O que a polarização no debate político diz sobre nós?

Raoni Henrique
Movimento Ímpar
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6 min readOct 10, 2016

Mal acabou o conturbado e controverso processo de impeachment que sofreu a ex-presidente Dilma Rousseff e uma nova polêmica parece ter dividido o Brasil: a Proposta de Emenda Constitucional 241 (PEC 241), apresentada pelo novo governo. De maneira geral a PEC propõe um corte nos gastos futuros do governo federal para conter o déficit das contas públicas. As discussões em torno da proposta são muitas e novamente observamos uma polarização no debate.

De um lado temos aqueles que defendem que a medida é fundamental para o equilíbrio fiscal e retomada da confiança dos investidores no país e um caminho para o fim da crise econômica que enfrentamos. Do outro lado, se encontram os que afirmam que o corte proposto irá afetar substancialmente áreas como saúde e educação, atingindo principalmente os mais pobres. O assunto reverberou bastante na mídia nas últimas semanas e também nas redes sociais. Para quem quiser entender melhor, essas duas matérias, uma do EL País e outra da BBC resumem um pouco a discussão.

O que temos visto até aqui é que a polarização, entre aqueles que defendem e os que são contras a PEC, se transformou em uma armadilha para pensarmos em novas soluções para desafios não tão novos assim. Entender melhor o problema e buscar novas perspectivas pode nos ajudar a superar nossa mentalidade fundamentada em medos. Dessa forma, podemos realizar diálogos mais ricos, subvertendo a lógica do nós contra eles e quem sabe assim chegarmos a mais caminhos possíveis para lidar com desafios que serão cada vez mais frequentes.

Apesar da crise….

Para que nosso sistema econômico atual funcione é preciso que haja crescimento. Isso significa que precisamos gerar mais riquezas, para assim gerar mais oportunidades e consequentemente melhorar o nível de renda. Dentro dessa lógica, com o aumento da renda da população conseguiríamos, assim, diminuir as desigualdades e aumentar as oportunidades para todos. Essa é a premissa, mas não é bem assim que acontece.

Como bem pontuou a economista Dambisa Moyo nesse TED, o indivíduo capitalista primeiro se preocupa em satisfazer suas necessidades para somente depois pensar no bem estar geral. Como nossa economia fundamenta-se na lógica da escassez, acreditamos que não tem pra todo mundo, então corremos todos para assim garantir o nosso. Isso acaba gerando um sistema desigual baseado no consumismo exacerbado, no medo e no individualismo.

Além dessas anomalias, a economia global vem sendo atingida pelo impacto das mudanças climáticas, problemas geopolíticos, como guerras e refugiados, corrupção generalizada (estão lembrados da Lava Jato?), e tem sofrido para atingir níveis de crescimento consideráveis. De acordo com o FMI, os países da zona do euro, assim como os Estados Unidos, não devem crescer mais de 2% em 2016 e 2017. Já o Brasil, país considerado em desenvolvimento, terá sua economia retraída em mais de 3% pela segunda vez consecutiva em 2016, de acordo com economistas.

Redução de salários e benefícios, aumento de impostos e propostas similares a PEC 241 têm portanto sido cada vez mais comuns em diversos países que enfrentam baixo crescimento econômico. Medidas como estas são normalmente impopulares, enfrentam resistência mas são propagadas como necessárias. A questão é que os governos são pressionados para tomar medidas que retomem o crescimento da economia, mas como podemos ver, elas serão sempre insuficientes e impopulares. Como então nós cidadãos podemos nos posicionar em relação a crise e a medidas como essa de maneira mais construtiva possível?

Medo e polarização

O que eu percebo é que muitas pessoas que se opõe ou são a favor da PEC 241 são motivadas pelo medo, que está na base do nosso sistema econômico (como mostramos nesse post). Medo no corte dos benefícios, medo de um aumento salarial que não virá, medo do país continuar gastando muito e não conseguir voltar a crescer, de não ter um emprego, medo de não termos a saúde e educação que precisamos, de não ficar rico.

Cada vez que a sociedade se divide e o debate se resume a quem é a favor ou contra, estamos mesmo que inconscientemente seguindo a lógica de pensar primeiro no nosso bem estar. Assim, criamos um escudo de medo que nos fecha para a oportunidade de debater outros caminhos e possibilidades.

A falta de diálogo é um reflexo desse nosso sistema. Como em geral pensamos no nosso bem estar antes de pensar no todo, nossos pensamentos e ações são motivados então pelo medo. Julgamos e entendemos o mundo com base em certo e errado, procuramos culpados, não conseguimos dialogar, terceirizamos soluções, e podemos cair em uma espiral egoísta e auto-destrutiva.

E se pensarmos diferente?

Se observarmos outros países que passam por uma crise econômica, percebemos o poder que o diálogo pode ter em promover mudanças. Ao investir no diálogo pode ser possível pensar em novas de formas de nos organizarmos, criarmos projetos, negócios e alternativas que preenchem nossas necessidades.

Na Grécia, por exemplo, a falta de credibilidade do governo culminou em uma série de projetos criados por pessoas dedicadas a criar sistemas alternativos de vida, nos quais eles consigam preencher suas necessidades localmente e de modo cada vez mais independente.

Em Totnes, cidade no interior da Inglaterra, nasceu o movimento de transição com o objetivo de criar iniciativas em torno do aumento da resiliência local e diminuição da emissão de CO² na atmosfera. Um dos mais recentes projetos desenvolvidos por eles foi o mapeamento dos principais problemas locais referentes a energia, saúde e alimentação. Assim, eles conseguiram identificar oportunidades para empreendedores criarem projetos sustentáveis financeiramente e que também priorizam o bem estar e a resiliência que a economia atual não está sendo capaz de prover.

E ainda, quando abandonamos a mentalidade de separação, conseguimos sair da polarização e entender que até mesmo as instituições são constituídas por pessoas como nós. Dessa forma, conseguimos abrir uma ponte de comunicação com governos, instituições e empresas e potencializar as mudanças que tanto buscamos.

Se, por exemplo, estivermos diante de um cenário de redução de bilhões no orçamento para a saúde e educação, temos sim um grande problema. Mas por outro lado pode ser também uma oportunidade para repensar nosso sistema de saúde, engajar-se em negócios nessa área e repensarmos quais nossos valores pessoais podemos mudar para chegarmos a uma solução.

Me abraça e vamos juntos!

O debate em torno da PEC 241 mais uma vez mostra a polarização da sociedade brasileira nos temas de grande importância para o país. Estamos chegando em um momento de virada na nossa economia, e tanto as crises quanto as medidas de austeridade são reflexo de um sistema que, acima de tudo, precisa ser repensado.

A polarização no debate reflete como ainda estamos presos em velhos discursos, mas também nos mostra que podemos abraçar uma nova perspectiva se quisermos sair da estagnação. Para construir novos caminhos possíveis precisamos dar espaço a novas vozes, transformar conflito em diálogo, e diálogo em ação. Vamos juntos?

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Raoni Henrique
Movimento Ímpar

Consumer Insights e especialista em Ux e Design no Grupo Consumoteca. Fundador do @movimento ímpar. Autoridade em memes e polêmicas.