Identidade Auto-Soberana Parte 1

Definindo conceitos

Mosaico University
Mosaico University
3 min readJun 22, 2018

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Por Juan Meleiro

Resumo

Há um problema na maneira como lidamos com identidade hoje. Na verdade, há vários problemas. No mundo digital e físico, usamos formas incongruentes de identificação; cada qual com suas próprias vantagens e desvantagens. Vazamentos de dados de grandes empresas como Facebook ((“Facebook–Cambridge Analytica Data Scandal” 2018)), que hoje são grandes provedores de identidade centralizados, colocam em risco a privacidade e os direitos dos usuários. Por outro lado, documentos de identificação físicos são incongruentes com relações virtuais. Veremos como soluções criptográficas podem (novamente) trazer uma nova visão sobre o assunto, condensando as qualidades das duas abordagens no conceito que conheceremos como identidade auto-soberana. Para isso, numa série de quatro posts, exploraremos o que é identidade, quais os problemas das nossas soluções atuais e quais são algumas possíveis soluções.

Identidade é um assunto complexo, envolto de debates filosóficos de longa data (Noonan and Curtis (2018)). No entanto, é possível adotar uma visão prática sobre o tema — encontrar uma definição funcional (i.e., prática) de identidade (Andrieu (2018)). A função de uma definição clara é nos guiar enquanto tentamos entender os problemas que hoje marcam o tema, e também enquanto partimos em busca de soluções. Um lugar onde podemos procurar por esclarecimento são situações onde observamos o uso de identidade.

No nosso cotidiano, isso é frequente. Desde um amigo que nos reconhece pelo rosto, até um estabelecimento que nos peça um documento que comprove nossa idade — são exemplos de uso de identidade. Também ao entrar num edifício usando um cartão magnético, ao assinar um documento como forma de autenticação, ou ao saber com quem se está falando no telefone apenas pela voz. É claro que não se restringe a pessoas; instituições também têm identidade. Um uniforme, por exemplo, identifica alguém como integrante de alguma instituição.

O que há em comum nas situações é que existe algum tipo de evidência física de que a pessoa (ou instituição) com a qual estamos lidando é alguma que já conhecemos, e que está associada a um conjunto de informações. Um nome, uma idade, uma comida preferida ou a capacidade de te multar por estacionar num lugar irregular. Todos são exemplos de informações que associamos ao detentor daquela identidade. As trazemos a tona quando observamos essas evidências, essas provas.

Desse ponto de vista, um documento de identidade físico é algo surpreendente. Somente pelo fato de um pedaço de papel afirmar que sua data de nascimento foi a mais de 18 anos, um bar pode concordar que você é maior de idade. O tal estabelecimento “não tem um contrato legal, relação de negócios ou integração técnica” com o órgão que emitiu seu documento (Windley (2018)), mas ainda assim reconhece aquele pedaço de papel como algo que comprova a sua identidade — e, portanto, as informações associadas (como a sua idade).

Analisemos esse último exemplo mais a fundo. Nessa situação, existe uma afirmação sendo feita: “tenho mais de 18”. Para comprovar a validade dessa afirmação (i.e., que essa informação corresponde com quem a afirma) é necessária uma prova, que no caso toma forma como um documento que funciona como atestado de que o governo confirma aquela informação (Antony Lewis (2017)). Afinal, fica associada a validade da afirmação à entidade que a afirma; i.e. que essa pessoa que diz ser maior de idade de fato é.

Então identidade não passa disso: informação associada a um ser físico acompanhada de uma prova dessa associação. É uma definição abrangente, embora talvez não satisfaça indagações filosóficas, sociológicas ou espirituais. O importante, no entanto, é que é uma definição prática que nos permitirá discutir mais a fundo quais são os problemas (e as possíveis soluções) da maneira como lidamos com identidade hoje.

Referências

Andrieu, Joe. 2018. A Primer on Functional Identity. Web of Trust Info. https://github.com/WebOfTrustInfo/rebooting-the-web-of-trust-fall2017/blob/master/topics-and-advance-readings/functional-identity-primer.md.

Antony Lewis. 2017. “A Gentle Introduction to Self-Sovereign Identity. Bits on Blocks.” May 16, 2017. https://bitsonblocks.net/2017/05/17/a-gentle-introduction-to-self-sovereign-identity/.

“Facebook–Cambridge Analytica Data Scandal.” 2018. Wikipedia. https://en.wikipedia.org/w/index.php?title=Facebook%E2%80%93Cambridge_Analytica_data_scandal&oldid=843686761.

Noonan, Harold, and Ben Curtis. 2018. “Identity.” In The Stanford Encyclopedia of Philosophy, edited by Edward N. Zalta, Summer 2018. Metaphysics Research Lab, Stanford University. https://plato.stanford.edu/archives/sum2018/entries/identity/.

Windley, Phillip. 2018. “How Blockchain Makes Self-Sovereign Identities Possible. Computerworld.” January 10, 2018. https://www.computerworld.com/article/3244128/security/how-blockchain-makes-self-sovereign-identities-possible.html.

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