O longo e delicado processo de construir a si mesma

Gabi Machado
a panaceia
Published in
4 min readJan 5, 2018
(arte por ceruleanwax)

Adianto que vai dar trabalho e que vai demorar.

Este não é um processo instantâneo.

Também não é possível pesquisar tutoriais na internet, pedir ajuda à sua mãe ou implorar que um amigo faça por você.

Só você pode fazer isso, mesmo que doa, e geralmente dói.

Mesmo que não saiba como, já que boa parte do esforço é exatamente perceber que não sabe, nunca soube, mas precisa aprender na prática. As regras também serão criadas por você, após as tentativas e os erros frequentes, anotações no escuro, epifanias antes de dormir e gotas de suor escorrendo da sua testa para o papel.

Você precisa ser a cientista e o objeto de estudo de si mesma.

Que mulher você é hoje e que mulher você gostaria de se tornar? Qual a distância exata entre elas? Como vencê-la?

Já que foi ensinada desde criança, com toda dedicação possível, a andar perto das paredes, a engolir a própria voz, a não ter opiniões fortes pois nunca seriam ouvidas e a encolher até quase sumir e caber dentro do bolso de qualquer homem, é preciso agora aprender a fazer o caminho inverso. Primeiro, parar de se tornar uma miniatura de si mesma e permitir-se virar gigante.

Depois, deixar reverberar os pensamentos e opiniões que zumbem na sua cabeça como vespas inquietas e podem ganhar o mundo através da sua voz. Se não estão ouvindo, é porque precisamos falar mais alto e gritar, se necessário. Descolar dos muros e andar na rua como se ela também fosse nossa e não como se fôssemos meras visitas nesse mundo.

Ao executar estes primeiros passos, já fica notável o desconforto dos que acharam que poderiam enjaulá-la ou guardá-la nas palmas das mãos suadas. Não caber em expectativas, padrões e regras dos outros, não se esqueça, é um sinal de que tudo está indo conforme o planejado.

Sobre os homens, vale compartilhar um conselho de campo de guerra amigo: é imprescindível continuar lutando. Lutar para que o amor não seja uma algema, um domador de circo, um quarto sem janelas. Amar alguém e ser amada de volta não é algo que deva validar sua existência ou uma moeda de troca para sua liberdade. Também a hora de abaixar a guarda e descansar as armas deverá ficar óbvia de longe, caso contrário, recomenda-se permanecer no posto.

Acima de tudo, nenhum homem ou mulher deve definir a sua autoestima e o seu valor. Nenhum emprego, nenhum chefe, nenhum diploma, nenhum contra-cheque, nenhuma amizade, nenhum parente, nenhum aluguel, nenhum texto, nenhuma cartilha de regras.

Quem define o quanto você vale é você e os novos olhos que criará a partir de então para se ver com mais gentileza e paciência. Para enxergar o espaço que ocupa em seu entorno, quem vai ganhar o direito de permanecer nele e quem deve tê-lo revogado.

Construir a si mesma é um trabalho diário que na verdade nunca acaba e exige todo o esforço que estiver ao seu alcance, como os animais que demoram semanas dormindo na chuva até conseguirem construir uma casa segura e forte, à prova de predadores.

É preciso muita coragem para destruir a mulher que você foi até aqui e reconstruir a partir dos escombros e aprendizados a mulher que será de agora em diante, mas costuma valer a pena. Mesmo que doa, que demore a vida inteira, que seja na maioria das vezes um trabalho triste e solitário, você dizendo a si mesma cem mil vezes que é importante e merece ocupar espaço nesse mundo.

Tenha em mente que a cada vez que uma de nós que se reergue, o resto do bando se renova para o que vem pela frente e se fortalece por dentro, mas, sobretudo, não deixe a mulher que ainda será esperando impaciente dentro de você. Arregace as mangas, reúna tudo que precisa e comece a montar o quebra-cabeças infinito que é você mesma, pecinha por pecinha, sem imagem na capa para ajudar, noite após noite depois do expediente.

Quando der um passo para trás e apreciar a sua obra, vai se surpreender com a figura que forma no final.

Seja bem-vinda à nova você.

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