando o outro e tentando fazer o máximo para que a saúde do planeta e das pessoas melhore.

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monica march
a panaceia

ando descalça pela vida • editora do a panaceia ••• i walk barefoot through life • editor of her view