[espelho, espelho meu]
Estava lá escrito no cartaz pra todo mundo ver: dia do beijo. Parecia que alguém queria pregar uma peça nas pessoas, mas depois descobri que era verdade. Existia mesmo um dia assim, em que beijar era oficial.
Sai triste, andando por alamedas em tons de laranja que pareciam se estender para além de onde se podia avistar. Dias de comemoração, para mim, são desculpas para redimir a falta de atenção em todos os outros dias "normais" e que — juntos — são muito mais importantes.
Lembrei do papel que estampava, orgulhoso, uma boca que pedia para beijar. As bocas pedem beijos todos os dias. De preferência, várias vezes. Todo dia é dia de beijar. Todo dia é dia das mães, dos pais, das crianças. Todo dia se pode fazer a diferença para alguém com quem se importa, se vive, a quem se ama, de quem se sente falta.
Incomoda essa importância que as pessoas dão às datas que nem mesmo foram elas que instituíram. É muito mais romântico ganhar flores no mesmo dia em que se conheceu aquela pessoa especial, ano após ano, do que receber buquês no dia dos namorados. É muito mais legal receber um presente surpresa, que alguém comprou porque achou que era "a sua cara", e não porque é Natal e todos têm de colocar algo embaixo da árvore.
Atravessei a rua em direção a uma vitrine colorida e vi meu reflexo no vidro. Ali estava eu, olhando passar o tempo. Tic-tac, tic-tac. O relógio nunca parou. Levou com ele todos os anos de comemorações sem significado, sem história, sem sentimento. Me sentia leve, mas vazia.
Onde estava a pessoa que eu gostaria de ser? Ficou perdida páginas atrás, sem rumo. E havia tanto por beijar. Tanto por viver.
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