Ideia sem brilho e sem acento.

Miguel Pacheco
MP&C Comunica
Published in
3 min readFeb 27, 2018

Há alguns anos, a palavra ideia perdeu o acento. E um pouco do encanto. Fruto do novo acordo ortográfico, podaram a entonação desta palavra que rege nossa profissão. Não quero ser saudosista ao pensar que as “idéias” de antigamente eram melhores, mas vejo que nossa profissão está perdendo um pouco do poder da conquista.

Gosto de pensar que o segredo da grande ideia é descobrir qual botão apertar em uma pessoa para levá-la a comprar o seu produto em lugar de outro. Escrevendo desta forma parece algo um tanto quanto pragmático, nada romântico. Mas há um lance emocional por trás da ciência, além dos links, estratégias, gatilhos e funis de venda. Como dizia um antigo colega de faculdade: falta o “samba no pé, o brilho no olhar”.

Mas muito desse brilho no olhar deve-se pelo conjunto da obra — e não é do Oscar que estou falando. A “puta sacada” deve ser formada por um conceito matador, redação assertiva e direção de arte admirável — independente do contexto, imagem é quase tudo. Aí entram as estratégias adequadas. O que vejo hoje em dia é um mercado publicitário abrindo mão do samba no pé e investindo em publicações baseadas em estratégias digitais sem alma, conceito, sem efeito uau. Inserem um dos principais patrimônios do cliente — a sua marca — em qualquer lugar e de qualquer forma, apenas com o conceito de se posicionar. E posicionamento não é isso.

Como o meu trabalho é diretamente relacionado a ideias, vez ou outra recebo uma ligação de um amigo com uma “grande ideia para ficar rico”. A boa notícia para nós é que as pessoas ainda acham que uma grande sacada aliada com comunicação é a receita do bolo. Mas geralmente essas ideias são rasas, descartadas com duas ou três contestações.

Aqui na MP&C temos uma regra: todas as ideias são discutidas em grupo e jogadas aos leões. Se prontamente for aprovada por todos significa que está automaticamente descartada. Nenhuma ideia/conceito/criação é boa o suficiente para ser aprovada por 100% das pessoas. Nem Jesus Cristo conseguiu tal façanha. Além do brilho no olhar e do samba no pé, da redação e da direção de arte, a ideia tem que causar incômodo, ser ousada. Gostamos de apresentar um conceito e ver duas pessoas cruzando os braços e enrugando a testa. Como disse anteriormente, é emocional, é um mecanismo de defesa. E se a ideia exposta espantou alguém, é porque pode ser lapidada para brilhar.

No ano passado, criamos uma campanha dentro de um carro durante uma viagem de Porto Alegre para Santa Maria. Quatro horas trancados discutindo ideias até sair um conceito. Ao chegarmos, apresentamos ao restante da equipe que imediatamente cruzou os braços ou coçou a cabeça. Acho que aquele foi o momento que descobrimos o tal botão de vendas. Muito se deu também por que algumas pessoas da equipe eram ou foram público-alvo desta campanha. E assim foi criado um dos nossos maiores cases.

Criar não é tarefa fácil. É preciso cabeça aberta, estudo, leitura, paciência e ousadia. É saber receber críticas e conhecer os seus limites e os limites do mercado. Mas compensa-se tudo com o brilho no olhar de uma campanha aprovada.

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