2 poemas de Milena Martins Moura

Mormaço Editorial
Revista Mormaço
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3 min readNov 24, 2021

nascer
crescer
perder dente
ir pra escola ter o lanche roubado
aprender a rir de si antes que o façam
fazer caderno de caligrafia
e dever de casa demais
não receber apoio
desistir um pouco a cada dia
amar quem não ama em troca
tomar uns tocos
tomar uns chopps antes dos dezoito
escondido
escolher a vida aos dezoito
sem muita certeza
e sem saber que vida não tem ctrl z
tomar uns chopps depois dos dezoito
na hora da aula
escondido
não entender muito bem porque o diploma não fez o efeito esperado
tentar desvendar como se ganha experiência
quando só recrutam com experiência
trabalhar sem ergonomia
e com peso nos ombros
se arrepender
envelhecer
não se aposentar
morrer
e não conseguir avisar
pra lhe calçarem
os bons sapatos
aqueles sem rasgo na frente
guardados pra uma ocasião especial

esse calor
é só para lembrar
que existe fogo

no forno aceso no cimento do quintal no isqueiro
entre as minhas pernas
existe um fogo inextinguível

darwin darwin conhece
a evolução favorece

fogo no corpo
não se apaga em água benta

disseram assim na minha vida

vagina é erro é defeito
é nome feio
vergonha

vagina é alfa
ômega
e vergonha

é parte suja do corpo
é pecado é pecado
ofertar ao namorado
esfregar na fronha

deus proíbe
deus castiga
só deus dá vida

e esqueceram que é aqui,
na carne fêmea
que entra vida
cresce vida
explode vida

mas botaram deus no masculino
e a ele concederam o poder

e no meu útero lateja qual membro à força a lei dos homens

Poemas que integram o terceiro livro da poeta carioca Milena Martins Moura, A Orquestra dos Inocentes Condenados (Editora Primata, 2021). “Orquestra” foi escrito durante a pandemia da Covid-19 e enfrenta os efeitos nocivos da solidão e do medo provocados pelo isolamento social, trazendo pensamentos sobre a finitude e a fragilidade da vida, memórias nostálgicas fundantes e uma discussão necessária sobre a neurodiversidade entre mulheres.

Milena Martins Moura nasceu no subúrbio do Rio de Janeiro em 1986. É poeta, editora, tradutora e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Publicou também os livros Promessa Vazia (2011, contos), Os Oráculos dos meus Óculos (2014, poesia) e Banquete dos Séculos (edição da autora, 2021, poesia). É editora da revista feminista cassandra e integra as equipes de colunistas da revista Tamarina Literária e de poetas do portal Fazia Poesia. Tem poemas e contos em portais e revistas como Subversa, Torquato, Mallarmargens, Ruído Manifesto, Desvario, toró, Arara, Kuruma’tá, Aboio, Arribação, Totem Pagu, Granuja (México) e Kametsa (Peru).

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Editora e revista independente de Literatura Brasileira Contemporânea.