Espero que sua vida sexual piore em 2018

Porque, do jeito que está, também não dá mais

Seane Melo
a panaceia
5 min readDec 29, 2017

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Fonte: Crazy Ex-Girlfriend

O ano quase todo foi um sofrimento só. Minha vida sexual parecia aquelas notícias sobre o nível de água na Cantareira, em plena crise hídrica de São Paulo. Seca o ano todo, uma chuva aqui e outra ali, que nem parecia estar caindo no lugar certo. Já estava me preparando pra terminar o ano admitindo que a vida sexual perto dos ou depois dos trinta era ladeira abaixo para quem ainda apostava as fichas no sexo casual. Pra falar a verdade, minha esperança no sexo casual já estava em estado terminal antes mesmo de 2017 começar, mas eu tinha me mudado para outra cidade e o único cara com quem consegui sair por mais de três encontros seguidos, desapareceu, então, não era bem uma questão de escolha. Tava mais pra pegar ou largar.

Assim, em 2017, teve umas duas vezes em que me arrisquei em encontros com recém conhecidos para, no dia seguinte, ter uma DR interna, na qual eu admitia que aquilo não dava mais pra mim e jurava que da próxima vez ia deixar passar. Não gosto de ver as pessoas ou de me sentir como um “é o que tem pra hoje”. Decidi parar de arriscar pelo menos até trabalhar umas questões minhas, como a falta que um certo grau de intimidade estava fazendo nas minhas relações ou como o medo de ferir o ego do outro estava me impedindo de explicar que, na verdade, para me deixar feliz, era preciso fazer exatamente o contrário de algumas coisas que estavam sendo feitas. Fui me descobrindo ranzinza, preocupada e frustrada, como nunca tinha me sentido antes. Parecia que a sorte não ia mais facilitar pra mim. Os encaixes perfeitos não estavam acontecendo sozinhos e até os encaixes antigos não pontuavam mais tanto num tetris da vida. Diante da minha incapacidade e falta de disposição pra tentar cavar essa tal intimidade sozinha, jurei mil vezes pras amigas que não ia mais tentar sair com ninguém. Até que tive uma revelação.

Corta a cena pra eu e um boy sentados numa mesa, depois de beber umas duas cervejas. A gente decide comentar nossa vida sexual por causa de algum conto meu. Ele solta:

“Passei um ano quase todo transando com várias minas diferentes, com muitas, sério (nesse ponto eu tava quase engasgando com uma risada). Só que foi horrível, parece tudo igual, tudo aquele primeiro sexo ruim, sabe? Comecei a ficar preocupado com não conseguir sentir mais prazer”

Quando acabou de dizer, eu era uma mulher aos prantos, prostrada no chão, fazendo uma oração de agradecimento. Pelo menos mentalmente, era esse o meu estado. Constatei que sentia satisfação e alívio. Finalmente, uma rachadura, um sinal de crise naquela sexualidade tão cheia de privilégio e isenta de questões. Será que a partir da identificação do problema, ele também procuraria explicações ou soluções? O palpite dele era de que o pornô estava atrapalhando suas expectativas de sexo, o meu palpite era de que ele esperava abertura daquelas mulheres sem oferecer nada em troca. (Talvez também consequência do pornô, mas dificilmente uma que se resolveria simplesmente pela interrupção do consumo).

Decorei a frase pra refazer, na minha cabeça, todas as cenas em que um cara broxou ou teve alguma dificuldade na cama. E substituí aqueles “não sei o que tá acontecendo” ou “nunca tinha rolado isso antes” por “desculpa, é que parece tudo aquele primeiro sexo, tô meio sem jeito, a gente não se conhece tanto”. O resultado era um alívio instantâneo.

O relato de sofrimento masculino, pra ser bem sincera, lavou a minha alma. Passei o fim de semana seguinte, saboreando aquelas declarações e relembrando todas 1 bilhão de conversas em que escutei uma mulher reclamar que não queria muito, só um P.A. maneiro, um cara que estivesse disponível e desse pra confiar. Eu mesma não quero nem contar quantas vezes um cara zerou a nossa barra de intimidade, tão custosamente em progresso, com uma mensagem sem resposta, com uma mentira horrível pra não admitir que não tava a fim de me ver no dia ou com uma frieza gratuita para me passar algum recado que poderia ser dado de 345 outras maneiras mais decentes. Diante disso, precisaria ser louca pra fingir que, depois de duas mensagens no vácuo (uma delas um gif de gato) e de três a seis meses sem notícias do sujeito, transar com ele não seria como refazer do zero todo um trabalho de vistoria de terreno.

Como consequência dessas experiências, passei a me sentir constantemente na defensiva e a perceber que o que os caras estavam dispostos a oferecer não era mais suficiente preu tapar o Sol com uma peneira. Felizmente, esse texto não é sobre como o boy da mesa de bar e a confissão de crise resolveram os meus problemas. Mas não pude deixar de me sentir esperançosa com essa conversa isolada. A partir dela, parei de sentir que as questões que tinha eram só minhas, como se eu fosse a única sem conseguir me divertir num jogo pra dois, e parei de procurar o que estava fazendo de errado para focar no que podia fazer de certo enquanto vivia esse momento mais solitário.

Nos últimos dias desse ano, uma garota ressuscitou uma série de tweets em que eu dava supostas “dicas de transa” e isso fez com que me perguntasse que dicas eu acrescentaria depois desse ano ruim. Fiquei pensando que o meu maior aprendizado foi o de decidir ser mais ativa na busca do meu prazer, deixando de esperar que adivinhassem meus pensamentos. Aliás, decidi alimentar esses pensamentos para não me esconder mais atrás de “ai, não sei o que eu quero”. De fato, nem sempre sei com clareza o que quero mesmo, mas agora tenho bons palpites de por onde começar. Também parei de confundir intimidade com acomodação e respeitei a minha vontade de estar ao lado de quem já conheço e gosto.

Poderia terminar esse texto dizendo que foi preciso chegar ao “volume morto” para me obrigar a tomar (pequenas) decisões nesse setor na minha vida. Mas não acho que, nós, mulheres, devemos ou precisamos chegar em qualquer ponto crítico. Por outro lado, desejo sim, do fundo do meu coração, que a vida sexual dos homens héteros (let’s generalize about men, ok?) piore e que isso sirva de gatilho para realmente repensarmos as formas de envolvimento sexual atuais, se possível com urgência. Enquanto a gente vai vendo o que dá pra adiantar, eles vão tratando de aprender o que a gente já descobriu há algum tempo: do jeito que tá, não vai mais dar.

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Seane Melo
a panaceia

Jornalista e escritora maranhense, autora do romance “Digo te amo pra todos que me fodem bem”