#3: as noites que você não quis ir embora

J. Iulia
monologosdoapocalipse
2 min readJun 10, 2020

Parece difícil entender que o tempo passa quando somos marcados por momentos específicos demais para não serem sentidos abruptamente em um dia qualquer, anos depois, sendo você uma pessoa qualquer, diferente mesmo, do que era quando estava ali, vivendo.

Em 2017, na Santa Cecília, comendo tempurá em uma feira, sentado na minha frente a pessoa que estava comigo na época, que agora é só a pessoa que estava comigo na época. Mas quando ela estava ali, banhada por luzes roxas e azuis, misturadas à luz incandescente da barraca de tempurá, era mais do que só a pessoa que estava comigo na época, ela compunha o ambiente, de modo que eu vi posteriormente em alguns filmes o mesmo sentimento daquela cena. Era admiração, encantamento, eu admirava ali, sentada o conjunto das luzes, todas as cores do ambiente, as luzes roxas que saíam do salão de cabeleireiro do outro lado da rua refletiam onde estávamos sentados, banquinhos brancos de plástico. E o barulho da chapa na barraca, da comida sendo feita ali aos ventos, o barulho das pessoas que passavam, os carros, as risadas altas das outras barracas. Havia muito movimento. Era começo de noite. Eu não comi o tempurá, mas eu engoli todo aquele lugar de uma vez, cheguei em casa satisfeita.

Também teve aquela outra noite, no carro de um estranho que eu tinha entrado, comida árabe leve que a gente come e não sente depois, eu estava confortável demais ali pra ir pra casa, e só fiquei, eu sempre fico. Eu lembro da escuridão do caminho, o cimento das construções nas ruas, quando eu olhava pela janela e olhava o acostamento, a luz do poste refletindo no acostamento acinzentado, e o céu parecia terminar num roxo bem escuro. Eu checava o que tinha na mochila enquanto era levada pra um lugar estranho, mas eu sempre me senti confortável na casa dos outros, minha avó chegou a me chamar de andarilha.

--

--

J. Iulia
monologosdoapocalipse

22 anos, brasileira, com ideias e planos no papel. Nada muito concreto. Não escrevo sobre mim, escrevo sobre experiências, reais ou fantasiosas.