O seriado produzido pela Netflix trouxe uma relativa agitação quando comparado com os outros seriados sobre super-heróis da empresa norte-americana, no caso “Demolidor” e “Flash”. A questão é: muito pouco foi explorado da série e pouca reflexão foi trazida à luz quando a carga importantíssima que a série traz é encarada analiticamente.
Isso ocorre pelo fato de que a cultura pop é vista como vazia (não que não o seja em sua maioria) e como lixo cultural. Entretanto, com essa visão, se exclui o fato de que a cultura pop é criação humana e, por ser feita sem o esmero da erudita, por exemplo, acaba revelando as feridas e cicatrizes da sociedade contemporânea de uma forma peculiarmente viva.
Tomando isso em conta, passemos ao seriado propriamente dito. Jessica Jones é uma detetive particular, com uma força sobre-humana e com hábitos impróprios para a mulher contemporânea, de acordo com a moral vigente, é claro. Ainda de acordo com essa visão, os personagens secundários também são um tanto quanto “fora do eixo” para os padrões, como a sua amiga Trish e Jeri Hogarth, uma advogada homossexual.
Trish e Jessica são as super-heroínas que deveriam ser modelos para as nossas menininhas, uma vez que uma tenta defender a outra, sem que uma delas represente a donzela em perigo. A visão estereotipada da mulher frágil e inútil para o combate é destruída pela dupla, sendo depois incinerada pelo fato de serem duas mulheres solteiras e independentes de qualquer homem.
Jessica ainda dá um passo à frente, ela, usando o linguajar popular, “bebe como o papai” (o que batiza o episódio terceiro da série com o nome de “codinome whisky”) e “ama como a sua amante”, o que a torna assim órfã de mãe — e excomungada da moral, consequentemente. Jessica usa a bebida e a violência como válvula de escape para os seus sentimentos amargos e veste calça jeans em todas as cenas do programa, o que não a faz homem, por óbvio, apenas uma mulher que age do jeito que lhe convém.
Enfim, após uma breve análise fica evidente que o seriado incomoda as mentes mais conservadoras, mas que não causa balbúrdia pelo que expresso no início do texto, a cultura pop não se mostra como algo relevante ou sério, mas como algo comercial, trivial e lúdico. O texto não tem como pretensão desmistificar ou contradizer a opinião construída à essa cultura, mas apenas mostrar que é fruto de trabalho humano e, como tal, traz as nuances de opiniões, cicatrizes e até mesmo denúncia da realidade social, e, no caso de Jessica Jones, o caso é o último, uma vez que a heroína é vista como uma mulher à parte, um tipo social menosprezado, e não apenas como deveria ser vista: apenas como uma mulher.