Aceitar o vazio

Monica Santana
Monica Santana
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2 min readMar 24, 2020

As águas antes de cairem céu abaixo, meio que explodem por debaixo de minha pele e submergem em urticária. Uma urticária tão intensa que não me permite agir, pensar, apenas parar. Nem sempre posso parar e crio mecanismos de disfarçar o meu corpo em explosão e toda irritação que esse momento me acomete. Ontem parei e deitei. Não havia nada a fazer a não ser esperar. Esperando a fúria da pele passar, assisto o céu desabando sobre a mata verde. Logo mais, o barro vermelho tomando parte da rua: dignificando o nome desse território rio vermelho. Assisto a borboleta que cruza a rua vazia.

Hoje a intensidade do silêncio permitiu que os pássaros visitassem minhas plantas. E o canto tão forte destes visitantes, afastou o gato que saiu um pouco apavorado — na sua brevíssima vida, ainda não avistara de perto as aves. A vida de apartamento rouba um pouco de sua natureza selvagem. As samambaias estão absolutamente perfuradas por uma praga que desconheço.

Espero o moço do gás chegar. O café terá forte atraso hoje. Não tenho pressa. A cliente informou a suspensão do contrato, por conta dos fatos ocorridos. Respiro. Terei que fazer contas. Terei que fazer planos. Agora, apenas respiro. Olho o céu cinza, sem nenhuma melancolia. Ouço Minas tocando: Milton apazigua minhas águas.

Apenas espero. E na minha espera, escrevo. Aceito que as palavras de mim são também expresão da água consumida pelo fogo que abrigo em meu ventre. Aceito a espera. Aceito o tempo que não posso mudar. Aceito a carta da Temperança, O Eremita e a Roda da Fortuna. Aceito o 6 de Copas. Aceito. Não me resta nada. Aceitar.

Não apregoo regras: faz o que tu queres, pois é tudo da lei. Mas vos digo, você que me lê: aceita. Aceita que está enclausurado, que o mundo lá fora muda regras e que não temos menor ideia como será o abril, o maio, o junho. Não sabemos. Apenas aceita. Aceita a angustia. Dela não fuja: ela nos espreita, mesmo os que fingem não a ter. Há angustia. Aceita que a respiração está difícil e coloque os pés no chão. Olha o céu sobre si: respira. Assiste a criança pulando no sofá. Assiste. O sono do gato. A vida que irrompe o grão de feijão. Não preencha todas as horas com tarefas: será que precisamos de toda essa produtividade ou talvez, em tantos anos, escutar aquilo que não se houve no turbilhão das demandas.

Aceita o vazio. Ele dói e é insuportável. Não saber o que vai ser, dói. Contudo, como não paro a alergia, nem a chuva, não há como controlar o tempo. Aceita. Entrega. E respira.

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Monica Santana
Monica Santana

Sou Multidisciplinar. Jornalista, performer, dramaturga, atriz. Educadora e Doutoranda em Artes Cênicas. Quatro planetas em Sagitário: Seta apontada para o Sol.